“Quando a terra sofre, todo mundo sofre”, disse Marcela Borela em conversa sobre Mascarados na 23ª Mostra de Tiradentes. O filme cria uma sutil ficção em torno do dia a dia de operários de uma pedreira extrativista no entorno de Pirenópolis, estado de Goiás. A pedreira em que a narrativa do filme se desenvolve extrai tanto os recursos naturais quanto a vitalidade dos personagens e da região. Afinal, a ferida na terra é tanto danação quanto sustento da comunidade; tanto imobilidade quanto catarse; tanto chicote quanto recompensa do trabalhador.
Trabalhador que é este personagem eternamente perseguido e nunca alcançado no cinema brasileiro. Peça fundamental da revolução, da tomada de consciência de classe, estandarte do novo mundo. Alienado, manipulado, conformado, fetichizado. Como acessar o trabalhador? Impossível não pensar em Arábia (2017), de Affonso Uchôa e João Dumans, filme irmão em temática e equipe de Mascarados, que conta com Uchôa na montagem e tem Aristides de Souza no elenco; ou ainda em produções nacionais emblemáticas como Eles Não Usam Black Tie (1981), de Leon Hirszman ou o recente Temporada (2018), de André Novais, entre outros. Mas Marcela e Henrique Borela não tomam este desafio para si, e optam por manter a máscara dos assalariados.
Mascarados nos apresenta quatro operários imobilizados, em parte de tempo enquadrados de forma isolada e integral, de corpo inteiro. As interações entre eles são esporádicas e distanciadas. O filme mantém intacta e intransponível a subjetividade dos personagens. O horizonte, perspectiva de mudança, é encoberto pelo sustento exploratório, pedreira inexorável. Não há tempo e espaço para práticas coletivas. A imobilidade dos personagens e da narrativa vem também do formalismo do dispositivo documental. Talvez por receio de interpelar aquele contexto de forma incisiva (e violenta), Marcela e Henrique Borela optaram por liberar os personagens do trabalho ficcional, focando em seu dia a dia.
A montagem lacunar oculta um movimento latente. Máscaras são produzidas, uma celebração popular se aproxima. A ação do filme parece se encaminhar para uma catarse na Festa do Divino Espírito Santo, e o sentimento do espectador não é outro senão: “Como e quando virá essa explosão?”. Por óbvio, o uso das máscaras, o encontro coletivo, libertará aqueles corpos solitários e empedrados.
A máscara, entre tantas atribuições, torna o corpo ficção. Em usos ritualísticos, a máscara transcende o mundo real e liberta o espírito. Ou ainda, inscreve ludicidade às celebrações coletivas, como em Yãmĩyhex: As Mulheres-Espírito, do casal Maxacali, exibido na mesma Mostra de Tiradentes. Mas a festa de Mascarados é laica, mundana. Secularizada a prática ritualística, os corpos são impossibilitados de uma outra existência. A ficção não acontece nem nos corpos, nem nos personagens, nem no filme. A catarse é adiada.
A esperada explosão acontece quando o trabalho é interrompido, ainda assim de modo contido, em outro lugar que não diante dos olhos do espectador. Do trabalhador é retirado seu tempo, sua cultura, sua espiritualidade e, agora, seu sustento. A montagem elipsa a violência no extra-campo. Sem rumo certo, os personagens reagem isoladamente, cada um à sua maneira. A máscara é trocada pela arma. A explosão precipita uma fuga. O resto é sonho.