Últimas Conversas é antes de tudo um filme de impasses. O primeiro deles se verificou durante as filmagens e é exposto logo na primeira cena. Eduardo Coutinho não estava feliz com o andamento das entrevistas que realizava com estudantes do ensino médio do Rio de Janeiro; ele queria respostas menos óbvias e achava um erro ter escolhido adolescentes, e não crianças, para as conversas.
O segundo impasse é público e trágico: Coutinho foi assassinado pelo próprio filho em fevereiro de 2014, antes do início da montagem de seu novo longa-metragem. Coube então à sua habitual montadora Jordana Berg e ao cineasta e produtor João Moreira Salles a tarefa de finalizar o trabalho.
Também é possível levantar um terceiro impasse, que diz respeito à dinâmica das entrevistas. Começando por Jogo de Cena, um de seus grandes filmes, passando por As Canções e chegando a esse Últimas Conversas, a rotina foi a mesma: selecionados após uma pesquisa prévia, entrevistados se sentam em uma cadeira e conversam com Coutinho em um cenário simples (um teatro ou, no novo trabalho, uma sala de aula).
No entanto, graças ao segundo impasse citado, Coutinho ganhou espaço como um verdadeiro personagem na montagem final de seu último trabalho, algo que talvez só tenha acontecido antes em sua obra em Cabra Marcado Para Morrer. Assim, é no mínimo curioso ver o cineasta – que tantas vezes já se provou um ótimo entrevistador – questionando a sua própria capacidade de obter declarações interessantes dos adolescentes diante das câmeras, ao que uma membra da sua equipe replica com algo como “use as ‘armas’ que você sempre usou”.
É isso que Coutinho faz, e seria um exagero dizer que ele “perdeu a magia” como entrevistador. O último filme do cineasta traça um mosaico de uma parcela da juventude brasileira (notadamente a classe C) e aborda temas como religião, falência da educação tradicional, bullying, assédio sexual, racismo e amor. Tudo isso com a naturalidade e a sensibilidade típicas dos filmes do diretor. O choro, tão banalizado por abordagens sensacionalistas, retoma nos trabalhos de Coutinho um papel de desnudamento de nossos sentimentos mais profundos.
Avaliar a partir de Últimas Conversas até que ponto a “fórmula Coutinho” atingiu um ponto de saturação, contudo, seria entender errado o que Jordana Berg e João Moreira Salles propuseram com a montagem final. Não há ali a intenção de montar o filme do jeito que Coutinho gostaria, até porque isso jamais seria possível. Desde a primeira cena há a consciência de que havia um projeto que foi rompido (pelas dificuldades enunciadas pelo diretor e também pelo conhecimento prévio que o espectador tem de sua trágica morte). Este projeto inicial tem intersecções com o resultado final do que se vê em tela, mas certamente não é o filme.
Isto fica claro, por exemplo, na escolha por mostrar a cena que havia sido planejada como a que encerraria o projeto original e, em seguida, na opção por terminar o filme de outra maneira. Entre o término de mais um trabalho e o fim de uma obra derradeira há uma diferença grande. Por isso mesmo, o tom de homenagem prenunciado na sequência inicial ganha um desfecho que deixa as portas abertas para a crença no futuro e reforça o humanismo que sempre foi marca de Eduardo Coutinho.
Nota: 7,5/10 (Bom)
*Filme visto no 20º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários