São raros os planos de Malícia, filme de Jimi Figueiredo, em que é possível notar alguma elaboração na decupagem. O trabalho se desenvolve predominantemente em planos e contraplanos fechados nos personagens, com variações eventuais para planos-detalhe de corpos ou objetos de cena. Tal estética é limitadora neste contexto, pois propicia o aparecimento de muitos diálogos expositivos e traz uma responsabilidade que roteiro e elenco não são capazes de assumir.
Entre os elementos apresentados pelo longa, não faltariam problematizações interessantes a serem desenvolvidas de modo cinematográfico. Construído em volta de dois núcleos de personagens que aos poucos se interligam, o filme apresenta em um deles o casal interpretado pelos atores Vivianne Pasmanter e João Baldasserini, que vive um momento de turbulência financeira e pretende se livrar de suas dívidas de forma ilegal. A propina é reduzida no trabalho a um recurso sem qualquer particularidade, uma “escada” narrativa que poderia ser trocada por qualquer outra coisa que pudesse ser utilizada para o espiral de revelação rumo ao qual o roteiro pretende seguir.
No outro núcleo de personagens, um tema dos mais atuais e que guarda íntima ligação com questões audiovisuais também é reduzido a um elemento funcional do roteiro. O personagem de Sérgio Sartório espiona a vida do casal Pasmanter-Baldasserini através de uma webcam e planeja um golpe. Em apenas um momento o plano com o ponto de vista da câmera do computador é mais elaborado (em uma briga envolvendo a dupla). Para além disso, não se nota nenhuma tentativa de elaboração sobre relacionamentos virtuais ou sobre os impactos da virtualidade na realidade; uma vez mais, utiliza-se este recurso tão somente como elo dos conflitos narrativos que virão a ser apresentados.
Acrescenta-se a isso a personagem de Marisol Ribeiro, que vive um relacionamento evidentemente abusivo com o personagem de Sartório, algo que jamais é problematizado pelo filme. Quando o roteiro abre um canal de fuga possível, a personagem simplesmente desaparece, sem que haja sequer um plano rápido para retratar esse momento de afirmação pessoal. Por outro lado, o comportamento doentio do homem se encaixa no “roteiro funcional” e ganha justificativa na traição sofrida por ele anteriormente.
Tudo no filme está marcado por esta mesma lógica, que tem como grande objetivo atingir reviravoltas que surpreendam o espectador na parte final. Acontece que não só a frágil construção anterior prejudica este desejo, como também os próprios momentos-chave da trama são resolvidos de maneira apressada e pouco impactante, deixando a nítida impressão de que nem mesmo o desfecho traz algum norte para a obra.
*Filme visto no 49º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro