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Sobre corpos e fábricas que implodem: uma conversa com Francis Vogner e Nina Kopko

13/10/21 às 12:03 Atualizado em 14/10/21 as 17:50
Sobre corpos e fábricas que implodem: uma conversa com Francis Vogner e Nina Kopko

O passado, o presente e o futuro do trabalho, tendo como espaço a região do ABCD Paulista, são motivos de elaboração em dois filmes brasileiros presentes na mostra competitiva de curtas-metragens do 10º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba.

Em Chão de Fábrica, dirigido por Nina Kopko, a tradição de documentários grevistas dos anos 1970 e 1980 é revisitada e confrontada pela via ficcional a partir de uma indagação: onde estavam as mulheres? Aqui interessa mais o legado de Trabalhadoras Metalúrgicas (Olga Futemma e Renato Tapajós, 1978) do que o de filmes mais conhecidos do período (como ABC da Greve, de Leon Hirszman; Linha de Montagem, de Renato Tapajós; e Greve!, de João Batista de Andrade).

Enquanto o curta de Nina termina na ruína do presente, A Máquina Infernal, realizado por Francis Vogner dos Reis, toma a mesma ruína como ponto de partida para um filme de horror. Sarah (Carol Castanho) chega à fábrica para um trabalho temporário, “pelo menos até o Carnaval”. Ali se depara com mãos de sucata, máquinas que sangram, possessões laborais e uma implosão cíclica do mundo do trabalho.

Na entrevista a seguir, feita em conjunto a partir de convite do Cine Festivais, Francis Vogner dos Reis e Nina Kopko comentam a respeito do processo de realização de seus curtas-metragens.

Adriano Garrett: Queria começar essa conversa pensando um pouco nesse imaginário cinematográfico brasileiro construído ali no final dos anos 1970, início dos anos 1980, no momento das greves do ABC, que é um período muito rico do cinema brasileiro, né? Com filmes de Renato Tapajós, João Batista de Andrade, Olga Futemma, Leon Hirszman… Você tem ali um corpo de filmes retratando aquele período singular na história brasileira, das greves, da reabertura política, do surgimento de uma liderança política como o Lula e do Partido dos Trabalhadores. Então a primeira pergunta que eu queria fazer pros dois seria como que vocês pensam que os filmes de vocês se relacionam com esse imaginário cinematográfico daquele período. Não necessariamente como um ponto de partida mais direto, mas até como um pensamento posterior, já com os trabalhos finalizados.

Francis Vogner dos Reis: Putz, Adriano… Você sabe que eu nunca pensei muito nisso? É uma pergunta interessante porque ela é simples, mas eu nunca elaborei sobre isso. Me parecia um pouco forçado a tentativa de me filiar a esses filmes. A Máquina Infernal é um filme de horror, tem um trabalho de dramaturgia completamente diferente, um barroquismo que está ausente desses filmes de greve. Teve uma versão do roteiro que até tinha inicialmente uma narração semelhante àquelas do Ferreira Gullar (risos), que dava dados e tal. Só que isso já estava consolidado num passado, então a ideia era encontrar uma outra coisa.

Eu vi esses filmes de greve e os conheço bem. Inclusive o Linha de Montagem (Renato Tapajós, 1981) é um filme que eu vi muito cedo na minha vida. Meu pai trabalhava na Volks (Volkswagen) e ele trouxe da Comissão de Fábrica um VHS que eu vi algumas vezes, e tenho até hoje. É a fita mais antiga que eu tenho. Eu morei a minha vida inteira em São Bernardo, e nesses filmes foi a primeira vez que eu vi de fato as pessoas que eu conhecia numa tela de cinema, né? Inclusive literalmente algumas que eu conhecia. Então a relação do imaginário que o cinema construiu sobre isso pra mim sempre foi muito mais forte nos filmes de greve do que nos filmes da Vera Cruz, por exemplo, que também é em São Bernardo, mas é uma elaboração da indústria sobre o Brasil. Eu sempre achei os filmes de greve mais interessantes.

Mas eu acho que o meu filme talvez seja mais devedor do cinema do Carlão (Carlos Reichenbach) do que dos filmes de greve. Eu vi Garotas do ABC (2003) sendo filmado, em parte, no meu bairro, e o Carlão entrava numas contradições que sempre me pareceram muito evidentes. Os filmes da greve tratavam de uma outra coisa, era basicamente a relação capital e trabalho, né? Do ponto de vista ali da ação dos sindicatos, da relação dos trabalhadores com as empresas e com o regime militar. Esses filmes sempre me pareceram buscar de fato criar as imagens sobre esse momento e sobre essa classe trabalhadora emergente. No caso do Carlão, se a gente pensa que estamos pouco mais de 20 anos depois, ele já está lidando com outros aspectos da realidade do trabalho, especificamente na região do ABC. A visada que ele dá é um pouco outra. Então, por exemplo, uma operária negra namorar um neofascista, integralista, era em alguma medida o que interessava a ele. Ou seja, os lugares desses curtos-circuitos.

Isso para mim era uma coisa muito evidente. Eu lembro que até o início dos anos 90 a maior parte das pessoas que eu conhecia que trabalhavam em fábricas votavam no PT. No final dos anos 90, início dos anos 2000, já era uma coisa completamente diferente; um outro cenário político, um conservadorismo muito grande… porque o ABC é um lugar muito conservador, e eu acho que o Carlão estabelecia esses curtos-circuitos. Claro que ainda levando em consideração essa relação tempo livre e trabalho que me parece ser estruturante no capitalismo, no sentido de que o trabalhador vende a sua força de trabalho e cede o seu tempo ao capitalista para trabalhar. E o Carlão trabalhava nessas duas dimensões e fazia uns curtos-circuitos que são muito particulares. Não é a contradição em uma tradição brechtiana; o Carlão toma um outro caminho, né? Então a minha relação se dá mais ou menos por aí.

Nina Kopko: Bom, pra mim é uma resposta direta mesmo, Adriano. Eu já tinha uma relação com a Companhia do Latão, participei de muitos cursos e trocas artísticas ali, e quando eu assisti a O Pão e a Pedra, que é uma peça do Latão que trata justamente sobre a greve do ABC de 1979, aquilo me atravessou de uma maneira muito forte justamente porque quando eu recordava dos filmes que eu tinha visto na faculdade sobre essa época das greves – principalmente ali os filmes do Leon (Leon Hirszman), mas também o Linha de Montagem que o Francis comentou -, eu lembrava de não ver mulheres, de não ter esse destaque, né? Eu via uma multidão de homens e pouquíssimas mulheres. E conversando com a Maria Lívia Goes, pesquisadora da Companhia do Latão, ela me contou que quase 30% da força de trabalho no ABC daquele momento era formada por mulheres. Então eu fico pensando: cadê essas mulheres na greve? O que estava acontecendo?

E aí nesse momento eu encontro o filme da Olga (Olga Futemma), Trabalhadoras Metalúrgicas (Olga Futemma e Renato Tapajós, 1978), e entendo que essas mulheres, a partir da jornada tripla, não estavam participando da greve, não estavam sendo ouvidas dentro do movimento sindical como um todo… E isso me tocou muito, me deu uma sensação de que mesmo nesses momentos históricos fundamentais, muito importantes e de um certo avanço de conquistas de direitos, ou pelo menos de uma tentativa disso, as mulheres ainda assim estavam ali muito invisíveis, muito ocultas, muito silenciadas e muito soterradas por essa jornada tripla de trabalho que a gente vem fazendo há tanto tempo na sociedade capitalista. Então o curta surge de uma resposta direta a esses filmes que pra mim foram muito importantes e que me impactaram muito dentro da minha formação política ali no começo da minha vida acadêmica. Ver esses filmes com 18, 19 anos foi muito importante, mas de repente eu me dei conta de que eu não estava lá, né? Que as minhas iguais, as mulheres, não estavam lá. Então isso foi bastante impactante pra mim, e o Chão de Fábrica é uma resposta direta.

E tal qual o Francis – e talvez isso seja um ponto de encontro mais indireto dos nossos filmes, apesar de serem de gêneros muito diferentes -, o Carlão também é muito uma base formadora. Ele sempre foi um dos cineastas que mais me instigou, que mais me hipnotizou pela contradição, por nunca achatar o trabalhador, nunca achatar seus personagens. Por sempre abrir pra muitas camadas possíveis, muitos desdobramentos, e entender realmente a vida de trabalho como um todo; ela ocupa o todo da vida do trabalhador, e por isso carrega muito mais coisas do que simplesmente a vida na fábrica. Então isso sempre me interessou, essa relação de me filiar ao cinema do Carlão. O meu primeiro trabalho formal dentro do cinema foi ser assistente da Cristina Amaral, que montou o curta do Francis e que trabalhou muito tempo com o Carlão; ouvir esses relatos durante os dois anos que eu trabalhei com a Cris foi muito importante também para o que esse curta viria a ser tantos anos depois.

Adriano: Tem aquele momento final do seu filme, Nina, que traz uma ida ao arquivo na busca por essas mulheres, como se fosse um “Onde Está Wally?” procurando as mulheres naquelas fotografias das greves do ABC. E acho que esse apagamento se dá não só nesses filmes. Fico pensando em outros documentários sobre o mundo do trabalho, como Chapeleiros, do Adrian Cooper, que é um filme no qual a gente vê as mulheres apenas na hora de bater ponto e sair da fábrica. Elas estão ali presentes em um número considerável, mas a câmera se interessa pelos corpos masculinos. Digo isso para enfatizar como se trata de uma escolha, de um ponto de vista, de um interesse. E nesse sentido me parece importante essa referência comum a vocês, o Carlão, que trazia justamente esse trabalhador que não estava presente nos documentários, que são justamente as mulheres. Ele faz isso no Garotas do ABC, no Falsa Loura…

Francis: E já nos anos 80, porque Amor, Palavra Prostituta (1982) retrata operárias, e Sonhos de Vida (1979), um curta dele, também traz trabalhadoras no tempo livre. Então desde aquela época as personagens eram mulheres.

Adriano: Sim, exato. E aí eu queria perguntar pro Francis como que isso influenciou a própria concepção dos personagens de A Máquina Infernal. Porque se formos pensar numa ideia de protagonismo, a Sarah é quem ocuparia esse posto, né? Sendo esta mulher que vem de fora para um trabalho temporário e passa a conhecer aquele ambiente. E tem uma gama de personagens femininas ali que não são chapadas. Que tem uma vida, que tem desejos…

Francis: Originalmente essa personagem da Sarah seria alguém ultraqualificado com relação aos outros, sobretudo perante os homens, então isso gerava algum atrito. Em certo momento outras coisas no filme acabaram ganhando mais força, se não eu teria que fazer um filme só sobre isso, né? E o que me interessava era equivaler o número de trabalhadores homens e mulheres. Quando a gente foi filmar na Legas (empresa metalúrgica), não era meio a meio, eram mais trabalhadoras metalúrgicas do que trabalhadores. E com o mesmo perfil que você vê há 30, 40 anos, de pessoas que têm jornada tripla, cuidam da casa, têm filhos, etc.

Então eu quis olhar para essas mulheres no trabalho mas também por meio de algumas brechas. Por exemplo, nós temos a cena delas no vestiário. Depois disso tá a personagem da Carlota (Carlota Joaquina) dando um amasso num cara numa fresta da fábrica. Em seguida tem a Sarah e o colega dela namorando no carro, no único momento em que vemos ela fora da fábrica… Acho que pensar por essa perspectiva do tempo livre relativiza um pouco a dureza do filme; não no sentido de aliviar, mas no sentido de entender que é no tempo livre onde as coisas de fato acontecem. O mínimo de tempo livre, antes, depois, no almoço, é quando há um pouco esse recuo para olhar aquele cotidiano e aquela vida de uma outra perspectiva. Porque o meu medo era fazer personagens que fossem muito chapados, e no cinema de gênero a gente tem um pouco essa tendência, sobretudo no cinema de horror, porque tem que ter uma certa eficiência, né? E eu falei “não, mas eu quero dar uma flexibilizada nessas personagens”. Então a ideia foi justamente pensá-las pelo tempo livre, que é uma maneira de não criar personagens que só estão condenados à tragicidade de sua condição.

Por exemplo, o cinema do Ken Loach tem coisas interessantes, mas o que não me agrada às vezes é que os personagens todos me parecem demasiadamente sufocados. Aí eu estava fazendo um filme assim, e pensei em como criar um respiro nisso. E aí foi justamente pensar o que há entre o intervalo dos turnos. O banheiro, mesmo a assembleia da comissão de fábrica… Pensar um pouco como se dá isso. Porque se eu ficasse só na linha de produção eu ia fazer trabalhadores que são autômatos também, né? Me lembra um pouco do que o Pasolini falava do Eisenstein, ele tinha horror ao Encouraçado Potemkim. O Pasolini dizia: “quem são esses operários que são robôs? Eles não têm desejo, eles não têm sexo… O que sobra pra eles?” Não que eu concorde necessariamente com o Pasolini, mas eu entendo perfeitamente o que ele fala. E eu acho que encontrar esses lugares é muito interessante. Tanto que o filme da Nina também é visto de dentro do vestiário, né? E eu acho isso fundamental.

Adriano: Com certeza, com certeza. Você já me deu o gancho, porque essa importância do tempo livre é o dispositivo do filme da Nina. Ali no Mulheres Metalúrgicas está presente essa informação de que as mulheres eram obrigadas a almoçar no banheiro, e que os banheiros “são poucos e sujos”. O seu filme parte disso, da observação de uma hora na vida dessas mulheres. E me chama atenção esse signo da fresta. No Chão de Fábrica tem ali uma janela estilhaçada, e me parece que talvez o gesto do curta seja justamente esse de olhar por essa fresta para esse local invisibilizado historicamente nessa produção de imaginário sobre a classe trabalhadora no Brasil. Pensando em conjunto com o curta do Francis, são dois filmes que têm a presença do relógio, essa regulação do tempo, e é justamente quando essa regulação desaparece que a vida surge, que essas personagens deixam de ser autômatos e se revelam como seres desejantes, com existências próprias. Então eu queria que você falasse um pouco disso: como que esse foi o guia para a construção do seu filme?

Nina: Só um parênteses pra trazer mais uma relação com o filme do Francis: esse vidro quebrado foi feito pela Maria Leite, que é atriz em A Máquina Infernal e que foi a contrarregra do Chão de Fábrica.

Bem, essa fresta é tanto o acesso delas ao mundo exterior, ao mundo que tentam impedi-las de chegar inclusive na sua hora de almoço, né? Na sua hora livre. Quanto também o contrário, esse desejo do filme de entrar. A imagem de divulgação, que não está no filme, é de uma das personagens fumando ali por essa fresta, vista por fora. E foi bem esse o intuito, fico feliz que você tenha tocado nesse tema. O filme está começando a existir agora, né, então são as primeiras pessoas que eu escuto falar que não sabiam nada do filme…

Sobre a questão da hora do almoço, no Trabalhadoras Metalúrgicas isso realmente me chamou muito a atenção, de elas serem obrigadas a almoçar no banheiro, o que eu acho uma violência bastante grande. E entrevistando outras metalúrgicas que trabalharam nessa época no ABC em diferentes empresas, algumas contam que nas suas fábricas não era obrigatório o almoço ser no banheiro, mas elas preferiam comer ali mesmo assim, porque é um ambiente de muito assédio, né? Então você estar no pátio ou estar no refeitório também não é um ambiente seguro, ou confortável, ou no qual você possa exercer o seu momento de lazer.

Na peça do Latão já tem essa personagem que passa Coca-Cola pra tomar um bronze e aproveitar o sol, e a gente quis escalonar, levar ao limite essa relação da passagem do sol, do momento que você pode aproveitar, ainda que esteja confinado, sob muitas restrições do seu trabalho na fábrica. Estar dentro dessa intimidade e entender o que se passava ali dentro, por que essas operárias estavam ou não estavam dentro do movimento grevista, é o que me norteou, é a minha grande curiosidade em relação ao filme, o que me fez fazer esse filme. E as relações que se criam ali dentro, né? Por isso tentei encontrar personagens que falassem de diferentes lugares. A novata que está chegando; a outra que já tem uma grande trajetória de greve, mas que teve que se afastar da militância política – personagem que é baseada na Maria Paixão, que de fato foi demitida muito mais vezes do que as sete que estão no roteiro do filme, mas que teve que parar por conta do filho -; tem também a militante infiltrada, que vem de uma tradição do final dos anos 1970 no Brasil de os estudantes da USP se infiltrarem na fábrica para poderem angariar trabalhadores para o movimento, o que também foi muito inspirado na Simone Weil, uma filósofa francesa que se infiltrou na fábrica da Renault e terminou muito desacreditada desse processo político; tem também a personagem que quer ir embora pro Rio, que tem uma dor no braço… Anos atrás eu fiz uma pesquisa dentro de frigoríficos, e uma coisa que me marcou muito é como as mulheres perdem inclusive o movimento de poder mexer no cabelo, pentear o cabelo, por conta do movimento repetitivo na fábrica. Então eu fui entendendo que na metalúrgica isso também se repetia, tal qual no frigorífico…. Enfim, eu me interessava em saber quem era cada uma delas, justamente para criar essas dinâmicas particulares. Tirá-las também desse achatamento, do papel único, e tentar expandi-las para uma contradição.

As personagens foram muito construídas junto com as atrizes, por isso que elas têm inclusive o crédito de roteiro, porque eu tinha muito o desejo de criar o roteiro na sala de ensaio, e eu tive a felicidade de poder fazer isso com o Chão de Fábrica. A gente tinha uma versão do roteiro, mas as personagens passaram a existir a partir desse contato com as atrizes e dessa pesquisa sendo compartilhada com elas.

Tinha mais uma coisa que eu queria te falar… É que o filme vai embora, né? Vai pro futuro delas, eu tento entender assim, e teve tantas versões sobre esse futuro, inclusive numa linha do que o Francis falou sobre o filme dele, sobre momentos que não fossem só trágicos. A vida delas acaba sendo um pouco dura nesses futuros… Mas em algum momento eu entendi também que o que eu tava querendo dizer pedia um futuro que fosse justo com as histórias que eu ouvi, que acabam sendo relatadas a partir de momentos duros, trágicos e pesados, ainda que se tenha muita vida, ainda que a vida seja muito mais do que só isso, mas existe uma constância nesses relatos que eu ouvi sobre os momentos de dor, né? Os momentos de perda, de abalos, etc. Meio por aí.

Bastidores da gravação de Chão de Fábrica (foto: Carol Aó)

Adriano: Eu queria falar também sobre uma certa sobreposição de tempos nos filmes. Uma convivência entre tempos distintos. No caso do filme da Nina tem muito isso, né? De ser um filme cuja própria imagem é uma imagem entre tempos. Então tem essa coisa do VHS filmar o digital, de ser um filme de época, que remete a um passado, mas que na narração também utiliza esses tempos verbais do futuro (“continuaria”, “conseguiria”, “deixaria”), pensando no que foi a vida das personagens a partir dali. O filme da Nina termina nessa espécie de ruína, nessa fábrica sem trabalhadores. E no filme do Francis a ruína talvez seja o ponto de partida e o filme caminhe para um outro futuro, por mais incerto que ele pareça ser. Então eu queria que vocês falassem sobre essa convivência de tempos que está presente tanto na narrativa como também na própria materialidade dos filmes de vocês.

Nina: Esses tempos verbais que você falou sobre as narrações é um pouco pra não determinar, né? É uma narração também da radionovela inventada pela Irene, então eles podem ou não funcionar. Não são deterministas, mas são possibilidades de futuro a partir de todas essas coletas de histórias que eu ouvi e li a respeito das trabalhadoras do ABC nesse momento. E sim, me interessa muito essa passagem de tempo, entender o que estava acontecendo ali em 1979 e o que restou dessa fábrica. A fábrica que a gente filmou é uma metalúrgica que de fato foi abandonada, de fato está em ruínas, e o banheiro também é o banheiro dessa mesma fábrica. Me interessa muito essa materialidade de encontrar realmente o concreto, a memória do espaço, e trazer isso pra dentro do filme; poder conversar diretamente com esses espaços e com essas tantas vidas que passaram por ali. E essa ruína no fim do filme é quase literal, né? No sentido do que resta depois de tudo isso, depois de tantas máquinas sugando vidas, tanta exploração dessas trabalhadoras e desses trabalhadores. No final não resta nada. Resta realmente ruína, resta um chão que tá se abrindo, que tá eclodindo.

Foi realmente algo bastante forte quando eu cheguei nessa fábrica. O filme já se chamava Chão de Fábrica, e ver esse chão que estava emergindo, eclodindo, saindo pra fora, e ver que o que resta é nada. Que o capitalismo é realmente uma máquina de moer gente, em tantas instâncias. Hoje em dia as mulheres trabalhadoras do Uber se reúnem em banheiros de postos de gasolina, então você vê que é uma coisa que vai se repetindo, essa história da exploração; os meios se atualizam, mas a forma de explorar o trabalhador segue sendo a mesma. E é uma sucateação (sic): chega, esmaga, achata, machuca o seu corpo, tira a vida de você, tira o que você tem de mais importante, que é o seu tempo e a sua autonomia, e no final não resta nada, né? Então vai meio por aí esse desejo de atravessar tempos, de falar que essa história é como se se fosse uma fita VHS esquecida na prateleira de uma locadora que você pega pra assistir, uma história esquecida que não foi contada ainda. Quer dizer, foi contada por algumas pessoas, mas não tão contada, essa história das mulheres trabalhadoras desse momento e que tiveram essa relação com a greve; então é quase uma história esquecida, e aí sim vir pro presente tanto a partir do futuro imaginado pras vidas delas, quanto por essas imagens finais da fábrica, para estabelecer também o filme no presente, como algo contínuo, que começa lá atrás, mas que atravessa até aqui.

Francis: É interessante ouvir a Nina falando porque o filme dela termina com esse prognóstico da ruína, com aquilo que está em processo. E o meu filme já parte de uma realidade do neoliberalismo, completamente diferente. Eu não falo nem em realidade, na verdade é um imaginário. O filme lida com uma espectralidade do trabalho, uma espectralidade dessas ruínas… Acho que a poética do horror vai um pouco por aí. O filme foi filmado em 2019, em janeiro daquele ano. E foi elaborado durante o ano de 2018. Então o que nos alimentou foi o processo que a gente passava, e curiosamente, e acho que não é de hoje, o ABC sempre foi um lugar muito particular, porque você nunca teve, tirando as grandes empresas multinacionais, momentos de grande pujança. A ruína sempre conviveu com as grandes empresas que se instalavam lá, e ao mesmo tempo você tinha na frente uma fábrica já abandonada, falida. Então é curioso como a ruína sempre esteve presente. Num certo momento, nos anos 1950, 1960, você teve um boom por causa da indústria automobilística, de pequenas empresas que alimentavam essas grandes empresas, mas fora isso, você sempre teve essa coexistência. É como se a ilusão de uma nova Coreia do Sul não fosse possível. Por que na periferia do capitalismo você tem concentração, você tem precarização, são coisas que nunca sumiram do horizonte. Só que eu acho que agora lá mudou muito, né? A desindustrialização foi violenta.

Como a Simone Weil dizia, todo trabalhador uma hora vai parar em uma cama de hospital. E ela dizia também, e acho que isso está nos dois filmes, que nenhuma poesia é possível sobre trabalho se a fadiga não estiver presente nela. Eu acho que o filme da Nina e o meu levam isso em consideração, e quando a Sarah olha aquela bota e aquele uniforme esperando ela na cadeira ao lado, não é fatalismo. Mas eu me questiono também se é necessariamente uma escolha. A escolha é privilégio também, né? Você poder escolher. Então aquilo lá está um pouco como uma interrogação quanto ao futuro. O futuro do trabalho e o futuro da classe trabalhadora. No caso da personagem, a questão é voltar a esse trabalho que está sujeito não só às mesmas formas de exploração, mas a novas formas de exploração.

Alguém me perguntou porque não se mostra o patrão no filme… eles desapareceram, eles não estão lá na fábrica. Por que tem uma coisa que eu acho fundamental: eles não compartilham o mesmo destino. Quem paga o preço, por exemplo, das falências, é quem trabalha. O capitalista não vai pagar esse preço. Isso é uma coisa que a gente viu lá na Karmann-Ghia em São Bernardo: os patrões tinham sumido. Ninguém respondia por aquilo. Ou seja, uma fábrica quebrada, com todo mundo lá dentro, que não tem patrão. Tem, né? Mas ele não aparece. E aí ele só aparece no sonho dela. Então eu acho que essa relação entre tempos está determinada sobretudo por um questionamento sobre o futuro. A partir da ruína, uma indagação quanto ao futuro. Eu e todo mundo que trabalhou no filme, a gente tinha muito isso em mente: de que maneira a gente trabalha essa sobreposição de tempos.

Adriano: Pegando essa fala da Simone Weil que o Francis trouxe, fiquei pensando na ideia da implosão, que talvez esteja presente nos dois filmes. Quando há essa elaboração quanto ao futuro no filme da Nina, algumas personagens caminham rumo à implosão, né? A implosão da depressão, a implosão da deficiência física. No caso do filme do Francis isso está no corpo dos personagens e no corpo das próprias máquinas. E ali também estão presentes essas imagens mais literais da implosão da fábrica, uma recorrência que vem enfatizar a noção de pesadelo, com os personagens não conseguindo sair. Então queria ouvir vocês sobre essa ideia de implosão, tanto física, desse corpo dos trabalhadores, quanto também dos espaços.

Francis: Olha, não sei se vou te responder, mas o que me vem aqui é que o espaço da fábrica é um lugar estranho porque os corpos e as máquinas convivem e trabalham em conjunto, e os dois quebram. A máquina acabou tomando o lugar de empregos assalariados, né? Então tem uma diminuição do número de trabalhadores na fábrica, uma máquina que já faz a função dos trabalhadores. Só que me interessa muito como que um corpo pode funcionar como uma máquina, e também como uma máquina em alguma medida ganha uma intimidade com o corpo, a ponto de você ter no filme um homem que é um híbrido, que tem uma mão de sucata.

Todos os trabalhadores que eu conheço que passaram a vida numa linha de produção têm isso marcado até o fim da vida no corpo. E como é um filme de horror, esse horror tinha que estar relacionado ao corpo, no sentido de que o corpo é o que sente todos os efeitos da jornada de trabalho; é o corpo que se coloca em risco de morte, e a relação com a máquina cria muitas vezes uma identificação estranha… Eu conheço vários trabalhadores que na hora de se aposentar se despedem da máquina também.

Acho que essa relação material com o espaço, com o lugar de trabalho, e com todos os efeitos desse modo de trabalho, está mudando. Por exemplo, hoje o trabalhador de aplicativo não está mais delimitado a um espaço específico; ele está delimitado ao espaço da cidade, né? E ele também se relaciona com uma máquina, seja com uma moto, seja com um carro, seja com o próprio aplicativo. As empresas de app não reconhecem os trabalhadores porque não há vínculo empregatício, né? Não há uma subordinação jurídica. Portanto, esse trabalhador não está enquadrado nas leis trabalhistas. E essa desmaterialização da lógica do trabalho me parece terrível, porque na fábrica – e eu não tô dizendo que a fábrica é melhor – eu acho que esse espaço e essa atividade do trabalho tem uma realidade material muito concreta de relações de trabalho e relação capital-trabalho; as contradições são mais visíveis ali, né? E no caso do trabalhador do aplicativo isso tem uma dimensão de abstração.

Então quando o filme trabalha dentro de um espaço da fábrica que implode, acho que é um pouco essa noção de uma materialidade do trabalho que se esvai também, que gradualmente desaparece. Ela ainda tá aí, não tô dizendo que esses trabalhadores e essas formas de exploração não existem mais, mas a forma de exploração agora é complexa, né? E a noção de espacialidade também. Na fábrica você se encontra com os seus, você se vê um pouco como coletivo. E eu acho que as novas formas de trabalho suspendem isso, aquele espaço deixa de existir, e a agremiação com seus iguais se torna um pouco mais difícil. Penso que a implosão do espaço vai um pouco por aí. Na verdade estou pensando nisso agora. Acho que a sua pergunta é boa porque eu não elaborei nada sobre isso antes…

Nina: Pra mim acho que um dos grandes temas de investigação é a maneira como o trabalho marca os corpos. Como isso tem realmente um impacto muito profundo no corpo que te afeta diretamente pro resto da vida, cria uma cicatriz, uma sequela, uma ferida… E aí falando de depressão também como corpo, né? Porque é o cérebro doente. Então o corpo tende a ser esse lugar do adoecimento em relação às questões de trabalho.

Eu tava ouvindo o Francis falar e fui pensando que acho que isso começou quando eu era criança. Comecei a ficar muito assustada com isso, de ver o meu pai que trabalhava num banco ficar corcunda, porque ele fazia muita hora extra, e por ficar ali naquela mesa ele desenvolveu uma corcunda. A minha avó e outras tias que sempre trabalharam com faxina, como faxineiras ou como diaristas, também tinham problemas muito comuns de saúde, né? Certas dores de trabalho repetitivo, muito problema de coluna. Minha outra tia que é manicure tinha tendinite. Então eu me lembro de ficar muito assustada, de ter medo de trabalhar, sabe? Por conta de ver esses corpos todos adoecendo. Um dos meus primeiros trabalhos antes de trabalhar com cinema foi numa livraria de shopping, e em muito pouco tempo eu desenvolvi varizes muito doloridas nas pernas por fazer essas jornadas de 10, 12 horas em pé.

Tô contando um pouco da minha vida pessoal porque essa pergunta me fez pensar sobre de onde vem esse interesse quase obsessivo sobre as marcas que o trabalho deixa no corpo das pessoas, dos trabalhadores. E eu acho que vem um pouco daí. E claro, depois estudando, conhecendo (Bertolt) Brecht, pensando nos gestus, esses gestos repetitivos nas peças dele que sempre são muito marcados pelo trabalho também, eu acho que isso tudo me fez pensar nessas marcas que o trabalho deixa no corpo e no quanto eu acho isso uma das grandes violências no capitalismo. Você ver uma vida que é limitada, que é impedida a partir do seu trabalho, né? A pessoa já tá colocando o seu tempo à disposição de uma forma muito precarizada em relação a direitos, em relação à administração do tempo da sua vida, em relação ao salário que recebe, e esse corpo é marcado, limitado.

Essa pesquisa que eu fiz no frigorífico foi muito importante pra chegar até esse curta. Porque nos frigoríficos você vê muito esses movimentos repetitivos. Imagina, se você tem que tirar sete corações de galinha por minuto, rapidamente esse seu braço adoece, você perde esse movimento de levantar o ombro pro resto da vida. E dentro desses frigoríficos você tem farmácias que vendem remédios a partir de um adiantamento de salário, de um sistema de crédito. Então você está recebendo um salário que você vai usar pra pagar a limitação física e a doença que você adquiriu por estar trabalhando. É realmente meio surreal, e é um surreal muito naturalizado, interiorizado, domesticado…

Você falou em implosão, achei bonito. Mas esse adoecimento tá no filme porque eu acho que é algo que me atravessa mesmo, sabe? Enquanto um olhar constante pro mundo de ver o quanto o trabalho marca e limita a vida das pessoas pra além do horário da fábrica. É realmente uma marca de vida, uma coisa profundamente grotesca. Por isso a escolha do Francis pelo horror pra mim é muito precisa para trabalhar o universo do trabalho, porque já no gênero traz o discurso sobre o que é essa vida de uma trabalhadora, de um trabalhador de uma fábrica.

Francis: Só uma coisinha, Adriano. Ouvindo a Nina falar, sobre os parentes dela… Eu fui mais pra questão do espaço, mas sobre a questão do corpo…. A vida profissional da minha mãe foi dentro de fábrica, durante anos, e ela hoje tem a coluna torta, entrada pra dentro, que gera vários problemas. Você vai envelhecendo e atrofiando, então o corpo dela é marcado pela fábrica. Minha mãe não é de cinema nem nada, mas ela fez uma ponta no meu filme e falou: “nossa, você entra numa fábrica, parece que você nunca saiu. O seu corpo reage da mesma maneira”. Aquela cena com a personagem que cai na linha de produção possuída, minha mãe viu aquilo. Tinha uma mulher que trabalhava e ela vez ou outra ia ao chão possuída por um outro que não era ela, falava coisas, virava o braço, e aquilo atrasava o trabalho. Quando passava, vinha o chefe de linha e falava “volta porque você atrasou 30 minutos”, e ninguém podia parar pra olhar. Esse tipo de manifestação em fábrica é muito comum, né? José de Souza Martins escreveu uma tese sobre isso, fez uma pesquisa. E isso fala sobre como o corpo reage ao trabalho de diversas maneiras, seja fraturando, mutilando, ou tendo uma reação parecida com a dessa mulher…

Adriano: Ótimo. A gente está falando dessa implosão, então antes de finalizarmos acho que é importante chegarmos até o trabalho dos atores e das atrizes. Os dois filmes dão uma importância pro texto, pra palavra. E o trabalho de vocês têm por trás uma pesquisa com relação a isso. Então queria que vocês comentassem um pouco sobre esse aspecto, pensando que essas marcas do tempo e do trabalho estão presentes sobretudo através desses corpos.

Nina: No caso do Chão de Fábrica, como eu falei, ele foi inspirado em uma cena da peça O Pão e a Pedra, da Companhia do Latão, que é um grupo de teatro que trabalha com uma interpretação brechtiana e stanislavskiana ao mesmo tempo, trabalha na intersecção entre essas duas correntes. No sentido de Stanislavski de buscar um certo realismo, o que quer que realismo signifique, principalmente dentro do teatro, e no sentido brechtiano de realmente trazer a dialética à interpretação, não só em relação a “quebrar a parede”, mas de trazer pra dentro da construção cênica toda essa fissura e essa dialética em direção a uma atuação mais crítica e de outro registro. Então eles trabalham na intersecção dessas duas correntes, que parecem contraditórias entre si, mas que ali dentro da pesquisa da Helena (Helena Albergaria) e do Sérgio (Sérgio de Carvalho) pra mim funciona como um lugar muito potente; eles criam um processo de construção cênica único.

Eu quis trazer esse registro pro cinema e investigar as suas possibilidades. Então em alguns momentos a gente caminha pra um lugar mais naturalista, e em outros vai realmente pra esse momento de se marcar o gesto, de se trazer o olhar pra câmera, de criar uma interpretação que seja quase consciente de si mesma, para a partir dessa consciência comunicar alguma coisa pro espectador, tentar criar uma triangulação diferente com o espectador. Enfim, é um processo de pesquisa muito em andamento ainda, sem nenhuma conclusão, que eu tenho feito e me interessa muito. Eu trabalho com preparação de elenco e isso é algo que me movimenta e me motiva muito dentro do cinema.

E como eu falei antes, a gente reescreveu o roteiro na sala de ensaio, isso um mês e meio antes de filmar. Eu passei duas semanas com as atrizes e também com a corroteirista, a Tainá (Tainá Muhringer), nesse processo de investigar o que era esse filme. De eu compartilhar toda a pesquisa do filme e a gente trocar muito em cima disso, dessas reflexões sobre quem são essas personagens, muito a partir de um jogo cênico também. E aí experimentar diversas cenas, e lógicas, e momentos dentro do filme para além do roteiro e também dentro da estrutura do roteiro. Você falou da preocupação com a palavra, e os diálogos foram totalmente reescritos a partir da sala de ensaio. Eu transcrevia, fazia essa cena várias e várias vezes, com várias provocações e dispositivos diferentes, e a partir disso eu fui compondo o diálogo final do filme, e que ainda assim era muito aberto pras atrizes, pra que elas criassem essa própria embocadura, né? Como ele é um filme segmentado em mais ou menos cinco cenas, contido num único espaço, a gente fazia uma dinâmica de filmagem muito parecida com a de uma peça, no sentido de que a gente podia ficar os sete minutos iniciais fazendo sem pausa, e aí fomos criando uma dinâmica de filmagem com a fotógrafa Anna Júlia (Anna Júlia Santos) pra tentar dar conta desses momentos, que era o que me interessava enquanto pesquisa mesmo, sabe? Eu ainda estou entendendo o que funcionou, o que não funcionou, o que eu aprendi disso, o que eu quero experimentar de novo num próximo trabalho… Mas é isso que me movimentou muito em relação a esse trabalho com as atrizes.

Francis: Acho que a gente nunca faz filme sozinho. Uma coisa que você acaba aprendendo quando dirige é que o que você faz de fato é uma seleção de pessoas que vão dar uma colaboração da qual você é incapaz. E no trabalho com as atrizes e os atores eu pensei justamente nisso. Eu achava que o filme precisava ter uma variedade de modos e de performances que fossem um pouco diferentes entre si. Eu não queria criar no filme uma classe operária que falasse toda em uníssono. Era necessário ter uma variação, mas ao mesmo tempo ter uma unidade dentro dessa diferença. Então, foi importante pra cena da assembleia e pra outras cenas trazer gente de um teatro que tá acostumado à fala política, como o Renan Rovida, que foi do Latão. A Carlota Joaquina, que também foi do Latão. Eles passaram por vários lugares, né, mas eu acho que o Latão é essa escola, inclusive pro filme da Nina.

Teve o Carlinhos Escher, que foi ator do Latão. Tem a Marta Guijarro, que tem um trabalho não só, mas também brechtiano, na Companhia Antropofágica. A Marta tem a questão dos gestus, que é um conceito dentro do repertório brechtiano, e ela trouxe isso pro filme. E o diálogo com os atores e as atrizes ajudou a elaborar o jogo a partir de todas essas diferenças. O casal protagonista, que é o Glauber Amaral e a Carolina Castanho, tem uma experiência de anos no Oficina, e eles trazem a experiência de fala e de corpo do Oficina, isso está lá. A primeira vez que eu os vi foi atuando juntos no Oficina. Tem também a Talita (Talita Araújo), que fez os filmes do Lincoln (Lincoln Péricles), do Renan (Renan Rovida). Ela é uma atriz e performer. Então é importante o rosto dela. Os primeiros planos da Talita no filme são maravilhosos, né? E ela tem um trabalho de corpo, com a face e com a voz, que é muito particular, e era importante aquilo. Tem o Carlão (Carlos Francisco), que foi ator do Folias, que é um teatro político também, né? E o Carlão puxa um pouquinho mais pro naturalismo, mas não aquele naturalismo viciado, mas um naturalismo que coloca um coração ali naquele personagem que, como líder, estava ali em uma encruzilhada. Até pessoas que não são atores ou atrizes de formação, como a Maria Leite. Ela traz uma frugalidade bem-humorada que me parecia importante ali também, pra dar uma variação ao clima do filme, né? Então isso era necessário, essa diferença entre esses atores e atrizes. E encontrar um jogo com todos eles a partir dessa diferença.

*Este texto integra a cobertura do 10º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba

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