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Haiku de Um Poeta Morto, de Akira Kamiki

19/11/20 às 17:54 Atualizado em 19/11/20 as 17:56
Haiku de Um Poeta Morto, de Akira Kamiki

Situado desde março no mesmo lugar do escritório-quarto, meu notebook me coloca em contato com o mundo sempre a partir do mesmo enquadramento: um retângulo em que cabem um grande cartaz de Taxi Driver, uma parte de um pôster do último filme da Agnès Varda e uma escrivaninha com livros que há muito não leio – já que a prateleira para a qual dou mais atenção está acima do computador, fora de quadro. Nas aulas online que tenho frequentado ou ministrado, a foto coletiva ao final da última aula virou uma espécie de ritual. Abrem-se as cortinas por alguns instantes, suficientes para oferecerem um vislumbre daqueles universos particulares.

A janela é o retângulo do Zoom, o quadrado do Facebook, o scope do cinema. Também é o gatilho que precipita a fala do narrador de Haiku de Um Poeta Morto. Uma janela de um prédio em Londres lhe remete a um amor que ficou no Brasil. Amor não anunciado ou concretizado, mas que toma forma a partir da fabulação sentimental, da falsa sensação de transparência que o vidro daquele quarto lhe transmite, colocando-o a fantasiar a respeito de uma vida alheia. Não seria essa, afinal, uma boa definição a respeito do Instagram?

Na rede social o filtro está presente nos recursos de edição que edulcoram as fotos e também na escolha sobre o que expor e o que omitir. O rolo da câmera do celular é a antessala, espécie de ilha de montagem que retém aquilo que se considera como a banalidade da banalidade. No curta de Akira Kamiki a imagem-disparadora, aquela da janela inglesa, divide a banda imagética com instantes de tela preta e fotos tidas como aleatórias pelo narrador. Mas a imagem que importa, de tão valiosa, também não pode ser publicizada frontalmente. A corporeidade da voz abraça então a foto, e ambas se retraem, tal qual uma pessoa envergonhada ao se expor em público. “Não foi eu quem escreveu isso, e sim um poeta japonês”.

O japonês é um “outro” tal qual o próprio narrador passou a ser estando em outro país. Daí decorre que a troca de idioma da narração, do português para o inglês, gere uma fenda temporal no filme. A memória se esvai, as palavras rareiam, a imagem da janela fica pixelizada…

Dentro desse singelo “filme-de-oi-sumido”, é como se o personagem estivesse preso eternamente a uma videoconferência. Uma declaração de amor pelo Zoom, com a sala vazia, sem ninguém pra avisar que o seu microfone está desligado. É o que temos pra hoje.

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