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Fruto do acaso, Imovision chega aos 25 anos como referência em filmes autorais

23/07/14 às 10:00 Atualizado em 18/01/17 as 15:52
Fruto do acaso, Imovision chega aos 25 anos como referência em filmes autorais

“Um cachorro intervém na briga de um casal em um filme realizado em 3D”. Bastou essa breve sinopse, de um trabalho que ainda seria realizado, para que o distribuidor Jean Thomas Bernardini garantisse a aquisição dos direitos para o Brasil da versão final deste projeto. Evidentemente, o nome de Jean-Luc Godard foi fundamental para que o negócio fosse fechado, somando Adeus à Linguagem aos mais de 300 títulos que a distribuidora Imovision trouxe (ou trará) ao país desde 1989.

A trajetória da empresa que se tornou referência na difusão de filmes autorais começou por acaso. Depois de ajudar financeiramente a produção de Inverno 54, filme do amigo Denis Amar, o francês Jean Thomas, que à época já morava no Brasil, foi convidado a distribuir o filme no país. O sucesso dessa primeira empreitada trouxe novos interessados em seus serviços; o escritório, que era para fechar em poucos meses, não foi desfeito; e o homem, que se via apenas como um cinéfilo, e não como um distribuidor, teve que mudar esse conceito ao longo dos últimos 25 anos.

Para comemorar essa data festiva, a Imovision fará uma mostra comemorativa com filmes em retrospectiva e pré-estreias no Reserva Cultural, em São Paulo, entre os dias 24 e 30 de julho. O aniversário da distribuidora também será celebrado na sexta edição do Paulínia Film Festival, que homenageia a empresa e exibe títulos internacionais que serão lançados nos próximos meses. O evento acontece entre os dias 22 e 27 de julho na cidade do interior paulista.

Em entrevista ao Cine Festivais, Jean Thomas Bernardini falou sobre a trajetória da distribuidora, lembrou como trouxe cinematografias até então desconhecidas, como a iraniana, ao Brasil, e comentou o atual estágio do cinema autoral no circuito comercial brasileiro. Leia a seguir os melhores momentos da conversa.

 

Cine Festivais: Como se deu o início da sua relação com o cinema?

Jean Thomas Bernardini: Sempre gostei de cinema, desde pequeno. Via filmes de Godard e Truffaut quando jovem, mas não me considerava um cinéfilo, porque sempre assisti àquilo que estava em cartaz. Só depois de um tempo que percebi que gostava mais desse tipo de filme (de arte) do que de filmes comerciais. Ser da época em que a Nouvelle Vague existia de fato e era uma moda na França ajudou a minha formação cinéfila.

 

CF: Como você começou a distribuir filmes?

JTB: Tudo ocorreu completamente por acaso. Fiz faculdade de Psicologia em Marselha e um amigo (Denis Amar) que conheci durante aquele período me pediu para ajuda em dinheiro para a produção do filme (Inverno 54). Nessa altura eu já estava no Brasil, e depois que o trabalho ficou pronto ele me propôs que distribuísse o filme aqui. A ideia era apenas distribuir esse filme e parar. Isso faz 25 anos, e desde então eu já distribuí mais de 300 filmes.

Esse primeiro filme que eu distribuí acabou tendo uma boa repercussão e comecei a receber vários pedidos de fora para lançar outros filmes. Em um primeiro momento disse a eles que era um cinéfilo, não um distribuidor. Mas a insistência foi tanta que acabei fazendo a opção de distribuir três ou quatro filmes por ano. Era uma oportunidade de mostrar para os amigos alguns filmes que eu gostei.

 

CF: Você já distribuiu algum filme que não gostou?

JTB: Isso já aconteceu, mas apenas com filmes em que eu me envolvi antes de eles ficarem pronto. É comum no mercado a pré-compra, que é a aquisição de direitos de filmes que ainda nem foram realizados e muitas vezes só possuem sinopse e um roteiro inicial. Algumas vezes você compra um filme que tem um projeto em que você acredita e ele acaba não saindo bom. Isso é algo que você tem que assumir, acontece. Mas eu nunca comprei um filme que assisti e não gostei.

 

CF: Quais foram os filmes de maior sucesso da Imovision?

JTB: Vários filmes atingiram um número parecido de espectadores, mas tem dois deles que foram importantes na trajetória da distribuidora. O primeiro é o Mahabharata, do Peter Brook, que é dessa época em que eu não me considerava um distribuidor ainda, mas que funcionou, ficou um ano em cartaz no CineSesc. Ele me fez entender que, talvez, a distribuição poderia ser uma forma de equilibrar as contas e ganhar alguma coisa.

Depois a revelação disso aconteceu quando eu introduzi o cinema iraniano aqui no Brasil, com O Balão Branco, do Jafar Panahi. Foi o primeiro filme iraniano comprado no Brasil. Eu o adquiri em Cannes, e depois ele ganhou a Mostra de São Paulo. O público fez filas para assistir o filme, as sessões ficaram lotadas, e ele funcionou muito bem comercialmente, o que foi importante para a minha empresa, que ainda era nova.

 

Balão Branco, de Jafar Panahi, foi um marco para a Imovision

 

CF: A Imovision ajudou a trazer ao Brasil os trabalhos de novos diretores e cinematografias, como a iraniana e a dinamarquesa (Dogma 95). Isso foi planejado de algum modo?

JTB: Naquela época ninguém falava do Irã como cinematografia. Quando vi O Balão Branco em Cannes, eu adorei o filme, achei de uma poesia incrível, mas não sabia que seria o sucesso que foi. Logo em seguida eu comprei o Gabbeh, que também fez sucesso, e aí eu comecei a me interessar mais pelos vários filmes iranianos que passavam em festivais. Eles eram bons e eu já sabia que poderiam interessar o público brasileiro, e a maioria funcionou comercialmente

Em relação ao Dogma dinamarquês, eu já tinha lido sobre o movimento e achei interessante. O primeiro filme do grupo foi Festa de Família, que passou em Cannes. A reação do público foi média, muita gente não entendeu bem, mas eu gostei muito do filme e fui falar com quem tinha os direitos dele. Pensei que a distribuição para o Brasil estaria concorrida, mas descobri que ninguém tinha feito uma proposta por ele. Assim, consegui trazê-lo para cá. Depois disso eu comecei a ver os outros filmes do Dogma e acabei distribuindo todos eles aqui.

 

CF: O que mudou no mercado de distribuição nos últimos 25 anos?

JTB: Mudou muita coisa. Há 25 anos, quando eu trazia um filme que tinha vencido um festival, o público era muito ligado nisso, mesmo sem internet. Era uma época de descoberta das coisas internacionais. Aí começaram a aumentar o número de salas em shopping centers e o cinema de arte começou a ser classificado de um modo diferente, o que antes não acontecia.

Hoje é preocupante a situação do cinema independente. Filmes que há 15 anos poderiam chocar, por terem um drama um pouco mais duro, hoje não têm público. Atualmente, eu compro alguns filmes que algum tempo atrás eu não acharia tão bons, mas que eu acho que podem agradar o público. Claro que, como cinéfilo, eu preciso respeitar um limite de decência, mas isso mudou.

 

CF: Como funciona a sua rotina de busca por novos filmes?

JTB: A grande maioria dos filmes eu compro antes de eles terem sido realizados. Frequento todos os anos os Festivais de Cannes, Berlim e Toronto, e também vou a outros festivais esporadicamente. Neste ano vou para Locarno e Roma, por exemplo. A maior parte dos filmes que eu compro vão para esses grandes festivais, mas foram comprados pela Imovision anteriormente. São raras as vezes em que a gente espera que o trabalho entre em algum festival e ele acaba fracassando.

Para a escolha dos projetos que vamos comprar, cada caso é um caso. Se um diretor jovem quer distribuir o seu filme conosco, por exemplo, vamos perguntar sobre o argumento. Se não for suficiente para nós, teremos que ver o roteiro, o elenco e, em alguns casos, só tomamos uma decisão depois de ver o filme concluído. Em compensação, quando me ligaram dizendo que o Godard estava fazendo um filme em 3D com um casal e um cachorro, no qual os dois brigam e o cachorro intervém, eu comprei na hora (Adeus à Linguagem ainda será lançado pela distribuidora). É engraçado, mas é o Godard. A diferença é essa.

 

CF: A França é considerada um modelo de incentivo ao cinema independente. Como essa experiência poderia ser trazida de alguma maneira para o Brasil?

JTB: O governo francês intervém sistematicamente para poder dar chance para todos os filmes. Se você tem um filme que custou 50 milhões e tem mais 40 milhões para o lançamento, e outro que custou 1 milhão e tem 10 mil para ser lançado, a luta é desigual. É a mesma coisa que entrar no ringue com o campeão mundial dos pesos-pesados sem nunca ter treinado boxe e tentar derrubar o cara. Você está morto (risos). É aí que o governo tem que entrar para equilibrar a disputa. Uma das coisas que aconteceu na França foi a proibição dos anúncios de TV das majors americanas. Isso fez com que os distribuidores tivessem que pensar em campanhas criativas para seus filmes.

No Brasil, talvez sem perceber, o governo faz o papel de lobista para o filme grande. A coisa está complicada para o cinema de arte. Hoje, se eu compro um filme do Paquistão que vou lançar em apenas uma copia, ele vai pagar na Ancine (Agência Nacional de Cinema) a mesma taxa por janela de exibição que um filme que for lançado em mais de mil salas. Nada, na realidade, é feito pelo cinema independente. É tudo contra, muitas taxas, complicações. Agora, se você me perguntar se eles são burros, se são de má-fé, eu não sei, só sei que isso é equivocado e preocupante.

 

CF: A ideia da criação do Reserva Cultural (complexo com quatro salas de cinema do qual é dono em São Paulo) veio da experiência que você tem como distribuidor?

JTB: Filosoficamente eu nem era um distribuidor, não sou um cara que entrou no mercado para ganhar dinheiro. Achava que o produtor, o distribuidor e o exibidor deveriam trabalhar em conjunto, mas infelizmente não foi assim que as coisas funcionaram. Chegou um ponto em que começaram a abrir todos esses multiplexes, e os filmes de arte passavam ou em cineclubes, ou em cinemas mal adaptados, que não traziam público.

Comecei a pesquisar e vi que as pessoas optavam pelos shoppings por eles terem segurança, estacionamento e opção de outras coisas que não o cinema. Então achei esse lugar aqui, que tem segurança e estacionamento. Fiz uma livraria com gosto eclético, um restaurante e uma boulangerie francesa no local, além das salas de cinema, e deu tão certo que estamos abertos há dez anos .

 

CF: Dos lançamentos futuros da Imovision, quais deles você mais destaca?

JTB: Espero muito do novo filme do Abdellatif Kechiche (Azul é a Cor Mais Quente), que ainda não foi filmado. Outro em que eu acredito é o novo do Gustavo Taretto, diretor de Medianeras, que eu já comprei e está acabando de ser filmado agora.

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