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Obatala Film, de Sebastian Wiedemann

10/11/20 às 18:53 Atualizado em 18/02/21 as 11:06
Obatala Film, de Sebastian Wiedemann

As imagens também dançam

por Gabriel Araújo, do Coletivo Zanza

“Seus filhos unidos vêm hoje cantar
a nossa oferenda para Obatalá”

Grupo Ofá e Mateus Aleluia

Em preto e branco, a luz aparece trêmula na água. Os pontos claros filmados em Super-8 desenham formas e texturas na imagem, logo substituídas por outras – plantas, galhos e riachos são montados num frenesi ao ritmo da trilha, por sua vez pontuada pelos sons de atabaque e outros instrumentos de percussão que fazem do filme, música. Num átimo, um corte une a difusa forma da luz na água aos pontos brancos pintados no corpo de uma pessoa negra. As cenas parecem perguntar: para registrar um ritual, como corporificar um orixá?

Obatala Film (2019) é obra audiovisual que se manifesta na primeiridade, abstração pura daquilo que é primeiro qualidade sensível. Rejeita qualquer possibilidade fácil de interpretação para, ao jogar com o opaco, criar uma experiência visual e sensorial que não resume e nem totaliza o objeto filmado. Por outro lado, o expande para além da materialidade; afinal, lida com a complexa ação de visibilizar o invisível. Esse seria Obatalá, o mais velho, rei do pano branco, divindade que criou o mundo e que moldou os seres humanos a partir do barro da terra. É aquele que Mateus Aleluia viu “no opele do cordão de Ifá” e aquele cujo reinado o cineasta Sebastian Wiedemann evoca ao filmar a coroação do orixá na cidade sagrada de Ilê-Ifé, berço religioso dos Yoruba, na Nigéria.

Ciente, portanto, da impossibilidade dessa representação, o que se apresenta nesses quase 7 minutos de experimento são fotogramas em movimento que se fazem complementares numa montagem responsável por aproximar regiões distantes – Osun, na Nigéria, Minas Gerais e Colômbia – e fabricar realidades e mundos para além daqueles associados ao plano físico. É inclusive significativo perceber como a câmera escolhida para esse não-registro contribui tanto na mencionada construção de existências distintas quanto na criação de pontes conosco, os espectadores, imersos nas multitelas que o filme propõe: são as imagens do Super-8 capturadas em projeção, são os corpos dos sacerdotes que revelam ecrãs para os saberes iorubás, são as telas pelas quais o curta nos chega – televisões ou computadores privados num festival que, como a grande maioria dos eventos de 2020, foi realizado virtualmente. Ao serem colocadas em conjunto – não necessariamente em sincronia -, tais imagens acabam reforçando uma espécie de comunhão: um convite para que espectadores e espectadoras adentrem a narrativa e colaborem na construção de seu próprio sentido. 

Afinal, Obatala Film é “contra-feitiço”, Wiedemann escreve para a GLAC edições. Não o revelar de um segredo, mas o possível compartilhar de uma relação que é tanto estabelecida nas imagens e com as imagens, quanto reforçada na espiritualidade daquilo que não aparece e na tangibilidade dos seres, formas e corpos ali expostos. Pois, após o transe proposto pela montagem do curta, é relevante que o primeiro plano enquadrado seja o close no rosto de um homem que encara a objetiva da câmera, transpassando a barreira da tela mediadora e alcançando o olhar de quem a assiste. Esse homem, cuja face está pintada com as mesmas marcas já descritas, parece compartilhar certo sentimento de compaixão por meio de sua expressão compreensiva e de seu sorriso contido. Talvez aí resida parte do segredo do filme. Naquele olhar que, tal qual um portal, une as pontas de mundos distintos e faz, do cinema, vislumbre e ocasião de um ensaio que não se encerra na compreensão.

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