Coisas estranhas no céu ou na terra? Estranha é a alteração violenta da cidade, a falta de perspectiva financeira que imobiliza o cotidiano, a destruição sorrateira das relações de trabalho, a casa que desmorona. No céu, a perspectiva de mudança.
O longa-metragem de estreia de Bruno Risas foi filmado ao longo de sete anos, e a passagem de tempo aparece nas imagens, nos rostos dos personagens e nas alterações da casa-cenário. A opção por uma montagem não cronológica nos insere em um ambiente de tempo circular, domínio do cotidiano e do trabalho doméstico. É neste ambiente que reina a personagem principal de Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu: Viviane Machado, atriz e mãe do diretor.
No alargamento das fronteiras entre vida, cinema e trabalho, acompanhamos Viviane em sua jornada diária de cuidados com a casa e a família, confessando-se para a câmera, atuando, fumando, jogando videogame… Mas o filme não parece plenamente consciente da força da personagem, e por vezes se deixa levar por um deslumbramento consigo mesmo, com a possibilidade de sua existência e com o dispositivo que propõe.
Bruno Risas coloca em primeiro plano a presença da câmera, objeto não identificado no ambiente doméstico, ao registrar/encenar o dia a dia da sua família. Quais alterações na realidade a presença deste objeto estranho que é uma objetiva apontada para o centro da sala provoca? Por óbvio, a mise en scène do cotidiano, a construção de personagens emblemáticos (como a avó, presença lúdica e fantasmagórica) e dramas prosaicos (como o salário atrasado da irmã). Mas o que mais? Também no centro da sala está o declínio ou a estagnação financeira familiar. Será a câmera o OVNI que vai solucionar a falência do projeto de estabilidade desta família?
Risas declara que as filmagens que iniciaram em 2010 ganham a dimensão de um projeto de filme em 2013, quando recebe a verba de um edital de fomento cinematográfico. Os meios de produção são sempre vetores de análise fílmica, mas em Ontem Havia Coisas Estranhas no Céu eles são essenciais. Um projeto que se inicia como um curta-metragem sobre uma dona de casa que vê seu projeto de vida fracassar e aceita ser abduzida por extraterrestres se transforma em uma produção cinematográfica familiar, com escalas de horário, pagamentos de cachê, notas fiscais, prestações de contas. E não é menor falar nestes termos. Qual estética não é atravessada pelas suas condições materiais? Sobretudo se estas condições se apresentam na narrativa. Em cena crucial, uma discussão entre o diretor e a mãe, o dinheiro recebido pelo projeto vem à tona, mostrando de forma mais concreta a interferência que o filme-OVNI causou naquele cotidiano.
Como na ideia inicial do curta-metragem, a mãe é abduzida. Pelo disco voador, pela câmera no meio da sala, pelo projeto cinematográfico do filho. A mãe some por um tempo. Tudo continua igual, segundo a voz off, o restante da família absorve por um curto período de tempo o trabalho feito por ela (incongruência narrativa, pra não dizer desaforo do roteiro, já que a personagem é o coração e as mãos da casa). A mãe volta. Tudo continua igual, mas alguma coisa mudou, revela a personagem. A cozinha, a sala, os cachorros e os filhos permanecem os mesmos. O filme acabou, o dinheiro acabou, Viviane vai colocar novamente as luvas amarelas para limpar as paredes, mas algo está diferente. “A vida continua a mesma, mas tudo mudou por dentro”, como ela própria elucubra em debate posterior ao filme. Quais alterações na realidade a presença deste objeto estranho que é uma objetiva apontada para o centro da sala pode provocar?