facebook instagram twitter search menu youtube envelope share-alt bubble chevron-down chevron-up link close dots right left arrow-down whatsapp back

A Destruição do Planeta Live, de Marcus Curvelo

30/01/21 às 12:49 Atualizado em 10/02/22 as 15:24
A Destruição do Planeta Live, de Marcus Curvelo

Eu sei que fracassei, eu tinha que avacalhar

Se existe um cinema que anda sempre engasgado entre a linha tênue que divide o riso do choro, com certeza é o de Marcus Curvelo. De Mamata (2017) até Joderismo (2019) e A Destruição do Planeta Live (2021), todos os filmes do cineasta propõem a quem os assiste um desafio: sobreviver. Tanto aos filmes quanto ao mundo que está em volta de todos nós. A experiência do cinema de Marcus Curvelo é quase que a de uma dor compartilhada, uma mistura de sessão de terapia com reunião de expurgo. Quem analisar os curtas de Curvelo encontrará na iconoclastia de O Bandido da Luz Vermelha (Rogério Sganzerla, 1968) um mote essencial que ressoa em muitos dos personagens destes filmes, sobretudo no protagonista Joder: o lema do Eu sei que fracassei, eu tinha que avacalhar.

Essa chamativa que consagra o cinema dito marginal, cujo auge se deu entre o final dos anos 60 e o início dos anos 70, é transferida para uma catalisação do estado das coisas no Brasil dos anos 2010. Se, anteriormente, a avacalhação vinha de uma necessidade de ruptura com as leis e a política vigente, agora, no cinema de Curvelo, a avacalhação surge quase como um processo de cura, de luz no fim do túnel, de resposta à depressão. Mas não se trata de uma avacalhação como bebedeira ou exagero, e sim como parte do processo que mantém de pé o lema que atravessa os últimos filmes do cineasta: filmar para não morrer. Em Marcus Curvelo, tudo é ressaca, e o fracasso, aqui, é material intrínseco, faz parte da vida. Chutar o balde é apenas uma consequência.

Por falar em ressaca e fracasso, A Destruição do Planeta Live talvez seja o filme do cineasta que mais opera nestas duas constantes. O mote da obra gira em torno de um jovem, interpretado pelo próprio Curvelo, que está diante de uma dura empreitada: decidir entre gravar uma live ou dar um tiro na própria cabeça. Mas não se trata de uma tensão individualizada, já que ela se transmite a tudo aquilo que circunda o universo da obra, desde o amigo que Curvelo chama para o job de filmar uma live até os humano-zumbis que passeiam pela orla durante à noite. Entre um simbolismo e outro, todos os sujeitos deste universo, acometidos por um mal geral, entendem que é necessário encarar a vida, e a vida, no cinema de Curvelo, nos leva sempre de volta ao buraco profundo do lixo, tal qual a garrafa pet que reflete o rosto do cineasta.

E, apesar dessa pretensão pela vida do esgoto, pelo cinema do esgotamento, o que há de mais revigorante nestes sujeitos do fracasso, do Brasil-da-puta-que-pariu, é a possibilidade de enxergar um fim menos cruel. Por isso mesmo que A Destruição do Planeta Live abre um novo caminho na filmografia de Curvelo, refazendo o estratagema do riso que precede o choro para enfim fazer-nos dar uma gargalhada quase fatal, assim como a que encerra o filme. Agora, não se filma mais para não morrer: filma-se para fenecer, calmamente, nas mãos da natureza, igual uma ameixa. O riso do final, agudo, não chega a ser de alívio, de complacência e muito menos de regozijo, mas ainda assim é um riso. Um riso de quem se despediu do fracasso porque não mais o suporta, e se deu ao luxo de transformar-se em fruto para não precisar dar um tiro na própria cabeça. Se a morte, enfim, é o caminho, melhor que ela venha depois do fracasso, depois da ressaca, no murchar leve e lento de uma pequena fruta. Quem sabe, ainda, vai que uma ameixa não cure a ressaca de alguém, não é mesmo?

Entre em contato

Assinar

Siga no Cine Festivais