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Ostinato, de Paula Gaitán

26/01/21 às 14:00 Atualizado em 01/03/21 as 14:20
Ostinato, de Paula Gaitán

“Posso falar?” Arrigo Barnabé ergue a cabeça rapidamente, antes acomodada entre os braços cruzados em cima do piano, e exclama a pergunta imperativa.  A partir daí se abre um novo bloco em Ostinato, filme de abertura da 24ª Mostra de Tiradentes, em que Paula Gaitán nos brinda com o material bruto do pensamento entrecruzado do músico e dela mesma. 

Ostinato é um motivo ou frase musical persistentemente repetido numa mesma altura. A ideia (ou pensamento, para Barnabé), quando repetida, pode ser um padrão rítmico, parte de uma melodia ou uma melodia completa. Diferença e repetição é o padrão musical e imagético que persegue quem retrata e quem é retratado. “É o ritmo que dá vida”, repete Barnabé. Mas o ritmo é dissonante, como é a cidade de São Paulo incorporada pelo músico. Ritmo com a imprecisão da liberdade, impossível de ser assoviado por ditadores, e que a cineasta explora às últimas consequências em Se Hace Camino al Andar, seu título mais recente exibido na mostra em sua homenagem.

Não parece ser por acaso que em seus dois filmes finalizados durante a pandemia Gaitán se expressa por meio de um padrão cotidiano: a sutil diferença que irrompe da repetição. Ritmo orgânico, que organiza debilmente o caos, sem higienizá-lo matematicamente. Uma leve alteração na montagem, no quadro, na ação, e… voilá! Estamos com outro filme em frente. Também não parece por acaso que esta experimentação de montagem venha na sequência de alguns documentários musicais que Gaitán realizou nos últimos anos, como É Rocha, É Rio, Negro Leo (2020), em que busca novos modos de se aproximar dos artistas e da música para além do documentário convencional, mas sem abrir mão do registro da fala do personagem e de seu caminho de pensamento. Em ambos os filmes a montagem se amalgama ao fluxo do artista. Se em É Rocha, É Rio… os planos se sucedem em ritmo de rio corrente, apesar dos afluentes e desvios, em Ostinato é a série dissonante de Barnabé que divide o filme em dois: um documentário de entrevista e outro uma entrevista ensaística. Parafraseando a sentença lendária: a primeira vida é pra valer, a segunda é pra ensaiar. 

Também ambos documentários musicais estão cada um a seu modo impregnados de São Paulo. Em Ostinato, a capital está dentro e fora de Arrigo. A cidade noturna, com seus personagens que teimam em estar fora num tempo em que todos querem estar dentro, espia o piano erudito pela janela aberta. É ela a dissonância no corpo de Arrigo. É ela que impede a valsa de tomar seu rumo confortável, elegante. É a noite urbana que rasga o maestro por dentro, como rasgou os poetas da paulicéia desvairada, e que Gaitán homenageia por meio de uma janela aberta, um olhar carinhoso, distanciado, levemente nostálgico. Olhar que Barnabé joga para o alto, em meio ao burburinho diurno, como que procurando a sua cidade. A sinfonia de São Paulo não é mais a dos irmãos Campos, mas há algo que se repete, com uma sutil diferença, nas vísceras dos artistas. 

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