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Legitimação do digital é o principal legado do Dogma 95, diz curador de mostra

02/09/15 às 17:18 Atualizado em 20/11/19 as 15:11
Legitimação do digital é o principal legado do Dogma 95, diz curador de mostra

Além de marcos inaugurais do Dogma 95, os filmes Festa de Família, de Thomas Vinterberg, e Os Idiotas, de Lars Von Trier, se tornaram exemplos da possibilidade de trabalhos realizados com câmeras de vídeo serem reconhecidos no meio cinematográfico. Hoje uma realidade, a predominância da tecnologia digital na captação, edição e exibição de filmes era tida como pouco provável na primeira metade dos anos 90, pois estava associada a trabalhos caseiros e amadores.

“O Dogma 95 teve papel fundamental na legitimação do uso do digital no cinema, e este, na minha visão, é o maior legado que ele deixou”, diz Júlio Bezerra, responsável pela curadoria da mostra Dogma 95, que acontece no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo entre os dias 2 e 14 de setembro (conheça a programação completa).

Capitaneado por Von Trier e Vinterberg, que diziam buscar um cinema mais realista e menos comercial, o Dogma teve início com a criação de um manifesto que trazia dez mandamentos que deveriam ser seguidos por quem quisesse aderir ao movimento. Entre as exigências estavam o uso de câmera na mão, a ausência de trilha sonora, a proibição de truques de luz e filtros na lente e o veto a filmagens em estúdios.

“As regras eram muito mais uma provocação, uma chamada para testar coisas diferentes, do que realmente uma coisa religiosa a ser seguida para todo o sempre”, avalia Bezerra, lembrando que trabalhos reconhecidos pelo próprio Dogma 95 deixaram de seguir algumas exigências, e que até cineastas que criaram o movimento, como Lars Von Trier, abandonaram tais princípios nos filmes posteriores.

Além de filmes dos expoentes do movimento, a mostra no CCBB apresenta trabalhos de países como Argentina, EUA e Inglaterra. Também está na programação um debate com os críticos Filipe Furtado e Fernando Oriente, nesta quinta-feira (3), às 20h, sobre os 20 anos do Dogma 95.

Em entrevista ao Cine Festivais, o curador Júlio Bezerra fez um balanço sobre o legado deixado pelo movimento e falou sobre os destaques da mostra em São Paulo.

 

Cine Festivais: Qual foi o contexto do surgimento do Dogma 95?

Júlio Bezerra: No início dos anos 90 o digital era visto com muitas ressalvas pelo pessoal do cinema, tanto na indústria, quanto no dito cinema de arte. A tecnologia ainda era precária e associada a filmes caseiros e amadores. O Dogma 95 teve papel fundamental na legitimação do uso do digital no cinema, e este, na minha visão, é o maior legado que ele deixou.

Filmes como Festa de Família, Os Idiotas e vários outros fizeram sucesso pelo mundo e mostraram que era possível fazer cinema com tecnologia digital, o que significava produções mais baratas e rápidas, feitas com uma infraestrutura menor e com câmeras mais ágeis.

Além disso, havia naquela época uma dificuldade de produção graças à hegemonia do cinema industrial norte-americano. Lars Von Trier, grande mentor do Dogma, impôs a si mesmo esse desafio de realizar um outro tipo de cinema, mais despojado, rápido e barato.

Trier e Thomas Vinterberg, que naquele momento ainda era estudante de cinema, compuseram o manifesto do Dogma e começaram a fazer filmes que se baseavam nele. Depois a dupla foi angariando diversos outros cineastas dentro e fora da Dinamarca para o movimento.

 

CF: Você acha correto tratar o Dogma 95 como um movimento cinematográfico? 

JB: Realmente não sei se “movimento” é o termo mais adequado; a gente acaba utilizando por falta de outro melhor.

Além do manifesto do Dogma 95, não podemos nos esquecer de que ele foi acompanhado de “dez mandamentos”. A existência de regras que os cineastas tinham que obedecer para pertencer a um determinado grupo era inédita na história do cinema.

O curioso é que, quando observamos bem, a grande maioria dos filmes do Dogma 95 não respeita todas as regras exigidas. Talvez só os dois primeiros (Festa de Família, de Thomas Vinterberg, e Os Idiotas, de Lars Von Trier) sigam os critérios rigorosamente.

 

CF: O que os mandamentos trouxeram de inovador para os filmes do Dogma 95 e para a carreira desses cineastas?

JB: É difícil dizer. Muitas das regras impostas, como a proibição da trilha sonora, de luz artificial e de cenários, tinham um prazo de validade. Era muito claro, já naquela época, que em algum momento esses cineastas seriam obrigados a quebrar regras, e isso aconteceu bastante.

Você não consegue imaginar um filme mais contrário às ideias do Dogma 95 do que um musical, e foi isso que o Lars Von Trier foi fazer no filme seguinte a Os Idiotas, chamado Dançando no Escuro.

As regras eram muito mais uma provocação, uma chamada para testar coisas diferentes, do que realmente uma coisa religiosa a ser seguida para todo o sempre.

 

CF: Além da internacionalização do Dogma 95, houve um processo de internacionalização dos expoentes desta corrente. Neste sentido, como você analisa a trajetória posterior dos dinamarqueses Thomas Vinterberg, Lars Von Trier e Susanne Bier?

JB: Destes três, me parece que o Thomas Vinterberg foi o que mais sofreu com a ida a Hollywood. Festa de Família fez muito sucesso, mais até que Os Idiotas, do Von Trier, mas depois que foi trabalhar nos EUA ele não conseguiu emplacar algo do mesmo nível. Um reconhecimento parecido de público e crítica só foi alcançado pelo Vinterberg mais uma vez no recente A Caça, mais de dez anos depois.

O Von Trier é um caso particular e excepcional. Ele já vinha adquirindo esta internacionalização antes do Dogma 95; a grande maioria de seus filmes sempre foi falada em inglês. Ondas do Destino, filme anterior a Os Idiotas, foi filmado na Escócia, por exemplo.

E a Susanne Bier talvez tenha sido a que mais seguiu a carreira internacional. Ela já ganhou um Oscar (por Um Mundo Melhor) e é hoje uma das mais famosas cineastas mulheres do mundo.

 

CF: A ideia de que o Dogma 95 foi uma iniciativa marqueteira está intimamente ligada ao lado provocador do Lars Von Trier? 

JB: Lars Von Trier é um cara que sabe promover seus filmes; quando há uma entrevista coletiva, você já sabe que ele vai dizer alguma atrocidade ou fazer uma provocação. As polêmicas que ele gera são sempre feitas de maneira consciente, justamente para provocar esse bafafá todo, e essa coisa irônica está presente desde o início do Dogma.

Em 1995, Von Trier foi convidado para falar em um evento comemorativo aos 100 anos do cinema, em Paris. Na sua fala, diante de outros cineastas, ele leu o manifesto do Dogma 95 e jogou panfletos com as regras para o alto. Isso provocou perguntas dos jornalistas, mas ele disse que não estava autorizado pelo movimento a dar qualquer entrevista. O detalhe é que, naquele momento, o “movimento” era formado só por ele e pelo Vinterberg.

 

CF: Que linha seguiu a curadoria na escolha dos filmes dinamarqueses e não dinamarqueses da mostra sobre o Dogma 95 no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo?

JB: Sempre quisemos desconstruir essa ideia do Dogma como algo somente dinamarquês. Para mim, dois dos filmes mais legais da mostra vêm desse recorte de fora: o americano Julien Donkey Boy, de Harmony Korine, e o argentino Fuckland, de José Luis Marques.

Além disso, pensamos em ir além dos filmes do Dogma 95 e mostrar outros filmes dos principais cineastas do movimento, para podermos acompanhar a trajetória de suas carreiras. Por isso escolhemos três filmes do Von Trier e três filmes do Vinterberg, além de dois da Susanne Bier.

 

Serviço

Mostra Dogma 95

Data: De 2 a 14 de setembro de 2015

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo – SP)

Ingressos: R$ 4 (inteira) e R$ 2 (meia entrada)

Telefone: (11) 3113-3651/3652

Site: http://culturabancodobrasil.com.br/portal/dogma-95-4/

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