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Até o Fim, de Ary Rosa e Glenda Nicácio

29/01/20 às 20:58 Atualizado em 09/08/20 as 13:52
Até o Fim, de Ary Rosa e Glenda Nicácio

Uma longa jornada noite adentro. Em Até o Fim, Glenda Nicácio e Ary Rosa encontram a estrutura perfeita para o singular exercício de decupagem e montagem que vinham ensaiando desde Café com Canela (2017): locação única, quatro atrizes e um acerto de contas com o passado.

O espaço limitado concentra a atenção nas quatro graças – deusas da concórdia, dos banquetes, do encanto, da gratidão, da prosperidade familiar e da sorte – que explodem na tela em sons, gestos e palavras. Quatro atrizes entregues ao presente como a uma festa. E a festa tem motivação primordial: a celebração do rato morto. O rato aqui é o pai, e poderia ser o padre, ou o patrão. Ele rói o desejo de vida de quem fica e o desejo de permanência de quem vai. Mas ele está morrendo. O rato permanece no galpão porque ainda se percebe a sua interferência nefasta nos corpos e espíritos daquelas mulheres.

Por isso precisamos acertar as contas, e ir e vir em um tempo mínimo, em espaço de minutos, outra particularidade da montagem de Nicácio e Rosa. O acerto de contas acontece em bloco, um pouco antes ou um pouco depois, não importa. E o acerto de contas precisa ser falado. Didaticamente falado. Pedagogicamente falado. Repetidamente falado. Sublinhado, acentuado, exaurido.

Precisa ser falado também para ser ouvido por todos, não apenas pelos que entendem a língua. Nicácio, em fala sobre o filme, declara que cada vez mais faz seu cinema com a comunidade de Cachoeira e para a comunidade de Cachoeira. Cinema de oficina, em sua mais nobre acepção: colaborativo, inventivo e comunicativo. Quanto mais interferência externa, mais didatismo, como se percebe na entrada de Vilmar, personagem de Jenny Muller, que se integra aos poucos àquele universo estabelecido. Quando Vilmar chega – no filme, mas também na comunidade e no grupo familiar -, precisa falar, apesar da eloquência do seu corpo. Como se precisasse transformar sua imagem em palavra para o espectador, mas também para as personagens, e para as atrizes, e para o roteiro e para a cena que é construída a partir de seu corpo.

E Até o Fim é todo conduzido por estes corpos. Ao invés da dança clássica da encenação, em que os corpos se movimentam para o deleite do olhar, aqui a câmera tem seus passos conduzidos pelos corpos exuberantes, seu gestual, seu timbre. Uma câmera tão apaixonada pelo objeto que não se contenta em olhar, quer tocar, cheirar e respirar junto, não de forma desordenada como em outros experimentos do tipo, mas no compasso da coreografia vertiginosa e fragmentada dos movimentos de seus personagens. Que esta câmera dançante seja a ferramenta de registro da festa do rato morto, não surpreende. Como declamou a atriz Arlete Dias no debate posterior ao filme: “Apesar de tanto não, tanta dor que nos invade, somos nós a alegria da cidade.”.

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