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“Só parei de trabalhar em outras coisas há três anos”, diz o ator Babu Santana

16/01/18 às 16:19 Atualizado em 11/10/19 as 11:39
“Só parei de trabalhar em outras coisas há três anos”, diz o ator Babu Santana

Foi em uma despretensiosa zapeada televisiva que o diretor Ary Rosa ouviu Babu Santana falando no programa de entrevistas da jornalista Marília Gabriela sobre seu desejo de interpretar personagens que fugissem de estereótipos comumente associados a atores negros. Veio daí a motivação para pensar em Babu para o papel de Ivan, um médico homossexual que vive no interior da Bahia em Café com Canela, longa-metragem de Ary e Glenda Nicácio, dupla que se conheceu no curso de cinema da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB).

Babu Santana ainda não viu o filme que lhe proporcionou o personagem mais fora da curva em sua carreira, mas o fará na noite deste dia 19, na abertura da 21ª Mostra de Tiradentes, onde minutos antes ele receberá um troféu pela sua trajetória como ator, que no cinema começou em 2002, com Cidade de Deus e Uma Onda no Ar. “Esse trabalho para mim é tão mágico que acredito que tenha sido obra do destino me fazer assisti-lo pela primeira vez em uma mostra que está me homenageando”, comenta Babu.

O ator, que alcançou o reconhecimento do grande público em 2014, quando interpretou Tim Maia no filme homônimo de Mauro Lima, só conseguiu se dedicar exclusivamente ao ofício da atuação há cerca de três anos, período em que o prestígio obtido pela cinebiografia do cantor lhe abriu mais portas. Hoje com 38 anos, o carioca começou a participar de montagens teatrais na escola já quando tinha 12 anos, e entrou para o grupo Nós do Morro aos 16. Neste ínterim entre o início da carreira e os últimos anos, trabalhou em diversas profissões para complementar a renda.

Na entrevista a seguir, concedida por telefone ao Cine Festivais, Babu Santana relembrou os principais momentos de sua carreira artística, comentou como encara a busca por personagens menos estereotipados e falou sobre a homenagem recebida no evento mineiro.

 

Cine Festivais: Tim Maia, longa-metragem que foi um marco em sua carreira, dedica boa parte de seu enredo para as tentativas frustradas do cantor antes de obter sucesso. Pensando na sua trajetória como ator em cinema, você se identificou com esse personagem também por essas dificuldades que ele passou antes de se tornar Tim Maia?  

Babu Santana: Eu me identifico com o Tim Maia desde sempre. Lembro que quando era moleque eu ia comprar xampu e não tinha nenhum para cabelo crespo. E era assim pra tudo na vida, não tinha uma representatividade dos pretos, dos mestiços. Então o Tim Maia era um grande símbolo de sucesso, garra e talento para mim.

No começo da carreira acho que todo artista se impressiona um pouco com o sucesso que a profissão pode proporcionar, mas já a partir dos primeiros anos em que eu fazia teatro comecei a ver que não perseguia o sucesso, mas sim a excelência. E o Tim Maia vem como exemplo de resistência, de luta, de um cara preto, mulato, que encarou as divergências de um mercado que é super restrito e superou isso com muito talento e com muito esforço.

Pensando nisso, com certeza ele sempre foi uma fonte de inspiração. Não só pelo sucesso que teve, mas pela excelência que ele tinha no que fazia. Até hoje ninguém faz o que Tim Maia fazia. Nós, artistas, sempre temos a intenção de fazer a crônica e a crítica do nosso tempo, e isso o Tim fez com muito sucesso.

 

Pensando nos personagens que você realizou no cinema antes de interpretar o Tim Maia, quase todos são marginalizados dentro da sociedade (bandidos, carcereiros, etc.) e se encaixam em alguns estereótipos que costumam ser associados aos negros no audiovisual. Gostaria de saber como você lidava no início de carreira com essa linha tênue entre a escolha artística dos personagens que iria interpretar e a necessidade profissional/financeira de seguir trabalhando?

Como eu falei, nós somos a crônica e a crítica do nosso tempo, então todos merecem ter representatividade. Quando eu penso que a maioria da população carcerária do país é negra ou mestiça, é óbvio que as pessoas vão logo qualificar uma figura violenta ou truculenta com um tipo meu. O estereótipo só se torna chato quando você só vê a comunidade negra nesses tipos de figuras, enquanto que a gente sabe que somos muito mais plurais do que o mercado coloca.

Isso é uma realidade dentro de um mercado que está em constante mudança. Quando a gente [do coletivo Nós do Morro] começou a entrar no mercado, ocupamos um determinado espaço, e hoje já temos pessoas em todos os segmentos do meio [audiovisual]. Então isso [personagens estereotipados] não me incomodou muito não, era o espaço que o mercado apresentava para mim. O que eu podia fazer era aplicar o que a gente faz, o que a gente estuda. Se eu vou fazer um bandido, vou fazer o melhor que eu posso, vou humanizá-lo. Quando vou fazer um personagem eu não penso em criticá-lo, mas em expô-lo. Eu exponho aquela figura ao julgamento de quem está assistindo. Pensando por esse lado, nunca me incomodou fazer bandido, bêbado, carcereiro, porque são figuras humanas. A tônica do meu trabalho é sempre humanizar aquela realidade e mostrar figuras que de fato existem na sociedade.

O estereótipo é chato quando você tacha como se todos os negros fossem bandidos. Os vilões e os truculentos não são maus a todo momento, tem um ser humano ali. Acho que é justamente o que eu tento levar ao meu trabalho, a reflexão. Antes de a gente tachar aquela figura, tem que perguntar quem é aquele ser humano.

Por muito tempo o teatro foi para mim uma válvula de escape pela qual eu podia sonhar. Eu fui de Otelo, do Shakespeare, ao Simão Bacamarte, do Machado de Assis. Ali o desafio da construção da personagem é bem grande. A TV é a única instituição que assina a carteira de um ator nesse país, e está presente de maneira muito forte na nossa cultura. E o cinema é um sonho, é um tesão, porque é uma ciência muito cara. Em um país que não dá muita importância para a cultura, como o nosso, é um privilégio fazer cinema. Hoje, com muita dificuldade, eu consigo viver só da minha profissão como ator. Isso é uma realidade muito recente. Só há cerca de dois, três anos que eu parei de trabalhar em outras coisas.

Eu sempre busquei fugir um pouco dessa situação dos estereótipos. Através desses personagens eu consegui mostrar a minha capacidade como ator de fazer qualquer tipo de personagem. Isso fica claro quando eu sou convidado para fazer Tim Maia, isso fica claro quando sou convidado para fazer Café com Canela, coisas que talvez no passado eu não conseguiria. Mas nessa janela que a vida me abriu a gente entrou com muita educação nessa casa que é o mercado. Agora estamos tomando conta e o objetivo é conquistar o mundo.

 

Quais eram as outras profissões que você desempenhava?

Eu fiz muita coisa. Trabalhei de office boy, fui vendedor de plano de saúde, fiz produção de evento, animei festa infantil, limpei uma livraria, fui vendedor de livros… Trabalhei durante muitos anos em uma barraca de praia em Ipanema que é da família do padrinho da minha filha mais velha. Lá eu conseguia conciliar meus horários com as aulas de teatro. Tudo sempre foi em função das minhas aulas de atuação e do meu trabalho com teatro. Eu sempre estava pulando de emprego em emprego, geralmente depois que o patrão ficava chateado quando eu pedia para sair mais cedo para ir ao ensaio ou para faltar em final de semana de apresentação.

 

Com relação à sua vida profissional depois que interpretou o Tim Maia, você sentiu que os tipos de personagens oferecidos para novos trabalhos foram diversificados? Comparando com os filmes anteriores, houve uma diferença grande nesse sentido?  

Depende do aspecto. Eu acho que Uma Onda no Ar foi o filme que me apresentou para o mundo do cinema. Depois dele fui chamado para fazer muitas participações. Aí fiz um filme no qual acabei ficando fora do corte final, que é O Homem do Ano, mas ali eu conheci o José Henrique Fonseca, que me indicou para fazer o Redentor.

Mais para frente tive uma grande parceria com a Lúcia Murat no Quase Dois Irmãos. É impressionante como eu gosto do que a Lúcia tem para dizer… Depois veio Estômago, que é um filme que teve uma notoriedade muito grande no cinema brasileiro e também fez muito sucesso fora do país. Foi ali que as pessoas começaram a me enxergar como uma realidade. Ganhei alguns prêmios e aquilo me credenciou para que tivessem confiança para me colocar em um projeto do tamanho do Tim Maia. E fazer o Tim me possibilitou alcançar o grande público, foi um divisor de águas em relação a esse reconhecimento popular.

 

Você já negou papéis que lhe foram oferecidos em cinema por não se identificar com o personagem oferecido ou por achar que o personagem estava escrito de maneira superficial?

Bicho, eu sou um operário da arte. Eu não me lembro de ter recusado trabalho algum, a não ser por questões de agenda. Quando eu fazia teatro lá no Nós do Morro todo mundo me chamava de “fominha”. Eu fazia parte da companhia principal do grupo e havia as outras turmas, e nas mostras de final de ano eu participava de sete ou oito peças. Então nunca neguei trabalho por nada.

 

Falando agora sobre Café com Canela, o seu personagem no filme foge de estereótipos como os da dureza/raiva ou da cordialidade/alívio cômico que geralmente aparecem associados a pessoas negras. Gostaria que você falasse como foi a aproximação da Glenda Nicácio e do Ary Rosa com você. O que fez com que surgisse seu interesse pelo projeto?

Café com Canela primeiro chegou até a mim em forma de roteiro. Um roteiro muito bem escrito, muito lírico. Eu até brincava com eles: “pô, achei o roteiro muito curto. Vocês têm certeza que é um longa?” Aí eles começaram a me explicar as ideias deles, e me deixou muito feliz a forma como eles pensavam o roteiro que me mostraram. Além do roteiro, todo o movimento que eles estavam fazendo para viabilizar o filme me encantou. Tanto é que no dia em que viajei para filmar a minha filha mais nova estava com dez dias de vida. e eu fui porque acreditava muito no projeto. Na semana antes de eu ir para a Bahia eles me disseram que ele não era em Salvador, mas em Cachoeira, do lado de São Félix, que é a terra da minha família. Então o filme começou a me fazer todo um sentido ancestral, existencial. De repente eu estava na Bahia, na terra onde nasceu minha bisavó, meu avô, fazendo  um filme lindo.

No começo tinha essa coisa de “vou fazer um médico gay”, mas isso aí era o que menos importava. Eu estava fazendo um homem sensível, um homem negro que estudou medicina e exercia a profissão em uma cidade pequena, que era apaixonado… Era uma figura tão rica, que ser homossexual e médico era o de menos. E tinha esse desafio de me mostrar dentro desse corpanzil um homem delicado, um homem que amava outro homem.

Eu ainda não vi o filme, você acredita? Mas esse filme para mim é tão mágico que acredito que tenha sido obra do destino me fazer assisti-lo pela primeira vez em uma mostra que está me homenageando. Parece que o destino cuidou de tudo milimetricamente. A começar pela história que o Ary (Rosa, diretor) me contou, de como pensou em mim para esse filme. Ele estava em casa, no interior da Bahia, e a TV só pegava dois canais. Em um deles estava passando a minha entrevista com a Marília Gabriela, e foi ali que ele me ouviu dizer que eu tinha vontade de interpretar um gay ou um político poderoso… Ele captou aquele meu pedido e me encaixou dentro de um roteiro no qual a maioria das pessoas jamais pensaria em mim para fazer esse personagem.

Isso é resultado de uma busca pela quebra dos estereótipos. As coisas foram acontecendo por causa da dedicação ao trabalho, e o Café com Canela se transformou em uma das coisas muitas bonitas que eu já fiz na minha vida em termos não só profissionais, mas de vida. Eu tinha ido para Cachoeira com seis anos de idade. Aí foi muito louco quando me soltaram na cidade e eu consegui ir sozinho para a casa da minha família. Me senti em casa, sofri muito para ir embora e tive uma grata surpresa depois que o filme começou a viajar e notei que ele tinha tocado tantas pessoas, assim como esse projeto me tocou.

 

Babu Santana em Café com Canela

 

Recentemente o Selton Mello deu uma entrevista em que falava que poucos cineastas sabem dirigir atores. Como é a sua relação com os diretores com quem vem trabalhando no cinema? 

Eu sempre botei na minha cabeça que iria ser ator, independente de quem estivesse na minha frente, seja dirigindo ou assistindo. Acho que há estilos diferentes [de direção de atores]. Por exemplo, o Helvécio Ratton é um cara que investiu fortemente em uma preparação de elenco em Uma Onda no Ar. Ele contratou o Antonio Amancio e o Rui Moreira para que eles pudessem acessar algo na gente que ele queria que pulsasse no filme. Então eu não posso achar que essa é uma postura ruim do Helvécio. O cara tem um tempo para fazer aquilo, tem mil departamentos ligados às suas ordens, então ele não pode ficar ali só preso aos atores. Até porque ele nos proporcionou um material muito bom para se trabalhar. Eu acho que o ator costuma ser inseguro, está sempre achando que pode fazer melhor, e o Helvécio era muito seguro nas decisões dele, mas não necessariamente era um cara que dirigia o ator diretamente nas emoções que ele deveria passar.

O Marcos Jorge, diretor de Estômago, é um exemplo diferente, um cara que além de escrever e dirigir queria estar presente na construção do ator. Já o Mauro Lima (diretor de Tim Maia) seguiu mais ou menos essa linha do Helvécio: botou a Maria Silvia Siqueira Campos para nos preparar e trabalhou mais tecnicamente para harmonizar todos no set. A Lúcia Murat também é uma pessoa que coloca preparador de elenco, mas sabe se comunicar muito bem com a gente no set… Enfim, são estilos diferentes aos quais eu tenho que me adaptar a cada filme.

Eu penso assim: se alguém contratou aquela pessoa para dirigir é porque confia no trabalho dela; e se me contrataram para atuar é porque confiam em mim. Acho que eu ainda não atingi um nível de exigência nesse sentido. Como eu falei, eu sou um operário, sou uma formiguinha no cinema, no teatro e na TV. Então eu vou fazer o meu trabalho e se ele [cineasta] conseguir me ajudar, beleza, mas se não ajudar, pelo menos não atrapalhe (risos).

 

E com o Ary Rosa e a Glenda Nicácio? Como foi a experiência de ser dirigido por eles em Café com Canela? 

Tive uma troca muito bacana com eles. Eu lembro de uma situação que foi muito engraçada, que aconteceu quando eu recebo a notícia de que o personagem do meu marido tinha morrido. O Ary achava que tinha que falar baixinho para não quebrar a minha concentração, e na verdade eu falei pra ele: “cara, não fala baixo não. Você pode até berrar na minha cara, só anda rápido aí que eu não sei se eu seguro essa emoção durante muito tempo.”

Eu sou um ator que me entrego pro diretor. Eu não escolho muito o estilo não. Acho que consegui agradar até hoje por isso, porque eu quero buscar o estilo do cara. Se ele é um cara que vai dirigir cada gesto meu, eu tenho que dar o meu melhor. Se ele me deixa solto… Aliás, eu até gosto de ficar solto, gosto de criar, gosto daquele diretor que só tira o excesso, mas o que tiver na minha frente eu topo.

E com o Ary e a Glenda o bacana é que houve uma troca muito grande da gente com eles. Embora fossem inexperientes, eles tinham uma coisa que todo bom diretor tem que ter: eles sabiam o que eles queriam, e, principalmente, eles sabiam o que não queriam. Isso já basta para você desenvolver uma ideia com nós, atores. O grande segredo é como o diretor consegue extrair o melhor do ator, e de uma forma ou de outra a Glenda e o Ary conseguiram extrair muitas coisa boas de mim. Às vezes eu me sentia inseguro porque havia muita gente iniciante, mas eu logo via o brilho no olhar da Glenda, via o sorriso do Ary, e sabia que tinha agradado. Aí pensei assim: “cara, o meu dever aqui é agradar primeiramente os diretores. Se eu vou agradar o público e a crítica, já é uma outra questão.”

 

Você já declarou que pretende dirigir um longa-metragem futuramente. Esse desejo permanece?

Permanece! Eu tenho aqui no meu computador vários roteiros que escrevi. Alimento muito esse interesse [por dirigir] porque sou uma pessoa muito curiosa desde pequeno. Quando vou trabalhar na televisão e atuo com algum diretor novo eu me pego às vezes preso às estratégias e às dificuldades do dia a dia. São coisas que eu já presenciei muitas vezes e que saberia como sair dali.

E tem também essa questão de o diretor dialogar diretamente com o ator. Eu tive a experiência de dirigir teatro – junto com meu amigo Renato Rocha fizemos uma peça chamada Refluxo – e eu tive um prazer muito grande quando eu consegui extrair do meu ator o que eu queria para aquela cena. Eu já fiz por volta de 50 filmes, entre longas, curtas e trabalhos em cursos, então todo esse conhecimento me gera uma vontade de dirigir que pulsa cada vez mais forte. Só que eu acho que é uma responsabilidade muito grande, e eu quero ter aí mais uns cinco, dez anos de experiência para tocar o meu primeiro projeto, para que ele seja forte.

Agora neste exato momento eu estou me dedicando a uma herança que eu tive ao fazer Tim Maia, que foi trabalhar com música. Nesse momento meu projeto paralelo é minha banda, Os Cabeças de Água Viva. Quando eu conseguir botar esse projeto para andar sozinho vou me dedicar com certeza a dirigir, não só cinema, como também teatro.

 

Além da Glenda Nicácio, quantas pessoas negras dirigiram você em TV, teatro e cinema ao longo da sua carreira? 

Em novela nunca, bicho. É impressionante. Mas eu já tive a chance de ser dirigido por meu grande amigo Luciano Vidigal, que é um contemporâneo meu do Nós do Morro. Ele é um cara que já começa a trabalhar nesse universo, e se deus quiser eu vou voltar a ser dirigido por ele. Fiz um curta dele (Neguinho e Kika) que foi muito bacana. Trabalhei também com um rapaz negro chamado Paulinho Sacramento, mas ainda somos poucos no mercado, né? Não somos poucos que fazemos, mas no mercado somos poucos.

No Mais X Favela, que é uma série que a gente fez para o Multishow, o Luciano (Vidigal) estava presente, mas pouquíssimas vezes eu fui dirigido por um diretor negro. Acho que isso está mudando, o empoderamento das minorias está surgindo, não só dos negros, mas da mulher, do índio, do trans. Acho que cada vez mais a gente vai transformar a nossa sociedade em uma coisa menos careta e mais amorosa e carinhosa, como um dia a gente acreditou que o brasileiro fosse, né? Um povo acolhedor, humilde, bacana, festeiro. Aos poucos essas minorias estão se empoderando, e acho que isso é questão de tempo. Já já eu estou dirigindo aí, outro diretor negro, se Deus quiser.

 

Você acha que essas mudanças que você citou podem se refletir nas suas escolhas profissionais, principalmente em relação aos personagens que você deseja interpretar?

Com certeza. Nelson Rodrigues já dizia: “jovens, envelheçam.” O próprio amadurecimento da gente já vai trazendo mais credibilidade e vai te dando mais oportunidades naturalmente. O seu físico vai mudando… Hoje eu até brinco: “pô, o Tim Maia me deixou rechonchudo e as pessoas já não me chamam mais para fazer um bandidinho aí porque acham que os caras têm que estar sarados.”

Meus cabelos brancos estão surgindo. Minha filha há quinze anos era um bebê e hoje é uma adolescente que está namorando… Enfim, toda uma compreensão do mundo faz com que você amadureça e se transforme. Acho que a onda é essa, tomara que a gente vá para uma evolução, inclusive eu. Estou doido para pegar um papel de um político corrupto e poder construir uma personagem bem à moda mau-caráter. Eu gosto de fazer vilão, cara. O vilão tem uma gama maior para trabalhar. Queria muito representar esses papéis de político corrupto, trabalhar outras vilanias. Ou fazer outros homossexuais também, ou um personagem trans. Desejo todo o nível de complexidade humana que eu puder representar, e espero que esses personagens que eu venho desempenhando deem segurança para os realizadores e para o pessoal que seleciona elenco prestar mais atenção em mim nesse sentido. Tomara que sim.

 

E sobre a homenagem na Mostra de Tiradentes: como você a recebeu e como vislumbra esses dias no festival?

Estou muito ansioso, é uma sensação que eu nunca tive. Já ganhei alguns prêmios, mas essa homenagem está fazendo com que eu sente no muro da vida, olhe para trás e não me arrependa de nada que eu tenha feito. Não estou preparando discurso nem nada do gênero, quero ver como vai ser essa emoção, ainda mais em Tiradentes, que é a cidade onde eu fiquei sabendo que a minha filha mais velha tinha nascido. Vai ser uma chance de agradecer publicamente às principais figuras que me ajudaram a chegar até aqui e de sentir que todo o investimento que eu fiz na minha carreira está valendo a pena. Até porque a minha carreira ainda está só no começo, eu pretendo ficar aí por mais 30, 40 anos, se Deus permitir.

 

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