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A gente se impregnou um do outro, diz Cao sobre O Homem das Multidões

31/01/14 às 09:24 Atualizado em 21/10/19 as 23:01
A gente se impregnou um do outro, diz Cao sobre O Homem das Multidões

Os 24 curtas-metragens e 8 longas no currículo tentam esconder a diversidade no escopo de atuação de Cao Guimarães. Com dupla formação profissional – em Jornalismo, pela PUC-MG, e Filosofia, pela UFMG – Cao sempre fez arte transitando entre diferentes plataformas, das quais as mais notáveis em sua carreira foram, além do cinema, a fotografia e a instalação (especialmente a videoinstalação). Acostumado a produções independentes e equipes reduzidas, Cao juntou-se ao amigo Marcelo Gomes (pernambucano, diretor de Cinema, Aspirinas e Urubus) para filmar O Homem das Multidões, que será exibido nesta sexta-feira na 17ª Mostra de Cinema de Tiradentes

Em conversa com o Cine Festivais, o artista mineiro comentou as peculiaridades do filme, falou sobre dividir a direção com Marcelo Gomes e enfatizou a importância dos festivais de cinema e dos grandes temas, com os quais todos se identificam. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

 

Cine Festivais: Como você conheceu o Marcelo Gomes e como surgiu a parceria?

Cao Guimarães: Eu conheci o Marcelo quando ele estava montando o Cinema, Aspirinas e Urubus, em Belo Horizonte. Eu tinha acabado o A Alma do Osso e a gente se conheceu na casa da Karen (Karen Harley, montadora). Ele viu Da Janela do Meu Quarto e adorou. Começamos a conversar sobre coisas da vida, sobre cinema, e criamos uma identidade imediata.  Ele morou comigo um tempo e começamos a fazer várias pequenas parcerias: fiz o Concerto para Clorofila (2005), que ele montou comigo, viajamos juntos para Berlim e, num festival de inverno em Diamantina, eu comentei sobre esse projeto. Já tinha feito dois filmes sobre pessoas sozinhas (Andarilho e A Alma do Osso), e queria fazer um terceiro, baseado num conto do Edgar Allan Poe. Começamos o roteiro em Berlim, em 2007, e depois viemos produzir aqui.

 

CF: Como é esse encontro entre dois artistas diferentes; o Marcelo como alguém acostumado a trabalhar com equipes de cinema e você como um artista multiplataformas que trabalha com equipes reduzidas? Era a intenção unir essas duas maneiras de fazer arte?

CG:  É, isso poderia dar muitos problemas, mas também várias soluções. No caso, acho que foi bem complementar. Aprendi muito com ele e espero que ele tenha aprendido muito comigo. Temos visões que podem parecer diferentes em termos de processo e feitura de um filme, ele queria algo mais simples, eu queria complicar. Mas acho que o casamento deu certo. Tem um pouco de cada um ali. Por exemplo: uma característica mais forte do Marcelo é o trabalho com atores, no qual ele insiste muito em trabalhar a emoção do personagem. Eu já gosto de mexer bem com a imagem e com o som, construindo a linguagem cinematográfica, algo que eu tinha presente nos meus trabalhos anteriores. Mas, no final, eu já estava cuidando dos atores e ele querendo fazer imagens doidonas. A gente foi se impregnando um do outro e acho que isso é muito rico num processo criativo, porque você tira do processo mais do que o processo tira de você. Você aprende a fazer um trabalho de formas diferentes, você “desvicia” o seu modo de fazer e o seu olhar, num exercício de aceitar o outro.

 

CF: Como se deu a escolha do ator principal (Paulo André) e a preparação para um papel tão minimalista?

CG: Fizemos uma série de entrevistas com pessoas solitárias. Tínhamos o intuito de, talvez, pinçar os protagonistas entre esses personagens reais. Até chamamos alguns, mas o ator tem algo a mais, que é da ordem da tranquilidade na hora da interpretação, de uma bagagem que é difícil alguém que não tem experiência trazer. Eu conhecia o Paulo André de Belo Horizonte, do Galpão (importante grupo teatral mineiro). Ele é uma pessoa tímida, recatada, que combina com o personagem. O teste dele foi ótimo: olhamos no olho dele e dissemos “é esse!”. A Silvinha (a atriz Sílvia Lourenço, que interpreta Margot) eu também já conhecia de uma viagem que fizemos juntos. Acho que os dois fizeram um trabalho precioso.

 

CF: Você disse que a inusitada janela de exibição (quadrada, numa dimensão 3×3) do filme tem a ver com a claustrofobia e com uma indagação a respeito do que já foi feito no cinema. Mas tenho a impressão de que, quando você emoldura a tela nesse formato quadrado, quer chamar a atenção do público para esse espaço vazio, para o que sobra. É isso?

CG: A primeira coisa é o estranhamento mesmo. Estamos muito acostumados a ver um filme em formato retangular. Depois, o personagem é estranho, tem uma certa claustrofobia. E pensamos muito em usar o extracampo, o que fica fora do plano. Às vezes a câmera agia independentemente da ação dos atores, que saíam e voltavam do quadro enquanto a câmera se movimentava em paralelo. Como o quadro é muito pequeno, o fato de os atores saírem do plano leva o espectador para um lugar lá fora, uma imaginação dele, o espectador começa a criar um mundo a partir disso.

O quadrado também achata o quadro e assim se ganha profundidade. Na panorâmica você tem aquela imagem grande, mas ela é mais chapada. Então, conseguimos encher mais o quadro de gente, trabalhar com desfoque, de maneira que o personagem sente a multidão como uma atmosfera não necessariamente focada.

 

CF: A solidão é muito abordada no cinema, em outras obras, e especialmente na sua filmografia. Por que a insistência no tema?

CG: É um dos grandes temas da humanidade, assim como o amor e a morte. Mesmo quem não se considera sozinho sempre terá momentos de solidão, é algo pertinente a todos. Gosto de tratar de temas universais, acessíveis a todos. Não estou falando de um chip de computador que ninguém nunca viu, mas sim de algo que qualquer leigo que vá assistir ao filme vai entender. É algo da ordem da complexidade e simplicidade inerentes a todos os humanos.

 

*colaborou Ivan Oliveira

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