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Exibido em Tiradentes, filme paulista faz radiografia do setor imobiliário

01/03/16 às 19:59 Atualizado em 01/03/16 as 20:16
Exibido em Tiradentes, filme paulista faz radiografia do setor imobiliário

Seja falando de estacionamentos (E), de um complexo residencial e comercial (O Castelo) ou de um enorme templo religioso (Salomão), os filmes do diretor paulista Miguel Antunes Ramos sempre abarcaram questões ligadas ao funcionamento urbano. Em seu primeiro longa-metragem – o documentário Banco Imobiliário, que fez a sua estreia na seção competitiva da 19ª Mostra de Cinema de Tiradentes em janeiro -, Miguel manteve esta preocupação temática ao escolher como foco a cadeia produtiva do mercado imobiliário.

Sem a rigidez formal dos trabalhos anteriores, que foram realizados sempre em codireção, o primeiro projeto solo do cineasta traz entrevistas com profissionais do meio (engenheiros, corretores, compradores, especialistas em marketing) e busca fazer uma radiografia interna daquele cenário, sem recorrer a vozes críticas às dicotomias da especulação imobiliária.

“Existem muitos discursos críticos sobre o mercado imobiliário, e a gente obviamente concorda, mas ao mesmo tempo eu não conseguia ver isso como um filme, porque daí eu me sentiria muito filmando uma coisa que eu concordo. O filme parte de uma ideia de chegar nesse lugar a partir de um olhar um pouco mais de perto. A ideia era que a coisa se revelasse um pouco mais sozinha”, conta o diretor.

No vídeo abaixo, realizado em parceria com a produtora Babuíno Filmes, você pode ver as principais falas da entrevista com Miguel Antunes Ramos. Se preferir ler o que o diretor disse, transcrevemos abaixo a entrevista na íntegra.

 

 

CF: Em uma cena você pergunta a um personagem do documentário “o que é a cidade?”. Em que medida essa é uma questão que permeia todos os seus filmes?

MAR: Acho que permeia, mas ao mesmo tempo essa é uma questão que não tem muito uma resposta, né? É um monte de coisas. No E, por exemplo, a gente estava filmando estacionamentos, o que a gente percebeu que era também filmar um certo estado jurídico de imóveis parados que viram estacionamento, o que faz parte da dinâmica da cidade.

Acho que talvez mais do que uma resposta grande e complexa sobre o que é uma cidade, a questão é que a cidade é também um negócio, há muito tempo e principalmente. Então acho que o que a gente está filmando é meio esse processo de a cidade virar um negócio, como que isso se dá.

 

CF: Seus filmes passam a impressão de mostrar uma São Paulo diferente daquela que costumamos ver nas telas. Como isso é uma preocupação para você?

MAR: Acho que tem um imaginário clássico do cinema paulista que é de fato um pouco antigo, que é filmar o centro, um olhar de São Paulo como uma máquina que nunca dorme, que vem um pouco dos anos 70. Hoje em dia faz muito tempo que São Paulo não é o centro; a São Paulo que se constrói é a Berrini, o mundo empresarial, a Água Espraiada, Faria Lima, esse mundo onde é a fronteira do mercado imobiliário e onde está um pouco mais essa violência do funcionamento do mercado como um todo.

Até hoje você vê filmes com pessoas que vão para São Paulo, andam de táxi e veem o centro. Isso é um pouco antigo, é quase um cartão-postal. Eu tenho a sensação que a cidade real está em outros lugares como embate.

 

CF: De que maneira você sente que há uma organicidade na sua obra de curtas e nesse longa com relação a preocupações temáticas e estéticas? Você pretende seguir nessa toada de alguma maneira?

MAR: Eu acho que um filme vai puxando o outro. Organicidade tem, os assuntos convergem, acaba que uma coisa foi levando à outra. Em relação a seguir nessa toada eu não sei. Por um lado acho que estou agora decantando esse filme para entender por onde caminhar. É difícil dizer agora para onde aponta, acho que preciso um pouco mais de tempo para saber.

 

CF: Gostaria que você falasse sobre como lida com entrevistas nos seus filmes. No E elas aparecem em voz off; n’O Castelo você falou que fez entrevistas, mas decidiu não utilizá-las; e agora tem o Banco Imobiliário, em que as entrevistas são mais numerosas e o entrevistador pode ser ouvido em alguns momentos…

MAR: Acho que no E a entrevista era muito pontual, a gente queria uma coisa muito específica. N’O Castelo a entrevista deu errado. O filme de entrevistas de fato é o Banco Imobiliário. Acho que as entrevistas partem… Tem um certo interesse. Sei lá, quando a gente fala com o cara do marketing. Por um lado é um pouco absurdo aquilo tudo, mas também tem um interesse verdadeiro em fazer a entrevista, por exemplo em saber como se escolhe o nome de um prédio. A gente vê que os nomes são todos iguais, mas esse cara pensou o nome. Como ele pensou, por que pensou? Então eu acho que fazer a entrevista parte de um interesse por saber aquilo, por ver como isso se dá.

 

CF: E a questão de colocar a sua voz dentro do filme?

MAR: Eu estava sempre tentando filmar mais fora do que eu mesmo. A princípio eu não apareço muito no filme, mas a minha voz é meio natural para a entrevista ser fluida. Eu não fiz questão de usar a minha voz no filme, pelo contrário, mas às vezes é inevitável, porque a gente usou um trecho longo e aí para entender tem que ter a minha pergunta.

 

CF: O que mudou no processo de concepção desse filme sendo que ele não é codirigido como os outros foram?

MAR: Difícil dizer, né? Ele não é codirigido, mas uma parte da equipe dos outros filmes está nesse também. O Alexandre (Wahrhaftig ) fez a fotografia, o Guilherme (Giufrida) fez a pesquisa, então tem ali parcerias que caminham no mesmo sentido. Acho que quando você está dirigindo com mais pessoas a decisão é dividida. Às vezes você quer ir por aqui, o outro quer ir por ali, e quando você está dirigindo sozinho não, você vai um pouco mais intuitivamente. Quando a gente está junto preciso argumentar mais, defender mais sua ideia.

 

CF: Em que momento você começou a idealizar Banco Imobiliário e como os processos dos curtas se misturam com a feitura do longa?

MAR: O interesse do A Era de Ouro veio muito daquela parte em que o cara fala que pega um boteco, faz virar uma coisa mais chic e vende. Quando ouvi isso, surgiu um interesse. Ali havia um processo, que a gente chama de gourmetização no caso do A Era de Ouro, e você vê que tem alguém que age para aquilo acontecer. Acho que o Banco Imobiliário tem a ver com isso: a gente vê o prédio, mas quem faz o prédio? É um pouco neste sentido, há um interesse comum.

Acho que a ideia inicial deve ter surgido em 2013 mais ou menos. O Castelo é um projeto mais antigo que a gente não tinha conseguido fazer, sobre um lugar específico (o complexo Cidade Jardim). No Banco não focamos em um lugar e tentamos entender esse processo de uma forma mais ampla.

 

CF: Em algum momento você pensou em entrevistar alguém que problematizasse a questão da especulação imobiliária?

MAR: Não. Existem muitos discursos críticos sobre o mercado imobiliário, e a gente obviamente concorda, mas ao mesmo tempo eu não conseguia ver isso como um filme, porque daí eu me sentiria muito filmando uma coisa que eu concordo, alguém falando que o mercado imobiliário é violento. Sinto que isso, como filme, não me traria nada. O filme parte de uma ideia de chegar nesse lugar a partir de um olhar um pouco mais de perto. A ideia era que a coisa se revelasse um pouco mais sozinha.

 

CF: Como você pensou durante as entrevistas e na montagem essa questão de ficar sempre perigando entre a exposição e o ridículo dos personagens?

MAR: A gente sempre teve uma preocupação em não se rir das pessoas. Não interessava para a gente agir no sentido de que “essa pessoa é ridícula”, o que interessa é a atividade. Quando há um certo ridículo, como na cena do apartamento de 18 m², é um ridículo daquela atividade e um absurdo de se fazer isso. A gente sempre fugia de uma coisa moral, tentamos filmar com certa dignidade uma atividade econômica que é complexa, violenta, ridícula, mas a atividade, não as pessoas.

 

CF: O quanto você se surpreendeu com o projeto, o quanto ele provocou reflexões?

MAR: Acho que a gente sempre se surpreende. Fazer documentário é você ter uma ideia e ir batê-la com o real para ver o que acontece. Nesse sentido surpreende bastante. A gente ficou muito tempo montando, então fomos para um caminho, não estava funcionando, tentamos outra coisa. Até achar e entender o que seria o filme demorou muito tempo, teve um monte de surpresas e curvas no caminho.

 

CF: Você disse que a montagem de seus filmes costuma durar um longo tempo, e que é só nela que “encontra” o filme que fez. É claro que a montagem sempre tem importância, mas você acha que ela ganha uma importância a mais no tipo de cinema que você faz?

MAR: Talvez. Acho que a montagem sempre tem muita importância em qualquer documentário. Ficção é diferente porque afinal você tem o roteiro, tem a decupagem, lógico que a montagem é muito importante, mas tem filmes que são fieis à decupagem original. O próprio A Era de Ouro não mudou tanto na montagem. Tem questões A ou B, mas é mais ou menos aquilo que a gente filmou mesmo. Mas documentário sempre tem, né, porque são poucos filmes que vão filmar sabendo o que vão encontrar.

No caso específico do A Era de Ouro a gente não tinha roteiro, então a montagem foi tudo. A gente primeiro assistiu a todo material e aí fez o roteiro, a gente realmente não sabia que filme seria. O E tinha mais roteiro, a gente montou o roteiro que filmamos e não deu muito certo, tinha uma narração o filme todo que estava ruim, e aí fomos mexendo no filme durante a montagem. Mas acho que documentário sempre tem muita montagem… e no Banco Imobiliário de fato a gente não tinha roteiro.

 

CF: Como você diferencia Banco Imobiliário de seus curtas?

MAR: Acho que é um filme mais focado nas pessoas, mais solto. O E é um filme que não tem nenhuma pessoa e só tem quadros fixos, O Castelo também. Eu acho que nesse filme a câmera está solta, a situação de gravação é mais fluida, perdida, de alguma forma. Acho que essa é uma diferença grande. Os outros filmes são mais controlados, nesse a gente foi ver o que encontrávamos.

 

CF: Um dos personagens do seu filme me lembrou fisicamente o ex-prefeito Kassab. Queria aproveitar essa curiosidade para falar um pouco sobre essa questão de diferentes concepções de cidade, já que estamos entrando em um ano eleitoral.

MAR: Quando se fala de eleição você está dizendo que há um projeto de cidade que tem a ver com o Plano Diretor, com algumas mudanças que a prefeitura (de São Paulo) está tentando construir, que tem gente que é contra. Acho que isso tem interesse e pode ser discutido, mas tentamos filmar um processo que independe disso.

Nenhum Plano Diretor conteria a ação do mercado imobiliário, e eu acho que o que o (Fernando) Haddad está propondo também não é oposto ao mercado imobiliário, muito pelo contrário.

Acho que no fundo é um processo econômico, é uma coisa que acho maior do que algo eleitoral. Se uma eleição pudesse resolver isso seria muito mais fácil. O que está em debate é mais superficial, eu acho, em relação ao tamanho da mudança que o mercado (imobiliário) causa nas cidades.

 

CF: Você já estava aqui apresentando curtas, mas esse é o primeiro longa seu, e ele está participando da Mostra Aurora. Como tem sentido essa mudança?

MAR: Já vim outras vezes com curtas, mas nunca tinha ficado tão de olho nos longas. Fiquei meio impressionado com a Mostra Aurora, porque acho que os filmes têm realmente muito a ver. O Aracati tem tudo a ver com o filme dos índios, o Taego Awa. Tem o nosso, o do Lincoln (Péricles), do Thiago (B. Mendonça).

Eu nunca tinha experienciado isso… o festival como uma experiência estética, porque acho que os filmes realmente têm um vínculo, e eu achei isso bem louco. Também não estava com longas nas outras vezes, não saberia dizer, mas tenho impressão que em geral é mais variado, tem uns filmes mais para cá e outros para lá, uns melhores e outros piores, mas eu achei que nesse ano realmente os filmes dialogam, e isso é interessante.

 

CF: Como você situa Tiradentes no cenário do festivais brasileiros, e quais eventos chamam a sua atenção?

MAR: Acho que tem uma série de festivais que dialogam com um tipo de cinema e são interessantes. Tem a Semana dos Realizadores no Rio, o Janela no Recife. Tem outros festivais que eu nunca fui, mas que dizem que são interessantes, tipo o Festival de Vitória, o Olhar de Cinema em Curitiba.

Acho que o que Tiradentes tem de único, além da curadoria, primeiro é que é um festival que realmente tem debate, e acho que isso muda muita coisa. Não é aquela coisa de ver o filme e falar cinco minutos. A gente ficou uma hora e meia debatendo, e isso é uma coisa rara.

E o fato de ser em uma cidade pequena muda tudo também, porque você encontra a pessoa aqui e ali, tem uma coisa de experienciar mesmo. É muito diferente de você estar no Rio, onde você vai pro cinema e depois cada um vai para um bairro e se encontra de noite no dia seguinte. Aqui você vai almoçar, encontra a pessoa ali… festival em cidade pequena é uma coisa que acho que faz muito sentido como vivência.

 

Veja também:

>>> Entrevista com Thiago B. Mendonça

>>> Cobertura da 19ª Mostra de Tiradentes

>>> Entrevista sobre o curta O Castelo

>>> Entrevista sobre o curta E

 

*Banco Imobiliário será exibido na Mostra Tiradentes SP, que acontece no CineSesc, em São Paulo, de 17 a 23 de março

 

** O repórter viajou a convite da 19ª Mostra de Tiradentes

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