Como parte da campanha Reportagens Cine Festivais, realizamos uma intensa pesquisa a respeito do impacto da desigualdade racial na carreira de atrizes e atores negros da nova geração do cinema brasileiro. Quais são as principais mudanças do cenário atual em relação a décadas passadas? Como o ambiente recente de maior visibilidade do debate racial tem impactado as relações de trabalho e a representação de personagens negros no cinema? O que pensam intérpretes, roteiristas, cineastas, críticos e pesquisadores sobre o tema? Essas são algumas questões que guiaram a nossa apuração, que resultou na reportagem especial que publicamos a seguir.
A matéria é composta por seis blocos. (Para abrir cada um deles, clique no título correspondente ou no botão “+”)
1. “Não sei se dá duas horas de projeção”
A primeira vez que o Brasil conquistou um prêmio no Festival de Veneza foi em 1953, com Sinhá Moça, agraciado com o Leão de Bronze. Com direção de Oswaldo Sampaio e Tom Payne, o filme tinha produção da Companhia Cinematográfica Vera Cruz e sua trama era baseada no romance homônimo de Maria Dezonne Pacheco Fernandes sobre o conflito entre um fazendeiro escravocrata e sua filha, que regressa dos estudos na capital, onde teve contato com ideais antiescravagistas. Anselmo Duarte e Eliane Lage protagonizavam o longa, mas quem chamou a atenção da imprensa internacional foi a coadjuvante Ruth de Souza, que interpretava a escrava Sabina, chegando a ser cotada para receber o prêmio de Melhor Atriz. 50 anos depois, Maria Angela de Jesus lançaria a biografia Ruth de Souza: Estrela Negra, sobre uma carreira que começou em 1948 e incluiu mais de 30 longas-metragens. No livro, Ruth se refere à personagem Sabina como “uma pontinha”, padrão reiterado durante toda a sua trajetória: “Se formos juntar todos os papéis que fiz no cinema, não sei se dá duas horas de projeção”.
O crítico, curador e pesquisador Heitor Augusto reviu Sinhá Moça recentemente e conta que ficou impressionado com a atuação de Ruth. “Ela tem um fiapo de personagem e consegue ser a atriz que prende a nossa atenção. Tem um plano específico do filme, no momento da fuga dos escravizados, que começa mostrando vários homens negros, trazendo uma ideia de coletividade, e termina no rosto da Ruth de Souza. Ali ela chama o filme para si. Está triste, melancólica, mas olha impávida e determinada para frente. Penso esse plano como uma metáfora de uma certa condição histórica dos atores e das atrizes negras no Brasil, que precisam cavar agência, construir buracos dentro de um sistema com limites pré-determinados”.
Para Heitor, o fato de intérpretes negros terem sido sistematicamente subaproveitados ao longo da história do cinema brasileiro inviabiliza até mesmo uma avaliação de conjunto sobre seus trabalhos de atuação. “A Zezé Motta, por exemplo, tem 50 anos de cinema. Quantas vezes foi protagonista? Uma só, em Xica da Silva. Façamos um paralelo de uma atriz da mesma geração, como a Sônia Braga. Quantas vezes a Sônia foi protagonista? A Zezé Motta é uma atriz inferior? Eu não acho. Qual é o tamanho da Zezé como atriz? Não tem como saber! Quais personagens lhe foram dados? O mesmo ocorre com tantos outros, como o Waldir Onofre. Não temos como avaliar, porque não foram dadas oportunidades para esses atores mostrarem flexibilidade”, opina.
Na edição de número 40 da Revista Filme Cultura, publicada em 1982, um dossiê intitulado “O Negro no Cinema Brasileiro” reuniu ensaios e entrevistas sobre o tema. Ruth de Souza foi uma das profissionais ouvidas e declarou o seguinte: “A atriz negra é sempre relegada a símbolo sexual. Em geral aparece rebolando, mostrando o traseiro pra gringo ver, e as pobres coitadas ainda acham que estão fazendo ‘arte’. Ou então é a desgraçada das favelas. O cinema brasileiro nunca mostrou uma imagem da família negra com seus problemas cotidianos, como todo mundo, independentemente da cor da pele. Existem famílias negras que me cobram isso: por que você só faz papel de criada, escrava, marginal ou babá? A imagem do negro brasileiro mostrada pelo cinema, teatro e TV ainda é uma imagem mentirosa.”
A reportagem apresentou esse trecho para algumas de suas fontes, colocando em seguida uma pergunta: o que mudou de lá para cá? Para o crítico e pesquisador Juliano Gomes, a questão levanta algumas camadas de debate. “Quando a Ruth fala isso nos anos 80 era possível ter uma ideia mais ou menos uniforme do que era o conjunto do cinema brasileiro. Hoje conseguimos encontrar um espectro razoável de perfis de personagens negros, em especial no curta-metragem, mas a gente sabe que o acesso a esses filmes nem sempre é fácil. E entre os filmes brasileiros que produzem uma visibilidade maior é evidente que esse problema de uma pobreza na concepção de personagens negras permanece, está aí. Mas eu acho que hoje temos condições como nunca antes tivemos de alterar esse cenário”.
Grace Passô, premiada como melhor atriz no Festival do Rio de 2017 (por Praça Paris, com direção de Lúcia Murat) e no Festival de Brasília de 2018 (por Temporada, com direção de André Novais Oliveira), acha que “existe um misto de sordidez e ignorância; uma vontade de se aprofundar verdadeiramente na representação negra, mas também um desinteresse real” coabitando o cinema brasileiro. “Hoje eu vejo negros e negras vivendo o cinema com mais amplitude, mas ao mesmo tempo a gente continua subjugado a um olhar que só consegue ter referências a partir de determinados estereótipos. É um olhar de um lugar hegemônico, que mira a beleza na Europa, e não em outros cantos do mundo. Acho que o audiovisual precisa mesmo alargar os espaços de atuação em todos os níveis, sobretudo os espaços de concepção das pessoas negras”.
Para a cineasta Glenda Nicácio, que vive e produz filmes em Cachoeira (BA), a reação de diversos espectadores após sessões de Café com Canela (longa que codirigiu com Ary Rosa) é uma prova da atualidade do que disse Ruth nos anos 80. “Às vezes não temos a dimensão do quanto esse tipo de representação histórica afeta, machuca e constrói cotidianamente a vida de tantas famílias negras que assistem audiovisual. Exibir o Café… e ouvir a reação de muitas pessoas fez com que isso gritasse na nossa cabeça. Pensando no espectador e na espectadora negra, muitas vezes a gente só percebe essa falta quando se depara com algo diferente, com imagens que falam sobre nós”.
Com a estreia do filme no circuito comercial em 2018, Glenda se tornou a terceira mulher negra a dirigir um longa-metragem brasileiro lançado comercialmente em salas de cinema, juntando-se a Adélia Sampaio (com a ficção Amor Maldito, em 1984) e Camila de Moraes (com o documentário O Caso do Homem Errado, também em 2018). Segundo dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) referentes aos 142 filmes brasileiros lançados comercialmente em 2016, apenas 2,1% foram dirigidos por homens negros, enquanto nenhum deles contou com uma mulher negra na função. Quando a avaliação se refere aos roteiros, os mesmos números permanecem, com a adição de 3,5% de equipes de roteiristas formadas por homens brancos e negros.
A trama de Café com Canela tem como protagonistas Margarida (Valdineia Soriano, melhor atriz no 50º Festival de Brasília), que vive em luto pela morte do filho, e Violeta (Aline Brune), uma ex-aluna que reencontra a professora e decide tentar retirá-la desse estado de reclusão. Para além do núcleo principal, Heitor Augusto chama atenção para o personagem de Babu Santana, um médico homossexual. “Acho esse um exemplo paradigmático do que pode ser o futuro. O Babu interpretou basicamente um tipo de personagem ao longo da carreira: o preto parrudo. Então foi dada para ele a oportunidade de interpretar uma bicha sensível, e aí você descobre: ‘então ele sabe fazer outras coisas!’. O mesmo podemos pensar com relação às atrizes dessa geração. Fico curioso para saber como vai ser a trajetória da Isabél Zuaa, da Mariana Nunes, da Dandara de Morais, para ficar em alguns exemplos. O que será dessas atrizes? Que personagens elas receberão?”
A atriz Vaneza Oliveira, dos principais nomes do elenco da série 3% (Netflix), reforça a perspectiva: “Há uma bateção de testa no aspecto da força, sabe? Claro que no dia a dia as mulheres negras são educadas a aguentar tudo, mas isso também é um saco pra gente! Dentro do movimento já se discute essa subjetividade da mulher negra, de se permitir chorar, de querer sentir essa dor, de se permitir ser frágil. Seria legal se o cinema brasileiro acompanhasse isso. Para além de combater os estereótipos, significaria dar lugar de vida e humanidade para os personagens”.
2. “Por que não uma mulher negra?”
“Preto Viado”. Com essas palavras o protagonista do curta-metragem Pele Suja Minha Carne (2016) preenche um espelho embaçado pelo vapor d’água na sequência final do primeiro trabalho do carioca Bruno Ribeiro na direção. João (Diego Francisco), o personagem, é um adolescente negro que convive majoritariamente com pessoas brancas no condomínio fechado em que mora e na escola particular em que estuda, e sua trajetória no filme levanta reflexões diversas sobre negritude e sexualidade.
Para a crítica Carol Almeida, o desfecho da obra traz um “gesto corajoso (…) em abrir a imagem para duas possíveis interpretações dessa ação. A primeira, positiva, é de que ele repete essas palavras diante do espelho para criar um enfrentamento frontal a elas, do tipo, se é pra ser preto e viado, serei preto e viado nessa porra. A segunda o coloca numa situação mais frágil, de alguém que entende, naquele momento, que terá que lidar com essas marcações e suas consequências sociais, o anúncio de uma batalha da qual ele não conseguirá mais fugir.”
Nas exibições em que esteve presente, Bruno Ribeiro conta que as duas interpretações foram aventadas inúmeras vezes, o que lhe agrada. “Acho que é importante que a gente não se prenda a uma cartilha de como representar personagens negros. A melhor forma de lidar com o problema da sub-representação, ou de uma representação mal feita, é cada vez mais complexificar esses personagens, e para mim isso passa por entender que os personagens podem apresentar contradições, e que isso é legal também, sabe? A gente não resolve a situação criando um personagem que é um advogado que veste terno. Não é isso! É preciso explorar mais as falhas, as vulnerabilidades”.
Juliano Gomes corrobora a visão de Bruno. “A questão é a gente formar um imaginário coletivo mais variado com relação ao espaço que um corpo negro pode ocupar. Não acho que é preciso entrar numa espécie de jornada de positivação. Como horizonte de construção, o que eu entendo como mais importante é variar esses perfis, tornar o campo menos homogêneo, e hoje a gente está muito longe disso”, avalia. Para o crítico, um filme como Quintal, de André Novais Oliveira, é exemplo de uma abordagem que tensiona lugares estabelecidos historicamente no cinema brasileiro, pois nele “o prosaico e uma certa ideia de vida concreta dos negros brasileiros não são opostas a situações oníricas, nonsenses e viajantes”.
Parceiros de André Novais na Filmes de Plástico, Gabriel Martins e Maurílio Martins lançaram neste ano o longa-metragem No Coração do Mundo. Entre a ideia do projeto e as filmagens, ambos passaram por um processo de autoquestionamento acerca do motivo de haverem criado alguns personagens como homens. “Foi um exercício fascinante porque percebemos que isso estava muito mais atrelado a um vício de escrita do que a um pensamento outro”, diz Maurílio.
A experiência tem reverberado em Gabriel, que entende a construção de personagens como um exercício constante e nunca estanque, seja no roteiro, seja na direção. “Mesmo com você se colocando como uma pessoa que é muito consciente dessas questões, dessas desigualdades, tem muitas coisas que fazemos de uma forma muito automática. O racismo opera dessa forma também; você não para para pensar. Penso que o desafio atual é o de questionar os automatismos em todas as áreas, não só em relação à representação dos negros, mas também na questão de gênero, nos conflitos de classe, etc.”.
Quando esses automatismos são superados, é comum haver estranhamentos. Um exemplo se deu no debate sobre o curta-metragem Cheiro de Melancia na Mostra do Filme Livre de 2017, quando a diretora Maria Cardozo foi questionada sobre o motivo de haver escolhido atrizes negras para aqueles papéis [que não estão relacionados diretamente a debates raciais], e optou por devolver a pergunta: “por que não uma mulher negra?”
Para a atriz Cíntia Lima, que protagoniza o filme, a situação simboliza um certo estado de coisas do audiovisual e da sociedade brasileira: “Esse estranhamento existe porque as pessoas não estão acostumadas a ver uma personagem negra fora dos papéis de sempre. Ela não está ali necessariamente porque é negra, mas porque é uma personagem complexa que tem sua subjetividade, sua potência, sua humanidade, assim como qualquer pessoa”
Cíntia conta que ultimamente tem se recusado a participar de projetos em que não se satisfaz com o desenvolvimento das personagens que lhe são oferecidas. “Não acho que isso deva ser uma cobrança, porque muitos atores e atrizes não têm a mesma possibilidade financeira para negar papéis. No meu caso consigo fazer essa escolha porque também trabalho com direção de arte, estou roteirizando meu primeiro longa-metragem, realizando o meu primeiro curta de ficção… Se estivesse trabalhando só como atriz seria muito difícil. Provavelmente iria fazer vídeos para castings de TV e ficaria esperando me chamarem para um papel completamente irrelevante”, diz.
O ator André Luis Patrício, que atuou no curta Ninjas (2009), nos longas Na Quebrada [2014, Fernando Grostein Andrade], Morto Não Fala [2019, Dennison Ramalho] e Um Dia com Jerusa [2019, Viviane Ferreira] e nas séries Sintonia [Netflix], Amor Em Quatro Atos e Segunda Chamada [ambas da Rede Globo], conta que já esteve em situação de rua e passou por vários empregos diferentes quando não havia oportunidades de continuar atuando. “A tentativa de seguir no mercado, sozinho, sem agente, significa acordar hoje e tentar arrumar a rotina: para onde ligar, ver para onde mandar e-mail, para quem perguntar. Trocar ideia com os amigos, atores negros, um passa contato para o outro, para se movimentar”, descreve o ator, que critica uma “apadrinhagem” que seria comum ao meio cinematográfico e se manifestaria, por exemplo, nos testes de elenco: “Há alguns testes de elenco que são segredo de Estado. Ou você está naquela roda ou não fica sabendo, não chega às produções. Podia ser uma coisa mais democrática, para todo o circuito.”
Nas chamadas para testes de elenco é comum encontrar vagas que especificam a busca por “atrizes/atores negros”, mas os anúncios procurando “atrizes/atores brancos” são bem menos constantes. Para a atriz portuguesa Isabél Zuaa (As Boas Maneiras, Joaquim, Kbela), este padrão está ligado a uma ideia do branco como universal, algo que ela vem tentando desnaturalizar ao longo da carreira. “Durante algum tempo eu respondia a algumas solicitações de chamada para ‘atrizes’, às vezes como forma de provocação, em outras com interesse real no projeto. Recebi respostas muito curiosas, e as que me deixavam feliz eram aquelas que me faziam sentir que contribuí para abrir a cabeça de algumas pessoas. Mais de uma vez ouvi a frase: ‘não tínhamos pensado na personagem tendo as suas características, mas agora resolvemos abrir o casting para outros biotipos’”, recorda.
O ator Sidney Santiago estreou no cinema como protagonista de Os 12 Trabalhos, filme de Ricardo Elias que ganhou a seção Horizontes do festival espanhol de San Sebastián, em 2006, e proporcionou a Sidney os prêmios de Melhor Ator no Festival do Rio e no Cine PE. Ele é enfático, contudo, ao dizer que a repercussão não lhe abriu porta alguma. “Se eu fosse um ator branco que com 18 anos tivesse ganhado os maiores prêmios do cinema nacional, certamente a minha trajetória seria outra”, opina. Nos mais de 30 curtas, longas-metragens e telefilmes em que trabalhou, a entrada sempre se deu por testes de elenco. “Às vezes eu disputo personagens com atores brancos, mas isso é bem raro, e em muitos momentos eu percebo que eles testam já tendo na cabeça que seria muito difícil defender a possibilidade de aquele personagem ser um negro”.
As agências de atores e atrizes funcionam como mediadoras no processo de busca por oportunidades, mas a facilidade e velocidade com que os talentos são contatados e empresariados também reflete a desigualdade racial. A atriz Clebia Sousa, que estreou no cinema em O Som ao Redor (2012), encontrou dificuldades para ser agenciada. Ela entendia que isso poderia lhe abrir novas oportunidades profissionais e evitar burocracias como a negociação de contratos, e só recentemente passou a fazer parte da agência “ao cubo”, onde está hoje. “Por outro lado, tenho amigas brancas que começaram há pouco tempo no cinema, fizeram um ou dois trabalhos, e já tem agentes. Acho isso bem complicado”, reclama.
O demo reel (uma espécie de portfólio em formato audiovisual compilando cenas da carreira) é hoje peça-chave para que ínterpretes consigam mostrar seu trabalho, e ajuda a revelar um problema cíclico: “Principalmente se você estiver começando, ter um empresário é difícil, pois é um profissional que pensa em produto. A forma que você tem para negociar com o seu agente é mostrar o seu trabalho, mas elaborar o reel é árduo, já que você precisa ir atrás do material, e muitas vezes os atores negros não fizeram grandes papéis, mas participações. Assim é mais difícil reunir as cenas e obter atenção”. A fala é da atriz Mariana Nunes, que transita entre a TV (Carcereiros, O Mecanismo) e o cinema (Alemão, Febre do Rato, Zama). Agenciada pela BR3, Mariana diz que o mercado de agência de atores está mudando. “Eu acho que o negro é o novo ruivo. Toda publicidade que você vê, publicidade de banco, de carro, tem sempre um ruivo maneiro ali. A mina do cabelo laranja. Porque é ‘exótico’, odeio essa palavra. E agora o negro ocupa esse lugar. As pessoas estão entendendo o valor comercial disso, e eu estou achando tudo isso muito estranho. Porque, de uma hora pra outra, a gente, que não valia nada, tá valendo muito”.
Com menos obstáculos à quantidade de oportunidades para atores e atrizes negros, a luta contra os personagens estereotipados é extensa e enseja as recusas, cada vez mais constantes, de negros diante de um papel que reforce as mesmas imagens de sempre. A atriz Dandara de Morais estreou em longas-metragens em Ventos de Agosto (2014), obra de Gabriel Mascaro que lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Festival de Brasília e foi bastante exibida no Brasil e no exterior. “Circulando com o filme por festivais eu geralmente encontrava poucas pessoas negras. Passei a fazer amizades, a conversar sobre isso, e aos poucos fui entendendo o lugar que estava reservado para mim dentro do audiovisual. Outra coisa marcante para isso foi o posicionamento da Solange Couto sobre os papéis que havia feito ao longo da carreira [em 2015 Solange participou da campanha Senti na Pele e posou para uma foto que apontava que dos 37 papéis que interpretou em novelas e mini-séries, 25 eram empregadas domésticas ou escravas, cinco eram dançarinas e apenas sete eram não estereotipadas]”.
Principalmente nos últimos anos, Dandara tem recusado alguns convites e chamados para testes de filmes. Entre os papéis oferecidos estavam uma prostituta, uma escrava, uma ex-presidiária e uma babá. O incômodo provocado por essa situação foi um dos combustíveis para que ela também começasse a escrever e dirigir os seus próprios filmes (os já lançados curtas-metragens Bup e Grito! – Parte I, o média As Vezes que Não Estou Lá, que está em fase de finalização, e o longa A Era de Jade, em processo de roteirização), algo que pretende continuar realizando paralelamente aos trabalhos como atriz.
A mineira Grace Passô também aponta o desejo de se ver melhor representada como grande responsável por sua aproximação de funções conceptivas (dramaturga e diretora) – em seu caso, principalmente no universo do teatro, e recentemente também atrás das câmeras, na adaptação cinematográfica de sua peça Vaga Carne (2019), realizada em conjunto com Ricardo Alves Júnior. A incursão no meio cinematográfico, porém, acompanha alguns estranhamentos. “No cinema o elenco é mais um elemento dentro de todo um sistema de produção. Isso me obriga a ter que dialogar ainda mais e a conhecer mais sobre as pessoas que fazem aquele filme: quem dirige? Quem escreve? Por que o projeto nasceu? Acho que as pessoas negras têm um trabalho mais árduo ao aceitar ou negar um papel. A gente é tão mal representada, geralmente, que acho necessário vasculhar cada projeto profundamente para saber se ele consegue trabalhar as dimensões amplas da sua existência”.
Sobre os roteiros de cinema que têm lido recentemente, Grace entende que vários deles associam personagens negros a lugares recorrentes na cinematografia brasileira, o que não vê como um problema per si. “Fala-se muito sobre o negro e a negra em papéis de subserviência, mas acho que essa nem é a questão. Eu, por exemplo, se for escrever um roteiro, me interesso muito mais em falar sobre uma situação que se passa no universo de uma empregada doméstica do que no de outras profissões. Acho interessante! Então a questão não é exatamente a profissão, é como isso é retratado. Escolhe-se olhar para o quê de uma empregada doméstica? Isso é o que importa para mim. Tenho lido muitos projetos de filmes: alguns não consigo fazer por causa da agenda, em outros não passo no teste, mas muitos deles eu realmente não acho que contribuem para uma reflexão e uma potencialização das resistências negras brasileiras”, analisa.
3. “Atitude com relação ao roteiro”
“Tem algumas cenas que você faz e pensa: ‘nossa, tá maravilhosa’. E quando vai assistir ao filme fala: ‘uai, cadê a cena?’ Em Vazante [2017, direção de Daniela Thomas] foi muito emocionante fazer a cena do parto; coloquei toda a minha força de interpretação, aplaudimos quando terminamos de gravar… Quando fui ver no cinema, a sequência se reduziu a uma duração mínima. Eu não me vi ali”, recorda a atriz paranaense Geisa Costa.
Para o roteirista e diretor mineiro Gabriel Martins (No Coração do Mundo, Nada), a estrutura da produção cinematográfica tende a colocar atores e atrizes em uma posição delicada e complexa. “Muitas vezes o roteiro que eles leram para aceitar o papel acaba sendo muito modificado, e existe toda uma construção de discurso feita pelas opções da direção e da montagem que foge ao controle dos atores. Também tem um lado muito prático, que é a necessidade de dar continuidade à carreira. Por isso muitas vezes eles entram em projetos que são meio duvidosos, nos quais não acreditam 100%”, comenta.
Nos últimos anos, com a efervescência e a visibilidade de debates sobre raça e gênero no País, discussões sobre representatividade e representação têm sido pautadas com mais vigor no audiovisual brasileiro. Para atrizes e atores negros, o impacto mais visível desse contexto, além do já citado cuidado para a escolha de papéis, é uma busca mais recorrente e menos individualizada por estabelecer um diálogo constante e aberto com cineastas e roteiristas durante o processo criativo, principalmente em produções com caráter mais independente/autoral.
“Acho fundamental que o diretor abra um diálogo com os atores que escolhe para interpretar os papéis de seu filme, ouça-os com atenção e esteja disposto a modificar cenas em que apareça algum questionamento válido. É uma batalha árdua, mas a cada projeto o saldo tem sido positivo”, conta a atriz Isabél Zuaa.
A participação da pernambucana Dandara de Morais no filme Açúcar (2017), de Renata Pinheiro e Sergio Oliveira, simboliza ao mesmo tempo uma transformação pessoal, uma reflexão coletiva, uma abertura para a contribuição criativa do elenco e um tensionamento da centralidade do discurso do filme na figura da direção. Depois de realizar a primeira etapa das filmagens, ela passou a se questionar sobre o discurso do filme. “Algumas cenas tinham referências a religiões afro-brasileiras, e isso foi feito sem muito cuidado, a partir do nosso imaginário a respeito do tema. Ao longo do tempo fui tomando consciência de que o que eu tinha feito não era legal, era ofensivo”.
Quando assistiu ao primeiro corte, Dandara se incomodou com os estereótipos associados a sua personagem, uma faxineira. Seu feedback foi ouvido pelos diretores, que decidiram rodar cenas adicionais com o objetivo de agregar ao papel uma maior subjetividade. “Fizemos essas cenas, mas ainda assim eu reconheço problemas no filme, e os diretores sabem disso”, diz a atriz, que já levantou tais questionamentos em debates após a exibição do filme.
Posicionamentos como o de Dandara vêm ao encontro do pensamento de Grace Passô sobre o lugar do ator no cinema: “Vou na contramão dessa noção da atuação como algo que só faz o que o outro pensa. Acho que existem hierarquias nas funções de concepção do cinema, mas penso que a atuação é uma apropriação do discurso também. Vejo a atuação como uma atitude em relação àquele roteiro ou em relação àquele filme”.
O ator carioca Digão Ribeiro, que contracenou com Grace em seu primeiro papel no cinema, em Praça Paris, afirma que a cineasta Lúcia Murat se mostrou disposta a discutir o roteiro por diversas vezes, tanto com ele quanto com os demais atores negros do elenco, pensando nos modos de representar os personagens e o contexto social, já que a trama fala do encontro de uma psicóloga portuguesa (Joana de Verona) que trabalha na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com uma ascensorista (Grace Passô) que passa a se consultar com ela.
“Neste momento do cinema eu já chego com meio caminho andado, pois sei da luta de pessoas que vieram antes de mim. Meu cuidado ao aceitar um projeto é avaliar a função do meu personagem e se estou reforçando alguma coisa que não é mais legal falar. Se eu perceber isso, tento conversar, trazer para um outro lugar. Dos que fiz depois do Praça Paris, só em um o diretor não tinha tanta abertura para dialogar. Foi difícil de trabalhar, mas meu personagem não trazia nada que me levasse a bater na mesa, discutir ou abrir mão do projeto”, conta.
No caso da mineira Bárbara Colen, o primeiro papel de destaque no cinema veio em 2016, quando interpretou a protagonista Clara – vivida por Sônia Braga na maturidade – no prólogo de Aquarius, de Kleber Mendonça Filho. Bárbara conta que a ideia do cineasta era encontrar uma atriz que se aproximasse de Sônia em termos de energia e de sensações, não que fosse fisicamente semelhante. Nos trabalhos posteriores (Bacurau, Breve Miragem de Sol, No Coração do Mundo) ela diz que seguiu fazendo papéis que não estavam atrelados a uma identidade racial, mas faz ponderações sobre isso.
“Primeiro, tenho que lembrar que sou uma negra de pele clara, e que tive diversas facilidades por causa disso. Nos últimos anos consegui trabalhar em projetos muito interessantes, mas todos dentro de um cinema mais autoral, no qual a possibilidade de haver uma diversidade maior de personagens é mais forte. Em compensação, não trabalhei nem tive oportunidades em um cinema mais comercial, mainstream, e acho que o fato de eu não ter me inserido nesse outro circuito também é simbólico do quanto ele é restrito”, opina.
O ator mineiro radicado em São Paulo Luiz Felipe Lucas transita entre teatro, cinema e TV. Membro do coletivo Legítima Defesa, grupo de teatro formado por atores negros, ele aponta que o tipo de discussão horizontal que tem ali guarda semelhança com um único trabalho que realizou para cinema ou televisão: o curta-metragem Quantos Eram pra Tá? (2018), de Vinícius Silva, que contou com uma equipe majoritariamente negra. Na maioria das vezes, porém, ele encara o cinema como disputa narrativa.
A reportagem encontrou o ator no set do filme O Homem Cordial, lançado este ano no Festival de Gramado, que tem direção de Iberê Carvalho. A trama é protagonizada por Paulo Miklos, no papel de um músico que se vê no centro de uma polêmica depois que um vídeo que o envolve na morte de um policial militar viraliza na internet. Luiz Felipe, que interpreta o papel de um PM no filme, falou sobre a experiência do processo: “Tive bastante espaço de fala na preparação, já que o tema é bastante delicado. Meu personagem entra numa cena de tortura que foi bastante discutida, foi um trabalho interessante. Ainda assim, você consegue enxergar no set uma mesma estrutura racista ali colocada: os chefes de equipe são brancos, as pessoas que carregam cabos são negros. Então não muda a estrutura, mas muda a narrativa”.
4. “Mexia nas feridas, nas minhas raízes”
Tente pesquisar na internet por gravações do debate sobre o filme Vazante ocorrido no 50º Festival de Brasília, em setembro de 2017, e tudo o que você irá encontrar são fragmentos. A organização do evento compartilhou em seu canal no Youtube uma playlist confusa, na qual há trechos faltantes ou fora de ordem, partes que se repetem e problemas na captação sonora. Já o site Cinema Escrito publicou em cinco partes o áudio do encontro, mas também não o trouxe na íntegra. Este caráter fragmentário se fez presente não só nos registros concretos, mas também nas reações que o debate seguiu gerando semanas depois. A reverberação ultrapassou a bolha cinematográfica e chegou até ao programa Conversa com Bial, da Rede Globo.
Primeiro longa-metragem com direção solo de Daniela Thomas, experiente cineasta autora de obras como Terra Estrangeira, Linha de Passe (ambos ao lado de Walter Salles) e Insolação (junto com Felipe Hirsch), Vazante é ambientado na decadente região dos diamantes, nas Minas Gerais, em 1821. A escolha da data, apenas um ano antes da independência do Brasil, está relacionada à proposição de uma leitura sobre a formação da sociedade brasileira.
Embora não se associe a uma lógica clássica de protagonismo, o filme coloca seu foco na Casa Grande, principalmente na figura da garota branca Beatriz (Luana Nastas), obrigada a casar com um português que a estupra rotineiramente. Entre os personagens negros, aqueles com maior presença em tela são o capataz Jeremias (Fabrício Boliveira), a escrava Feliciana (Jai Baptista), o garoto Virgílio (Vinícius dos Anjos) – que vem a se relacionar com a sinhazinha –, a escrava doméstica Joana (Geisa Costa) e o líder dos escravos africanos recém-chegados (Toumani Kouyaté).
O contexto da primeira exibição internacional de Vazante, ocorrida em fevereiro de 2017 na abertura da seção Panorama do Festival de Berlim, foi bem diferente daquele em que se deu a estreia do filme no Brasil, sete meses depois, e isso ocorreu não só por motivos mais evidentes (a diferença cultural entre olhares de estrangeiros e de brasileiros para a mesma história), por efemérides (a celebração da quinquagésima edição do Festival de Brasília) ou por escolhas de programação (na mesma noite, também foram exibidos dois curtas-metragens dirigidos por jovens negros – Peripatético, de Jéssica Queiroz, e Nada, de Gabriel Martins). O que esteve em questão no debate ocorrido na manhã do dia seguinte e nas repercussões posteriores foi não apenas o filme de Daniela Thomas, mas todo um histórico de representação do negro no cinema brasileiro.
Dois momentos são ilustrativos da discussão. No primeiro, o crítico Juliano Gomes se refere a Vazante como “uma espécie de Sinhá Moça ostentação”, evocando a obra dos anos 50 citada no início desta reportagem. Daniela Thomas contestaria parte das críticas e reclamaria do clima do debate no artigo O Lugar do Silêncio, publicado no blog Questões Cinematográficas, no site da revista piauí. Citado como “um dos críticos mais vocais” e acusado de ter sugerido à diretora que não lançasse o filme, Juliano (que já tinha escrito a crítica A Fita Branca na revista Cinética), tem sua resposta, O Movimento Branco, publicada no mesmo espaço, com o adendo de que uma réplica original, Quem Controla os Silêncios?, se encontraria em seu site.
No segundo momento, o cineasta Cacá Diegues, em participação na edição de 10 de novembro de 2017 do programa Conversa com Bial, defendeu a cineasta e disse que o filme não deveria ser alvo de uma “patrulha ideológica”, expressão que ele mesmo cunhou nos anos 70 para se defender de críticas recebidas após a estreia de Xica da Silva. Lançado em 1976, o longa dava curso ao mito da escrava alforriada que conquista um nobre português e ascende ao poder e riqueza no Brasil Colônia.
Diegues nomeou de “patrulha” um conjunto de críticos que tinha como expoentes parte da imprensa alternativa, os cinemanovistas descontentes com sua nova proposição formal (tida como mais comercial) e o movimento negro, que acusava o filme de esconder os conflitos raciais, de ser complacente com os escravocratas e de reforçar estereótipos vulgares sobre o corpo da mulher negra. No artigo A Senzala Vista da Casa Grande, para o periódico Opinião, a historiadora Beatriz Nascimento articula vários desses apontamentos e recrimina o filme: “Quanto a sua penetração enquanto discurso e comunicação o condenaríamos ao ‘índex’ das obras proibidas”. Oito anos depois, Beatriz participaria, a convite de Diegues, da fase de pesquisa para o roteiro de Quilombo (1984), filme que retrata a formação e queda do quilombo dos Palmares, no século XVII, na região em que hoje se localiza o estado de Alagoas.
A reportagem contatou a pesquisadora Mariana Queen Nwabasili, cuja dissertação de mestrado trata do filme de 1976 e do livro homônimo publicado no mesmo ano de lançamento do longa-metragem. Para ela, há hiperssexualização em Xica da Silva, mas ponderada por uma reversão: “Ela é astuta, usa a sexualidade como forma de poder”. Na visão de Mariana, Quilombo traria “personagens mulheres mais edificadas, construídas como heroínas, com participações em momentos decisivos para a trama”.
Segundo a pesquisadora, o paralelo possível entre Xica da Silva (de Cacá Diegues) e Vazante (de Daniela Thomas), distantes em mais de 40 anos, se dá por serem dois marcos da discussão sobre a representação do corpo negro no audiovisual brasileiro e por algumas condicionantes em comum, essencialmente o contexto histórico em que as tramas se passam (escravidão), o lugar social que ocupa o autor (branco) e a repercussão negativa enquanto momento pulsante do debate público. “Fazer obra ficcional que mostre a escravização de negros no Brasil sempre será uma questão enquanto nosso país for desigual racialmente, enquanto existir racismo, enquanto existir sexismo”, explica a pesquisadora. “Quando você é um cineasta branco, a implicação será ainda maior… Tanto Cacá Diegues quanto Daniela Thomas precisam saber disso: a branquitude também é racializada, ser branco no Brasil é uma questão racial tanto quanto ser negro no Brasil é uma questão racial”.
A maioria das críticas a Vazante problematizava uma construção em que os personagens negros não têm subjetividade e não assumem grandes protagonismos, como se o filme nunca se interessasse de fato por eles. Diante da profusão de visões conflituosas na recepção da obra, a atriz Geisa Costa (que interpreta a escrava Joana) nos contou sobre o processo de produção: “Fui convidada para fazer essa personagem e atuar como atriz. Achei que aquele não seria meu momento de fala, que não seria oportuno levantar essa discussão lá na produção, mas muitas coisas que ouvi daquele debate [em Brasília] eu havia pensado”, revela a atriz. Sem deixar de enfatizar que adorou fazer a personagem, Geisa considera que a história ficou muito focada no protagonismo branco, quando haveria muito mais a se mostrar. “Acho que os negros ficam de passagem dentro da trama. Lembro de uma cena que tinha uma dança maravilhosa dos quilombolas, mas no filme isso quase não aparece”.
Mariana Queen diz ter gostado de Vazante: “Acho que o filme mostra como o patriarcado branco incidiu sobre a vida de mulheres de lugares sociais diferentes. Mulheres brancas e jovens, não ricas. E mulheres negras escravizadas e ‘coisificadas’. A subjetividade negra não está ali porque o filme não é sobre negros”, opina Mariana, para quem o olhar de pesquisadora também pode ser limitador das possibilidades da obra: “Por vezes acho que minha visão de pesquisadora feminista negra, sobre a representação de corpos negros no cinema, procura a falha de representação histórica do filme [e o combate à representação negativa], pois é minha área de pesquisa”, confessa.
Durante as filmagens em Diamantina (Minas Gerais), Geisa Costa interagiu com as comunidades quilombolas locais, colhendo por conta própria depoimentos das mulheres negras. “Acho que falta isso. Você tem uma megaprodução com muitos negros, mas a gente fica sabendo pouco a respeito deles. Esse protagonismo vai muito além da câmera que foca a sua interpretação; acho que é nos colocar como parte integrante na construção desse trabalho. Não houve esse diálogo pra saber o que a gente pensa ou deixa de pensar. Poderia ter sido rico fazer a pesquisa junto, por exemplo”. Geisa cita o jovem casal formado entre Beatriz (Luana Nastas) e Virgílio (Vinícius dos Anjos) como um caso delicado. “São dois adolescentes: uma menina branca e um menino negro. São realidades completamente diferentes entre ela e ele, poderia ter sido feito um trabalho interno para que um entendesse a realidade do outro”.
A reportagem entrou em contato com Daniela Thomas, que rebateu as críticas com relação ao processo de produção de Vazante. “Fizemos entrevistas longas com dezenas de pessoas nas comunidades quilombolas de Ausente, Quartel de Indaiá, Vila Nova, Córrego da Cachoeira, São João da Chapada, entre outras. Temos muitas e muitas horas de gravações dessas conversas, que foram essenciais para a nossa compreensão da paisagem humana daqueles lugares. O mesmo aconteceu com os africanos do Mali e de Burkina Faso, que fizeram o papel de africanos recém-chegados ao Brasil. Fizemos ensaios/oficinas com o elenco de atores, com os africanos e os moradores das comunidades quilombolas nas duas semanas que antecederam o início das filmagens e já nas locações prontas. Através dessas oficinas, coordenadas pela querida Sandra Corveloni, com a ajuda de Mantega, da comunidade quilombola de São João da Chapada, ficamos conhecendo, além das muitas histórias de seus ancestrais, as cantigas, os lundus que são ensinados de pai pra filho desde muitos séculos. Daí veio, por exemplo, a canção que a Geisa canta no filme”, exemplifica, defendendo que o filme foi feito “a partir da escuta, contínua, sistemática, renitente, e do engajamento de todos”.
Sobre as repercussões que o filme gerou após a primeira exibição no Brasil, ela entende que a crítica à ausência de protagonismo negro “falou mais alto do que tudo”, apesar dos cuidados que julga ter tomado na preparação, pesquisa e realização de Vazante. “Eu entendi, respeitei e aprendi muito com as reações ao Vazante porque sou e sempre fui – acima de cineasta e autora – uma ativista pela justiça social, pela extinção de todos os preconceitos, de cor, de gênero, sociais, étnicos, econômicos. Foi duro me ver, pela reação tão forte ao filme, no campo oposto da luta. Mas foi muito importante, pois me fez estudar, me atualizar sobre o feminismo negro, a ponta de lança dos feminismos, a interseccionalidade, questões com que eu ainda não tinha tanta familiaridade na época. Tenho orgulho de Vazante, pelo que me ensinou na sua longa gestação e feitura e na importante reação e reflexão que provocou, e pelo convívio incrível que nos presenteou a todos que participamos das filmagens” (leia a íntegra da resposta da cineasta à reportagem).
Para muitos, a forte projeção das questões levantadas desde a estreia de Vazante em Brasília muda o patamar do debate público e contribui para elevar o negro ao mesmo estatuto de interlocução de um virtual criador branco. “A emergência das sensibilidades subalternas altera algumas relações. Uma delas é a accountability, a responsabilidade do diretor ao lidar com certas coisas e certos corpos, respondendo pelas suas opções”. A conclusão de Heitor Augusto encara o debate como causa e ao mesmo tempo consequência de novos tempos, perspectiva também ecoada pelo crítico Juliano Gomes: “Um campo de expectativas se materializa num evento específico. Cria picos, choques, marcos. Um repertório sobre o qual daqui a cinco, 10 ou 20 anos alguém poderá reportar, escrever uma tese, entender como era em 2017”.
Também presente na mesma edição do Festival de Brasília, outro filme brasileiro abordaria a escravidão, agora por meio do horror que perpetrou tempos atrás, mas que ainda assombra o presente. O Nó do Diabo dá conta de cinco contos de terror ocorridos na Paraíba. Cada episódio é dirigido por um cineasta diferente (o quarteto de direção é formado por Gabriel Martins, Ian Abé, Jhésus Tribuzi e Ramon Porto Mota), e estão no filme atrizes já mencionadas nesta reportagem: Zezé Motta, Cíntia Lima, Clebia Sousa, Isabél Zuaa.
Envolto no vigor impressionista de um filme de gênero (terror), o conflito que mais levou a equipe a refletir foi a dificuldade da representação de um corpo negro sofrendo violência. “Há um paradoxo entre construir uma imagem de grandeza e ao mesmo tempo não virar a cara para violências que existiram. O Nó do Diabo foi um desafio nesse aspecto; é um filme que traz mais sofrimento no começo e depois tem uma resistência crescente. Minha percepção sobre a recepção da obra é que ela refletiu a atualidade da crise a respeito da questão ‘que imagem queremos ver de nós mesmos?’”, conta o cineasta Gabriel Martins, que dirige o segundo episódio, 1987, sobre um casal de operários que chega à residência em busca de emprego e sobrevivência. Aos poucos, vão descobrindo índices do passado violento do local.
A atriz Clebia Sousa protagonizou o capítulo e relata suas dificuldades: “Tinha uma energia muito forte, mexia na ferida, nas minhas raízes. Mas sempre nos deixaram livres para sabermos nossos limites, o quanto aquilo nos afetava, respeitavam muito”. Uma cena de choro, porém, derrubou a atriz. “Era um momento em que a personagem chorava muito, havia enfrentamento, teve uma cena de aborto. Eu estava esgotada. Conversei com o Gabriel [diretor] e disse: ‘eu não consigo’. Pedi a ele cinco minutos para tentar trazer aquilo para mim de alguma forma. Ele me tranquilizou, disse que se eu não conseguisse estava tudo certo, a gente faria de outra forma”. Clebia comenta que o medo e a violência tiveram algum efeito catártico, como se trouxessem um vazio que possibilitasse sua recuperação para ter força e enfrentar a cena novamente.
Gabriel Martins explica que por mais que o set de filmagem estivesse repleto de cuidado, carinho e distanciamento, o ator acaba passando por uma espécie de violência para atingir um estado que convença o espectador. “É extremamente desagradável ver o personagem naquela condição porque aquilo se confunde com uma realidade que ainda não foi superada. Não estamos falando de uma violência que não existe mais. Ela existe hoje, de formas diferentes ou às vezes até de formas muito parecidas”, diz o diretor.
O clima de colaboração entre diretor e elenco, contudo, influenciou detalhes da trama e promoveu uma reflexão coletiva. “Muita coisa do último episódio foi inserida por informações da [Isabél] Zuaa, por exemplo. Não é que a gente tinha total liberdade de criação, pois havia roteiro, mas a gente tinha liberdade para dizer ‘isso não tem nada a ver’, discutir com a equipe etc.”, descreve a atriz Cíntia Lima, que cogitou não fazer a cena final do longa, em que sacrifica a personagem Afi (Zezé Motta). “Eu não queria fazer a cena, mas não cheguei a conversar com o diretor. A própria Zezé me disse que queria fazer essa cena, e isso foi muito decisivo. Ela disse que era uma forma de trazer uma releitura de Dandara [personagem histórica também presente no filme Quilombo, anteriormente citado] e via qualidades simbólicas na cena. Eu jamais recusaria fazer uma cena com Zezé Motta”.
5. “Como esse corpo será habitado?”
Outro estigma que ainda persiste principalmente na construção da imagem da mulher negra no cinema brasileiro é a hiperssexualização. A lascividade, o apetite sexual e a volubilidade são características comuns aos retratos audiovisuais e compõem um dos estereótipos mais combatidos pelas atuais reflexões. “O papel majoritário das protagonistas negras do cinema brasileiro de grande público nos últimos anos é de prostituição, enquanto o dos homens é de associação à criminalidade”, aponta a cientista política e pesquisadora do Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa (Gemaa) Marcia Rangel Cândido, para quem “constatar esses padrões não significa negar a existência de certos perfis sociais na população, nem empreender valor moral sobre algumas representações, mas sim chamar atenção para a reprodução de preconceitos que enclausuram parte significativa do país a papéis pouco condizentes com a riqueza e diversidade da realidade”.
Heitor Augusto propõe uma conexão histórica, dizendo que a hiperssexualização dos atores negros se ampara na ideia de disponibilidade desses corpos, fundada na escravidão, quando os negros eram tidos como posse. “É o corpo que está lá na senzala, o senhor e a senhora acessam esses corpos no momento em que querem. É importante nomear isso porque não é óbvio”, ressalta o crítico.
Já a atriz Grace Passô considera ser a hiperssexualização uma forma de a sociedade racista suportar a negritude. “Quando você se aproxima mais de uma padronagem de beleza de mulher que está na mídia, você tem mais aceitação. Nessa medida, aos corpos que são menos aceitos são relegados estereótipos mais limitantes. São modos de racismo, são estratégias para aceitar aqueles corpos que estão ali”, diagnostica.
A contundência e a capilaridade dos debates mais recentes têm levado personalidades do cinema a reverem acontecimentos passados e seus significados, o que implica em repensar conceitos e posições. Atuante também no universo das Artes Visuais, hoje a atriz Cíntia Lima enxerga diferenças entre a galeria de arte e a sala de cinema quando o assunto é a perspectiva e a maneira como encaram o corpo negro nu. A reflexão se deu tempos após sua participação no curta Loja de Répteis (2014), de Pedro Severien. “Nesse filme eu sou hiperssexualizada. Na época eu não tinha noção disso e contribuí para a construção da cena. Acabei ficando muito amiga do diretor e roteirista, a gente conversou sobre as cenas que eu ia fazer. Éramos Fransérgio Araújo, Maeve Jinkings e eu. Apareço nua, Maeve não aparece nua”. Para Cíntia, nas Artes Visuais a nudez do corpo da mulher negra não era problematizada porque havia uma demanda pela liberdade dos corpos. “Eu não me incomodava em ficar nua nas performances. Mas quando era cinema a recepção era outra, e foi aí que comecei a me incomodar e estudar mais sobre cinema”.
O episódio entre a atriz Dandara de Morais e o diretor Tiago Melo durante as filmagens do longa Azougue Nazaré (2018) é mais um exemplo contundente. Uma cena de sexo ocorrida dentro de um automóvel estava sendo filmada em ângulo que expunha mais o corpo de Dandara do que o de seu parceiro de cena, o ator Edilson Silva. Já incomodada, Dandara questionou o diretor quando soube que o ato seguinte envolveria sair do carro nua para vestir-se fora. “Eu falei: ‘olha, ninguém faz isso na vida real’. Ele só estava querendo fazer aquela cena para expor meu corpo”, concluiu a atriz. “É muito de um imaginário e de um fetiche de nudez, de mulher objetificada e sensual. Falei que não fazia sentido e ele ficou com raiva, disse que não iria filmar mais. Na época não entendi que havia sido um caso de assédio e abuso de poder, como percebo hoje”.
Tempos depois, quando Dandara estava no exterior, houve uma nova fase de filmagens do longa-metragem. “Eles fizeram de tudo para complicar as coisas e me culpar. Eu falei que vinha, por minha conta inclusive, e disseram que não precisava mais. Fui avisada com 10 dias de antecedência, me tiraram do elenco e regravaram tudo”, afirma.
Em abril de 2017, dois anos após o acontecido, Dandara desabafou em um post de Facebook no qual destacava, sobretudo, o backlash, termo usado para designar a reação às reivindicações ligadas às pautas emancipatórias do feminismo e de outros movimentos. “De volta a Recife, e sem trabalhos, amigas me disseram que as pessoas andam dizendo que eu sou ‘difícil de trabalhar’. Esse é o boato. Se bater o pé e questionar significa ser difícil de trabalhar, então eu sou, sim!”, diz o texto.
O diretor Tiago Melo, que na época também respondeu no Facebook, enviou sua posição para a reportagem: “Como já falei anteriormente, eu respeito Dandara como pessoa, como atriz, e respeito os sentimentos dela. Durante a preparação para a primeira etapa de filmagem (foram três etapas), em 2014, tivemos várias conversas e ensaios, inclusive sobre as cenas de sexo. Achei, na época, que tínhamos chegado a um consenso artístico sobre as cenas. Hoje vejo que claramente não chegamos, e eu falhei em não ter a sensibilidade de perceber isso na hora. Não quis explorar de forma alguma a nudez dela ou de qualquer outra atriz. E muito menos cometer algum abuso ou preconceitos.
Quanto à substituição de Dandara no filme, em 2016, foi conversado com ela na época. Iríamos voltar a filmar, tínhamos um cronograma de filmagem fechado e estávamos fazendo esforços para encaixar a vinda do exterior de Dandara no plano de filmagem. Tínhamos muitas esperanças no desenvolvimento da personagem com a participação dela na nova etapa de filmagem. Depois de várias conversas comigo e com a produção, Dandara retornou com uma data fora do período que tínhamos conversado, e infelizmente adiar as filmagens não era possível.”
O caso é daqueles que reacendem a discussão sobre a necessidade de abertura e diálogo entre quem escreveu o personagem e quem irá interpretá-lo, entendimento cuja importância é reiterada pela cineasta Glenda Nicácio: “Tem um ser que existe enquanto papel, no roteiro, mas que vai surgir do nada em outro corpo que já existe, já tem suas regras, memória, construção social. Um corpo que pode não dialogar com seu personagem. Como esse corpo será habitado? Como é que ele vai reagir?”.
6. “Apareceu a voz coletiva”
O cabelo crespo, o cotidiano da mulher negra e os processos embranquecedores. É do que trata Yasmin Thayná no filme Kbela (2015), curta-metragem que ficou de fora das seleções dos principais festivais de cinema do País, mas chamou a atenção de Tessa Boerman, documentarista alemã e uma das programadoras do Festival Internacional de Roterdã. Empenhada na pesquisa sobre cinema e cultura afro, Tessa idealizou para o festival as mostras After Black Rebels (2017), para a qual convidou Thayná, e Pan-African Cinema (2018). Por intermédio da brasileira, Tessa conheceu o curta Alma no Olho (1973), do cineasta Zózimo Bulbul, histórico expoente do cinema negro brasileiro (e responsável pela criação do Encontro de Cinema Negro, hoje em sua 12ª edição).
O resultado veio em janeiro deste ano, na 48ª edição do festival. A mostra Soul in the eye – Zózimo Bulbul’s legacy and the contemporary Black Brazilian cinema exibiu 28 filmes (quatro longas e 24 curtas-metragens) e ainda contou com debates, aulas e performances. Dessa vez, Tessa e o programador Peter van Hoof convidaram a pesquisadora brasileira Janaína Oliveira, fundadora do Fórum Itinerante de Cinema Negro (FICINE), para fazer a curadoria de um programa que se pautou pela diversidade e experimentação dos curtas de jovens diretores. A proposta era apresentar a obra disruptiva de Zózimo, celebrador do corpo negro e contestador da ideia de democracia racial no Brasil, e refletir seu legado nas produções de Keila Serruya, Jéssica Queiroz, Everlane Moraes, Vinícius Silva, Gabriel Martins, entre outros.
Presente na seleção com o longa Meu Amigo Fela (2019), o cineasta Joel Zito Araújo se alegra ao considerar que estamos vivenciando o “despertar de uma nova geração”. Ele enxerga a contundente participação dessa geração no debate público como a expressão de uma voz coletiva, de corpo mais presente do que em momentos passados de sua carreira. “Eu fiquei meio sozinho. Embora eu falasse sobre a questão racial e defendesse afrodescendentes, soava sempre como uma voz individual: ‘Joel Zito, pesquisador da USP, Doutor da USP, cineasta que fez tal filme etc.’. Era uma voz individual defendendo uma causa coletiva. Em Brasília [no debate sobre Vazante], por exemplo, vai aparecer assim: ‘os negros’. Apareceu a voz coletiva, e isso é muito positivo”.
Embora tenha realizado curtas e médias-metragens nas décadas de 80 e 90, Joel Zito só filmaria seus primeiros longas no começo dos anos 2000 (o documentário A Negação do Brasil e a ficção As Filhas do Vento), época em que não se vislumbrava um grupo muito vasto de realizadores negros. Data do primeiro ano da década o Dogma Feijoada, manifesto que pretendia ressignificar a imagem do negro no cinema brasileiro. Nascido dos estudos do cineasta Jeferson De durante sua graduação no curso de cinema da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), o texto se inspira no dinamarquês Dogma 95, de Lars von Trier e Thomas Vinterberg, e traz o que seriam os sete princípios de uma Cinema Negro: (1) o filme tem de ser dirigido por realizador negro brasileiro; (2) o protagonista deve ser negro; (3) a temática do filme tem de estar relacionada com a cultura negra brasileira; (4) o filme tem de ter um cronograma exequível. Filmes-urgentes; (5) personagens estereotipados negros (ou não) estão proibidos; (6) o roteiro deverá privilegiar o negro comum brasileiro; (7) super-heróis ou bandidos deverão ser evitados. Além de Jeferson De, participavam do movimento Ari Candido, Billy Castilho, Daniel Santiago, Lilian Solá Santiago, Luiz Paulo Lima, Noel Carvalho e Rogerio de Moura. O impacto dessas ideias no debate público engendraria, já no ano seguinte, o Manifesto do Recife, que reivindicava a inserção do negro em todas as etapas da produção audiovisual.
Hoje, quase 20 anos depois, o crítico Juliano Gomes considera que o mais importante é o jogo de visibilidade que textos assim provocam. “Uma fala mais ponderada não provocaria isso. Manifestos têm essa característica. Não é o caso de fazer uma leitura dogmática deles ou tomar aquilo como mandamentos, são questões que não têm resposta fácil”, opina.
No cenário atual é possível visualizar trajetos múltiplos, índices de que começam a se desenhar desdobramentos mais nítidos das queixas que motivaram os manifestos da década passada e o ativismo histórico de personalidades como Zózimo Bulbul. Atentar-se à produção contemporânea de curtas-metragens é condição fundamental para entender essas respostas. Em agosto de 2018, o 20º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte exibiu a mostra Cinema Negro: Capítulos de uma História Fragmentada, que teve curadoria de Heitor Augusto. Dos 25 filmes presentes no panorama, apenas 2 (8%) eram anteriores ao ano 2000, e 14 (56%) foram produzidos de 2015 para cá.
O diretor Bruno Ribeiro, presente na seleção com o filme BR3 (2018), destaca a importância do diálogo crítico-curatorial com os filmes. “É uma questão de historicidade. A gente depende da crítica, da visibilidade, de o filme circular enquanto discussão. Estamos começando a entender como fazer essa interlocução”, declara.
Pesa nesse sentido o fato de os longas-metragens receberem historicamente uma atenção muito maior da crítica e da mídia em geral. Sobre tal aspecto, Heitor Augusto aponta que a profusão de realizadores negros nesse formato não é necessariamente por uma vocação para o curta, mas por uma “perversão econômica”. “Deixo uma pergunta: o quanto dessa narrativa entusiasmada sobre subalternidades tem se traduzido em acesso a recursos? O que esta aí para vermos nos próximos dez anos é: com o desmanche de certas políticas públicas, essas pessoas que estão fazendo seus primeiros filmes vão conseguir fazer seus terceiros, seus quartos filmes? Vão chegar no primeiro longa-metragem? Vão continuar no longa? Isso tem que ser visto, especialmente porque o grande desafio histórico até os anos 2000 não foi de uma pessoa negra fazer filmes, mas de uma pessoa negra continuar fazendo filmes. Odilon Lopez fez um longa-metragem, Waldir Onofre fez um longa-metragem, Adélia Sampaio, Zózimo Bulbul… A chegada não é mais algo que surpreende – a hora é de pensar na permanência”.
Agradecemos a todas e todos que colaboraram com a Campanha Reportagens Cine Festivais e tornaram esta reportagem possível: Alexandre Garrett, Alexandre Malafaia Ribeiro, Ana Durães Oliveira, Ana Luísa Silva Figueiredo, André de Oliveira, Andressa Basilio, Angelo Defanti, Antonio Carlos Martin de Pontes, Antônio Freitas, Arthur B. Senra, Beatriz Mendes, Bruno Furlan, Caio Narezzi, Camilla Feltrin, Carlos Juliano Barros, Carolina Rodrigues Silva, Cecilia Barroso, Cecília Gabrielan, Chico Fireman, Christian Costa, Daniel Arruda Turini, Daniel Oliveira, Diego Ferrari, Dirce Helena Salles, Domingos Cozzi Neto, Douglas Soares, Eduardo da Silva Florencio, Felipe Colla de Amorim, Gabriel Carneiro, Gabriel Garrett, Giulianna Miguel, Glaucimar Peticov, Guilherme Dias, Guilherme Whitaker, Ibirá Machado, Isabel Wittmann, Jaime Soares de Assis, Jamer Guterres de Mello, João Moris, Jorge Eduardo Rivero Filiciano, José Augusto Minarelli, Kátia de Souza Macedo, Leonardo Passos, Leonardo Veras, Lila Silva Foster, Ludmila Naves, Luis Felipe Gurgel Ribeiro Labaki, Maeve Jinkings, Maria Alice, Maria Cristina Guimarães Ramalho, Marília Nogueira, Marli Aparecida Avanço, Miguel Antunes Ramos, Milton Azzuz, Natalia Christofoletti Barrenha, Nathalia Tereza, Pâmela Cristovão Reis, Paulo Gadioli, Pedro Jorge, Pedro Maia de Brito, Pedro Strazza de Azevedo, Pedro Teles de Godoy, Rafael Urban, Raju Roychowdhury, Ramon Mota Coutinho, Renata Fonseca Moura, Rodrigo T. Marques, Samantha da Silva Brasil, Samuel Brasileiro, Susana Garrett, Thaís Teixeira Folgosi, Vicente Carlos Teixeira