O processo de realização de dois documentários, um deles prestes a ser lançado (Operações de Garantia da Lei e da Ordem, de Júlia Murat em co-direção com Miguel Antunes Ramos) e outro ainda em estágio inicial de montagem (Excelentíssimos, de Douglas Duarte), serviu como ponto de partida para o debate “Cinema de Urgência: métodos, impasses, intervenções”. Ocorrido na manhã de sexta (25), no Cine Humberto Mauro, o encontro problematizou a temática escolhida pelos curadores da 11ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte.
Além dos cineastas Douglas Duarte e Miguel Antunes Ramos, a conversa contou com a participação da pesquisadora e curadora Paula Kimo e dos curadores e críticos Francis Vogner do Reis e Pedro Butcher.
O cenário político em ebulição desde as Jornadas de Junho de 2013 gerou uma série de filmes e outras formas de produção audiovisual que retrataram o assunto. Para Francis Vogner, já é possível notar uma diferença entre os filmes lançados no calor daquele momento e as obras que têm sido desenvolvidas a partir do impeachment de Dilma Rousseff. “O que fica dos filmes realizados em 2013 e 2014 é uma impressão de que faltou perspectiva. Acho que às vezes é necessário passar um certo tempo para poder olhar aquilo do ponto de vista de um pequeno processo histórico. Isso cria uma diferença fundamental para esses filmes realizados mais recentemente”, analisa.
No caso de Douglas Duarte, o acaso histórico modificou os rumos do projeto, que ele ainda não sabe que rumo vai seguir na montagem. A ideia inicial, que não vingou, era retratar pessoas radicais tanto à esquerda quanto à direita do espectro político-ideológico. Oito anos depois, o foco passou a ser o cotidiano do Congresso Nacional, mas a abertura do processo de impeachment pelo então deputado Eduardo Cunha ampliou naturalmente o escopo da produção. “Mudamos completamente os nossos planos. Íamos ficar algumas semanas em Brasília, mas ficamos por vários meses, até o fim do impeachment”, contou ele. Douglas prepara um documentário sobre o período, mas ainda está em crise no trato com seu próprio material. Ele não descarta, por exemplo, fazer mais de um filme com as cerca de 200 horas de material filmado.
No documentário que Miguel Antunes Ramos está realizando junto com a carioca Julia Murat, não houve uma produção própria de imagens, mas sim uma concatenação de centenas de horas de material para uma montagem que faz paralelos entre vários tipos de mídia – da TV Globo às filmagens por celular espalhadas nas redes sociais. A tentativa é “ligar pontos que não estão dados” na relação entre as manifestações e os acontecimentos políticos recentes. Segundo Miguel, o desafio maior é fugir da mera discursividade típica dos textões do Facebook e alcançar imagens e sons que atinjam uma concretude/materialidade única.
A ideia de Cinema de Urgência foi trazida no debate não apenas com relação à política institucional, mas também aos movimentos sociais. Douglas contou que está produzindo um filme sobre o Movimento dos Sem-Terra no estado de Goiás, e que uma das questões que tem enfrentado é a necessidade de preservar o anonimato dos retratados, que podem correr risco de morte caso tenham os rostos divulgados.
Já a pesquisadora Paula Kimo falou sobre o curta-metragem Na Missão, Com Kadu, que retrata um líder do movimento por moradia em Belo Horizonte que foi assassinado meses depois das filmagens. Paula destacou as complexidades formais trazidas pelo filme. “Eu chamo ele de filme em regime de urgência, porque existe um corpo-câmera que se mistura com o material registrado. A pessoa que filma é parte do acontecimento, e ela usa a câmera como arma de militância”, destacou.
*O repórter viajou a convite do festival