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Eclipse Solar, de Rodrigo de Oliveira

22/08/16 às 16:08 Atualizado em 08/10/19 as 20:26
Eclipse Solar, de Rodrigo de Oliveira

Um ponto de ônibus. Um quarto escuro. Um homem troca de roupa e vai à janela acender um cigarro. Na cama, bagunçada, uma certidão de nascimento. Momentos depois, este homem fita uma mulher abrindo uma série de janelas numa fachada típica do século XVIII. Não se trata, porém, de uma sequência prosaica, ancorada num realismo límpido. Além do rigor formal com que o diretor Rodrigo de Oliveira nos descreve essas ações introdutórias aparentemente banais, o concerto para o violino de Beethoven é a trilha que parece contar uma história, propondo enunciados que não se revelam por completo.

Para Eclipse Solar, o que não se sabe, o oculto, é tão importante quanto o que é revelado. A ligação entre os personagens é enunciada aos poucos, assim como parte das rusgas pretéritas que abalaram tais relações. E as lacunas são preenchidas pelo não dito, pelo brilho de uma mise-en-scène meticulosa que suscita a carga dramática no ar. Há uma tensão permanente, que emana do passado mal resolvido dos personagens e os coloca em repúdio, ainda que não saibamos exatamente os porquês.

É na ocupação desse espaço de ressentimento que o roteiro dará lugar ao místico, cuja figura maior aqui é o Diabo de Rômulo Braga: teatral, de dicção declamatória e condutor de um diálogo goethiano com a personagem de Rejane Arruda. Aliás, é ela também dona de uma atuação marcante, compassada com o registro de atuação da obra – onde a corporalidade é muito evidente -, mas dando aos closes de rosto uma sensualidade particular, notável não apenas no encontro com o Diabo (que, na tradição literária pós-Fausto, tende a ser voluptuoso), mas já na conversa com seu filho, no começo do curta.

A maior parte do filme se passa no Museu Solar Monjardim, em Vitória (Espírito Santo). Uma das dimensões simbólicas de um museu é a de aprisionar, em vias materiais, o passado. É comum que realize essa missão em uma configuração solene, cerimoniosa. Rodrigo de Oliveira se apropria dessa estética e de um lirismo mais carregado para tratar da dor do que já foi, mas nos deixou assim. Em certo momento, Natália Hubner (Clarissa) canta The Corn Field (O Milharal), bela canção de Rachmaninov baseada em poema de Tolstói. Ao final da peça, os versos da obra, que cito em tradução livre, são precisos: “Onde caíram, estão fadados a viver e crescer. Devem florescer e amadurecer na desgraça amarga”.

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