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Aprendi grande parte do que sei em curtas, diz a atriz Maeve Jinkings

21/08/14 às 09:00 Atualizado em 21/10/19 as 23:13
Aprendi grande parte do que sei em curtas, diz a atriz Maeve Jinkings

O reconhecimento trazido pelo multipremiado O Som ao Redor, filme de Kleber Mendonça Filho no qual interpretou a dona de casa Bia, serviu como impulso para a carreira da atriz Maeve Jinkings no cinema. O papel de uma cantora de música brega decadente em Amor, Plástico e Barulho, longa-metragem de Renata Pinheiro ainda inédito no circuito comercial, lhe rendeu no ano passado o prêmio de melhor atriz no Festival de Brasília. Em meio a uma agenda cheia, Maeve guarda um lugar especial para os trabalhos em curtas-metragens.

“Aprendi grande parte do que sei (em curtas-metragens)! Não me importa o formato. Se um projeto me seduz, vou querer fazer. Pode ser longa, curta, teatro, TV, radio, web… quem sabe? Quero fazer curtas sempre”, contou a atriz em entrevista por e-mail ao Cine Festivais.

Na 25ª edição do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, que ocorre entre os dias 20 e 31 de agosto de 2014, o público paulistano poderá conferir os trabalhos de Maeve Jinkings em três filmes do formato: Estátua!, de Gabriela Amaral Almeida; Loja de Répteis, de Pedro Severien; e Sem Coração, de Tião e Nara Normande. Neste último filme, Maeve fez uma pequena participação como atriz e estreou na função de preparadora de elenco.

Outra novidade na carreira da atriz é um diálogo mais intenso com filmes de gênero. “Tanto o Loja de Répteis quanto o Estátua! me cativaram especialmente pela possibilidade de trabalhar com alguns códigos dos filmes de horror, de terror psicológico. Adoro esses gêneros, que são pouco explorados no cinema nacional e podem servir de suporte para histórias mais densas do ponto de vista dramático”, explica.

Além dos trabalhos nestes curtas, Maeve Jinkings já gravou as suas participações nos longas-metragens Valeu Boi, de Gabriel Mascaro, e Açúcar, de Renata Pinheiro. Ela também realizou o trabalho de preparação de elenco para o filme Big Jato, de Cláudio Assis.

Leia a seguir a entrevista completa do Cine Festivais com Maeve Jinkings. A atriz fala, entre outras coisas, de sua relação com os curtas-metragens, dos desafios trazidos pela nova função e do trabalho que realizou com a preparadora de elenco Fátima Toledo para o filme de Gabriel Mascaro.

 

Cine Festivais: Em poucas palavras, e sem revelar muito sobre os filmes, você poderia explicar um pouco sobre a trama dos curtas Loja de Répteis, Estátua! e Sem Coração?

Maeve Jinkings: Loja de Répteis conta a historia de um casal em um momento de transição. Eles vivem de criar e vender répteis, e como pano de fundo há a necessidade de vender essa loja já decadente. O roteiro é do Pedro Severien, que também dirige, e foi inspirado num conto de sua autoria.

O curta Sem Coração é uma codireção de Nara Normande e Tião. O roteiro também foi escrito pelos dois, e narra a história de uma menina, filha de pescadores, que possui marca-passo e por isso é chamada de “sem coração” pelos meninos da praia. Há no filme uma mistura muito delicada entre amizade e abuso. Às vezes é difícil perceber o limite de um e de outro, entre prazer e violência. Especialmente na adolescência, quando se torna tão forte o olhar e aceitação do coletivo.

E finalmente Estátua!, escrito e dirigido por Gabriela Amaral Almeida, narra a relação de uma babá grávida, recém-chegada para trabalhar com uma família de mãe solteira e sua filha um tanto carente. O filme mergulha nos medos e carências dessas pessoas, do ponto de vista da babá.

 

CF: Que motivos a levaram a escolher trabalhar em cada um desses filmes?

MJ: Tanto o Loja de Répteis quanto o Estátua! me cativaram especialmente pela possibilidade de trabalhar com alguns códigos dos filmes de horror, de terror psicológico. Adoro esses gêneros, que são pouco explorados no cinema nacional e podem servir de suporte para histórias mais densas do ponto de vista dramático.

No Loja…, Pedro me trouxe várias referências de filmes de vampiros, filmes de terror B, foi bem divertido. Além disso, me atrai a possibilidade de experimentar algo novo, de tentar uma estética e linguagem não naturalista também.

Nesse sentido, acho que Estátua! ousa chegar às vezes próximo de uma atuação expressionista, conforme a narrativa vai se aprofundando na subjetividade da babá. Gabriela se inspira muito em pintura, e muitas vezes esse foi nosso alimento no set. Para mim é importante ter essa troca de referências com a direção, é o momento onde sinto que posso contribuir melhor, no sentido de corresponder à estética que cada um busca em seus filmes.

Com relação a Sem Coração, Nara e Tião me atraíram por razões diversas. Já conhecia o trabalho de ambos, que admiro muito, porém nessa codireção eles me chamaram para trabalhar como preparadora de elenco. Além disso, o roteiro era muito forte.

 

CF: O curta-metragem, quando bem realizado, não é apenas um outro formato, mas tem características de linguagem diferentes em relação ao longa. O que muda para a atriz acostumada a longas-metragens quando ela realiza um curta-metragem? Devido ao menor tempo em tela, a construção dramatúrgica é pensada de uma maneira diferente?

MJ: Sim, acho que a maior mudança me parece a necessidade de fazer toda uma curva dramática fazer sentido em um espaço de tempo muito menor. E isso pode ser bem mais difícil do que parece… Estátua!, por exemplo, é muito denso. Seria possível transformá-lo num longa ou num média, se a narrativa desenvolvesse certos pontos da história. Mas o curta se concentra num aspecto da história, num momento específico, e a proposta é essa, implodir esse pequeno e denso pedaço.

O tempo se torna tão subjetivo que já não importa quanto se passou no relógio… o tempo interno é outro, é superlativo. A força do formato é essa também. No caso desse filme, terminei as filmagens doente. Não fico feliz por ter adoecido, mas sei que foi fruto da exaustão de viver coisas tão fortes em tão pouco tempo. Parecia que tinha feito um longa… Não vi o filme pronto, mas fiquei muito feliz com o que conseguimos construir juntas.

 

CF: Você atua em Sem Coração ou só realizou a preparação de elenco?

MJ: Faço uma participação especial como atriz, a mãe de um dos personagens. Falei brincando com Nara e Tião que foi uma “participação afetiva”, já que minha relação com os atores terminou sendo extremamente maternal.

 

CF: O seu primeiro trabalho como preparadora de elenco foi para o filme Sem Coração? Como você se preparou para essa função? Como foi essa experiência?

MJ: Sim, foi minha primeira experiência como preparadora, e essa foi outra razão que me atraiu ao projeto. Não sabia por onde começar, como falar de sexo com crianças e adolescentes de uma cidade tão pequena. Mas tudo foi baseado numa enorme relação de confiança, de respeito pelo trabalho um do outro. E acredito que isso permitiu que tudo caminhasse de forma muito orgânica até o final.

Com Nara e Tião nossas dúvidas eram compartilhadas, assim como nossas impressões mais intuitivas. Eles foram muito generosos, muito abertos a minhas abordagens com os meninos, e estiveram presentes em praticamente todos os ensaios e conversas. Como era minha primeira preparação, e também o primeiro trabalho daqueles meninos (com o agravante de ter cenas de sexo), achei que faria sentido começar falando de nossos medos. Isso nos permitiria partir de um lugar comum: o ponto zero, o lugar onde não sabemos como agir, por mais experientes que sejamos.

Acho muito bonito isso no cinema, porque é uma construção completamente nova a cada trabalho, um novo universo a ser descoberto, uma nova equipe, e então nem sempre 2+2 serão 4. Isso é assustador. É comum pensar: “Meu Deus, esse filme eu não sei fazer!”.

Minha estratégia com os meninos foi permitir que eles soubessem que todos nós estávamos fazendo algo novo, e que ficassem à vontade pra usar a energia do medo, que é poderosa. Creio que isso é libertador e cria uma rede de confiança onde podemos ir mais fundo. A partir daí foram longas conversas sobre atuação e vida, sobre sexo, sobre as imagens que víamos na narrativa, e finalmente começamos a levantar cenas. No início eles tinham risos nervosos constantemente, depois foram naturalizando todo o universo do filme. Também me preocupei em discutir muito sobre ética na atuação, porque pensava em como se sentiriam depois que o filme terminasse. No dia em que terminamos as filmagens, alguns dos meninos tiveram crises de choro porque já não nos veríamos com frequência. Foi uma experiência fortíssima pra todos nós. Me tocou profundamente.

 

CF: Você pretende seguir realizando essa função em outros filmes (além do Big Jato)?

MJ: Confesso que isso nunca esteve em meus planos. Simplesmente aconteceu. Nara e Tião tiveram essa ideia e fiquei muito feliz por poder trabalhar com eles, porque sempre tivemos uma admiração mútua. O Big Jato de alguma forma está ligado a essa primeira experiência, porque Claudio Assis escolheu como protagonista o Rafael Nicaccio, mesmo protagonista de Sem Coração.

E além disso sou amiga de Cláudio, que também me chamou pra atuar no Big Jato. Porém, nesse caso o trabalho de preparação seria enorme, com um roteiro que exige ainda mais dos atores, e achei mais sensato me concentrar na preparação dos atores. Tivemos pouco tempo e muito trabalho, então precisei abrir mão de atuar. E foi outra bela experiência com os atores.

Depois que Sem Coração foi premiado em Cannes, recebi ainda outro convite para preparar atores num longa-metragem ao final de 2014, mas tive receio de que isso atrapalhasse um futuro trabalho como atriz, e recusei. Amo a experiência de preparar atores, me ensina muito sobre meu próprio oficio como atriz. Em Big Jato tive insights muito bons ensaiando com os meninos. Sinto que atuar como atriz é meu principal objetivo, mas sempre que me sentir chamada por outras funções, vou seguir meu coração. Uma das bênçãos nesse trabalho é que nós, atores, nos alimentamos da vida. Então, de certa forma, tudo pode agregar experiência, pode ser utilizado na abordagem de personagens.

 

CF: Você trabalhou com a preparadora de elenco Fátima Toledo durante a pré-produção do filme Valeu Boi, de Gabriel Mascaro. Qual é a sua opinião sobre o trabalho dela e de que modo a sua forma de realizar a função de preparadora de elenco se assemelha e/ou se diferencia da maneira da Fátima?

MJ: Tivemos quatro semanas de preparação, sendo que duas semanas foram com Fátima e outras duas com Marçal, seu assistente. Foi uma experiência muito forte, do tipo que altera pilares na vida. O talento dela para fazer um raio-x das pessoas é enorme, identificando sua potência e sua fragilidade. Falei para a Fátima ao final de tudo que primeiro a odiei profundamente, para depois sentir amor e ternura por ela. Fala-se muito da violência, que de fato há, mas acho importante dizer que ela também acessa pela amor. O que mais me conectou a ela foi sua paixão pelo trabalho, e principalmente  uma busca insana pela verdade de cada momento, a verdade das relações. E quando procuramos a verdade das relações, as coisas não ditas, isso me toca, e se transfere para a vida também.

Me vi procurando por essa verdade na vida, o que nem sempre acontece, e pode ser absurdamente doloroso. Como diz (o cineasta Federico) Fellini, um minuto de ficção pode ser mais verdadeiro que um minuto de suposta realidade. Mas também tenho criticas a seu método. Não acho necessário usar tanta força pra entrar na subjetividade dos atores. É um assunto complexo e não caberia aqui de forma adequada, sob o risco de ser leviana. Mas me vem uma imagem: como artista posso escolher expor meus porões mais obscuros, abrir portas antes emperradas e cheias de mofo. Isso dói, mas se um projeto me seduz, escolho fazê-lo voluntariamente, mesmo sabendo da dor. Mas ter essas portas abertas à força pode ser uma violência desnecessária, que esbarra em limites éticos.

Me recuso a subestimar os atores, sou um deles e sei o quanto posso me jogar nos meus precipícios. Nesse ponto, como preparadora, acho super importante ter acesso ao processo de escolha dos atores. Porque é possível identificar quando um ator parece mais disposto do que outro a se doar ao personagem. Creio que essa abertura pode ser acessada pelo preparador, mas não deve ser feita sem o consentimento do ator, ou melhor dizendo, o “convencimento” do ator. Ele precisa ser seduzido pra esse lugar onde será exposto.

Na minha opinião, também acontece muito de os atores serem escolhidos pelo diretor pelas razões erradas: o formato de um rosto, um tipo físico, sem, no entanto, saber reconhecer sinais mais sutis que apontam (ou não) para uma convergência de subjetividades entre ator/personagem. Daí só depois chamam um preparador para sacar dele uma boa atuação. Não vejo as coisas dessa forma. Mas também sei que há diretores que sabem identificar um bom ator, assim como há diretores que preparam muito bem seus próprios atores, enquanto outros chamam preparadores, mas ainda assim não se ausentam do processo de ensaios. Há vários caminhos.

 

CF: Pelo que eu pude ler, Estátua busca um diálogo com o gênero horror. Que tipo de desafios isso trouxe para o seu trabalho?

MJ: Sinto que precisei ir ainda mais fundo em meus medos, num grau mais profundo do que estava acostumada. Estamos falando de uma mulher que vê o horror no cotidiano, então precisei acessar isso em mim… num limite muito próximo da loucura. E isso, na verdade, é muito próximo do que entendemos como real, mais próximo do que gostaríamos. Investigar isso me interessa muito.

Gabriela é uma diretora extraordinariamente precisa e generosa, que faz questão de estar presente em todos os departamentos do filme. Com os atores, ela fez toda a preparação e sugeriu muitos exercícios. Tivemos conversas intermináveis sobre nossos maiores medos, e antes de filmar cada cena ela tinha cerca de 20 minutos de ensaio num quarto fechado apenas com os atores.

Quando chegávamos no set, tudo contribuía para nosso trabalho e concentração. Isso tudo para garantir um repertório denso, porque ela também exige que o ator esteja disponível para desenhar essas emoções em um corpo todo construído, a ponto de falar algo olhando numa direção, falar mais três palavras olhando em outro ponto e depois virar de lado e começar a tremer. É como bordar juntas, uma delicadissima renda de aço. Olhando para esses trabalhos, penso como é bobo as pessoas associarem curta-metragem com amadorismo. Um curta pode ser mais consistente que muitos longas.

 

CF: Quais aprendizados os trabalhos em curtas-metragens trouxeram para a sua carreira? Você pretende continuar trabalhando em curtas?

MJ: Aprendi grande parte do que sei! Não me importa o formato. Se um projeto me seduz, vou querer fazer. Pode ser longa, curta, teatro, TV, radio, web… quem sabe!? Quero fazer curtas sempre.

 

Conheça a programação de Estátua!, Loja de Répteis e Sem Coração no Festival de Curtas de São Paulo.

 

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