Trago Comigo tem uma relação temática bastante óbvia com O Último Metrô, de François Truffaut. Os dois filmes tratam a arte (mais especificamente o teatro) como reduto da liberdade em meio à opressão, local de manutenção da memória. O francês mostra a preparação de uma peça judia durante a ocupação nazista de Paris; o brasileiro, uma peça dirigida nos tempos atuais por um exilado da ditadura militar.
A diferença está na abordagem mais social de Tata Amaral, ao invés da puramente artística de Truffaut. O foco aqui está na importância de se relembrar o passado, debatê-lo com as novas gerações e analisá-lo sob novas perspectivas. Seu filme, baseado na minissérie homônima produzida pela TV Cultura e SescTV em 2009, é relevante para o momento atual do Brasil, embora tenha certas falhas no texto e interpretações.
Nada a reclamar de Carlos Alberto Riccelli, o protagonista. Pelo contrário: ótima atuação como Telmo, ex-membro da luta armada contra a ditadura e diretor da peça a respeito de sua vida na clandestinidade. Um homem de olhos confusos, sempre obrigado a escavar a memória em busca de lembranças amargas da época de militância. Principalmente lembranças a respeito de um amor perdido nos labirintos das décadas.
Nem todos os atores mantêm o alto nível de Riccelli, no entanto. Alguns coadjuvantes essenciais para a trama parecem travados em diversas cenas, sem naturalidade – Georgina Castro é a mais inconstante, vivendo a namorada de Telmo. E a culpa disso também está nos diálogos: os ótimos insights ideológicos do roteiro de Thiago Dottori (como a breve discussão sobre a ausência de classes sociais mais baixas nos movimentos de resistência) se diluem em situações simplórias (forçar um estilo de fala oriundo da periferia em certo personagem).
Mas isso não diminui a relevância das discussões trazidas pela diretora. A mais interessante delas: qual a visão da juventude de hoje sobre o movimento armado durante os anos de chumbo? Vários dos jovens contratados por Telmo para a encenação o questionam sobre a contradição de se cometer atos como roubos e sequestros em prol da democracia.
O contraponto é mostrado a partir de depoimentos reais de pessoas perseguidas pelos militares, inseridos ao longo da trama. Ali está a realidade desnudada da falta de liberdade, da truculência, do autoritarismo. Difícil julgar à distância quem, como eles, escolheu o radicalismo durante uma era de radicalismos.
A principal virtude de Trago Comigo é levantar essas questões e deixar as respostas para o público. A lição que fica: deve-se sempre estudar o próprio país, buscar boas referências históricas. Não somente repetir o que se vê na mídia e internet. Em uma época como a atual, marcada por opiniões políticas e escolhas morais extremistas, Tata Amaral revela uma forma eficiente de se debater o Brasil.
Nota: 7,0/10 (Bom)