Em um almoço entre amigos, Christian Koeberl, diretor do Museu da História Natural de Viena, e o cineasta americano James Benning engataram uma conversa sobre meteoritos que culminou em uma visita de horas aos arquivos do museu. A experiência seduziu Benning a fazer ali um “filme de paisagem”. O resultado foi o documentário História Natural, uma sucessão de 54 planos estáticos retratando ambientes internos do museu ou suas peças, em geral animais empalhados, esculturas e carcaças.
Pode partir daí, da reflexão sobre a informação contida nas cenas, sobre a escolha do que mostrar, o primeiro passo no jogo de significados que uma proposta tão radical pode trazer. A princípio, não são só os planos que são paralisados, o objeto do enquadramento geralmente também é algo imóvel, como um orangotango empalhado ou esqueletos de mariposa.
Há também um nicho temático dando conta dos bastidores do museu: corredores, trechos de tubulação, quinas estranhas, laterais com portas (fechadas ou abertas). Fora um ou dois corpos que passam rapidamente de um lado para outro do quadro, não há humanos, mas sim indícios deles (aventais, instrumentos de trabalho, os ruídos da maquinaria ou um telefone que toca sem que ninguém atenda).
Seriam os ambientes tão mortos quanto os bichos empalhados? Dar o protagonismo de um plano longo tanto para um belíssimo lobo aveludado quanto para um ventilador empoeirado é questionar o estatuto de obra de arte? A ausência de pessoas, mas a clareza dos vestígios, é uma crítica ao sistema trabalhista – pouco humano – dessas instituições? São várias as questões que podem ser erguidas, além de um olhar amplo que talvez constate a variedade no tom dos planos: em alguns há beleza, em outros melancolia, em outros tantos mistério, afronta, medo, clausura, paz.
O principal efeito de História Natural no espectador imerso, porém, deve ser a calibragem distinta do tempo cinematográfico. Ao deixar que alguns planos durem muito e outros sejam bem curtos, Benning não só nos instiga sobre o porquê da hierarquia como também joga com nossa percepção temporal. A letargia não canta vitória; somos surpreendidos justo nos momentos em que parecia que tínhamos nos adaptado à duração de uma imagem.
Propostas estéticas como a de Benning costumam ter recepção controversa porque o que se está experimentando nesse tipo de cinema são alterações estruturais, calcadas na manipulação corajosa dos fundamentos (som e imagem) de uma obra audiovisual. É de se esperar que um filme como esse esvazie 2/3 da sala de cinema em seus primeiros 15 minutos, mas a radicalidade e o deslocamento são os motores de qualquer movimento artístico e devem sempre ser alvo de celebração quando resultam em obras expressivas como essa.
Nota: 9,0/10 (Excelente)
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* Filme visto na 9ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte