A escritora canadense é centrada nas relações humanas, assim como Almodóvar, porém as aborda a partir de uma ótica tchecoviana, minimalista, buscando os respiros e pausas do cotidiano. Em comum, o percurso melancólico de personagens femininas em conflito com seu passado e com sua família. Mas os enredos de Munro não são extravagantes e suas evoluções são suaves, enquanto que Almodóvar é fã de reviravoltas, surpresas e muitas vezes engata subversões já nas premissas de seus filmes.
As atrizes Adriana Ugarte e Emma Suárez emprestam dignidade à Julieta em dois momentos distintos da sua vida, mas é a articulação entre os tempos a chave para se entender os detalhes da trama e a evolução da condição psicológica de Julieta. As complexidades sentimentais da maternidade se fazem presentes no roteiro, mas creio que não sejam tema central do filme. Elas se inserem no plano das relações de dependência existentes dentro de uma família e, em fusão com a culpa, o envelhecer e a incapacidade de superar traumas passados compõem a tristeza que arremata Julieta.
Parece haver dissonância entre as inquietudes típicas da mise-en-scène de Almodóvar e o drama substancial de Julieta, que é legítimo, mas não tem o poder trágico de outras trajetórias almodovarianas. O talento narrativo, contudo, vigora na montagem de um quadro depressivo em que, mesmo com a passagem do tempo, a dor permanece.
Nota: 7,5/10 (Bom)
* Julieta fez a sua estreia no 69º Festival de Cannes