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Pelo Dinheiro, de Alejo Moguillansky

24/09/19 às 12:41 Atualizado em 18/10/19 as 00:21
Pelo Dinheiro, de Alejo Moguillansky

Uma tragédia em três atos: é como se autodenomina o mais recente filme da El Pampero Cine, produtora argentina homenageada na edição anterior da Mostra CineBH. Mas poderia se dizer: um documentário sobre a arte e o dinheiro. “Follow the money”, dizem os americanos em casos de investigação de estelionato ou corrupção; “O dinheiro tem cheiro”, diziam os romanos; “Que horror o dinheiro”, repetem os artistas quase mambembes de Alejo Moguillansky. Se podemos traçar uma rota do dinheiro para entendermos as relações nefastas do poder, talvez possamos seguir a trilha da falta de dinheiro para entendermos os caminhos da arte.

Pode parecer ingênuo dito deste modo, mas Moguillansky sabe muito bem do que trata quando apresenta seus personagens, com os nomes reais dos atores que os interpretam, buscando soluções estapafúrdias para bancar uma viagem a um festival de teatro ou lançando mão de estratégias de popularização do seu trabalho para ganhar um prêmio em dinheiro. Pelo Dinheiro entra na lista de filmes que falam de arte e indústria pela porta de emergência (que, não esqueçamos, muitas vezes não abre pelo lado de fora).

A trágica relação financeira entre arte e vida é aqui narrada pelo olhar de um grupo de teatro off, por meio de um filme off, que circulará em festivais e salas de cinema off, que com sorte pagará seus técnicos. Em seguida nos perguntamos: o que está in? A resposta: follow the money. A estrofe repetida como por um coro grego (“Que horror o dinheiro! Que horror o dinheiro! Que horror o dinheiro!”) guarda ironia e desespero; é real e metafórica; diz o que diz e diz o seu contrário. A peça de teatro homônima encenada no filme – que existiu e entrou em cartaz em 2013, com os mesmos atores e personagens – revela: vivemos o mundo narrado pelo dinheiro, talvez a maior ficção inventada pelo homem. Alejo Moguillansky e sua trupe transformam este absurdo em umas das melhores comédias dos últimos anos.

Se o tema soa trágico, sobretudo para quem vive ou tenta viver da arte na América Latina, a forma é cômica ao extremo. Impressiona a capacidade de Moguillansky, e de parte dos filmes da produtora de modo geral, de jogar com maestria com diversos tipos de humor em um só filme. Com piadas de nicho, como a do produtor desesperado que solta pelo rádio “até quando vamos fazer peças para ganhar tapinha nas costas de críticos malvados”; gags-trapalhões, como na cena de camarim em que ninguém se entende sobre o uso do walkie talkie; referências ao humor francês, como a dupla de policiais à lá Bruno Dumont ou a homenagem explícita a Asterix; Pelo Dinheiro nos arranca gargalhadas fáceis e sinceras. Nada do sorriso de canto de boca de quem “entendeu” a piada.

Este humor característico de uma certa produção Argentina contemporânea parece vir da relação íntima que este cinema estabeleceu com o teatro local. A participação ativa e criativa dos atores e atrizes com sua experiência de palco e de dramaturgia abre nestes filmes possibilidades de encenação surpreendentes. Se a relação cinema e teatro não é novidade, ela ganha um tratamento muito original nesta safra atual de filmes porteños. Partindo da ficcionalização do cotidiano dos atores e atrizes para falar de arte, política e sociedade através do humor e da autorreflexão, Pelo Dinheiro lembra muito em estrutura e atmosfera a segunda parte de La Flor (2018), de Mariano Llinás, que aqui assina a montagem. Assim como o colega de produtora, Alejo constrói com seus atores uma narrativa que ao mesmo tempo em que trabalha com códigos de gênero, aqui no caso a comédia, é livre para olhar para si mesma, se interrogar e se reinventar a qualquer momento. De fugitivos na Colômbia a náufragos em uma ilha, da comédia rasgada à lírica infantil, Pelo Dinheiro possui a liberdade e a inventividade de quem não tem nada a perder.

Leia também:

>>> Entrevista com Laura Citarella, da El Pampero Cine

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