O cineasta Terence Keller não entende direito como um filme “simples e despretensioso” pode ter participado de tantos festivais no Brasil e no exterior. Pode até ser que os adjetivos utilizados pelo cineasta façam sentido, mas isso não diminui a qualidade do curta-metragem A que Deve a Honra da Ilustre Visita Este Simples Marquês?, dirigido por Keller em parceria com Rafael Urban.
O longuíssimo título faz referência ao modo com que Max Conradt Jr., senhor retratado no filme, recebe as visitas que vão à sua casa. Max é um colecionador contumaz de livros, pinturas, revistas e outros objetos, muitos deles ligados à história do estado do Paraná, uma de suas principais preocupações.
O filme estreou no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro do ano passado e saiu de lá com três prêmios (melhor filme pela crítica, melhor direção e aquisição Canal Brasil). Desde então, o curta-metragem circulou por festivais do Brasil e do exterior – como Roterdã (Holanda), Marselha (França) e Vila do Conde (Portugal) –, e será exibido agora no 25º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo.
O Cine Festivais conversou com Terence Keller a respeito do processo de criação do curta-metragem e da repercussão que ele adquiriu em festivais. Leia a seguir os principais pontos da entrevista.
Cine Festivais: Como você conheceu o Max Conradt Jr. e quanto tempo levou para surgir a ideia de fazer o filme?
Terence Keller: Em 2008, Rafael (Urban, outro diretor do filme) e eu estávamos assistindo o Festival Recine, em Curitiba, e no final da sessão eu vi esse senhor com alguns cartazes antigos de filmes e acabei anotando o telefone dele. Na época eu estava organizando uma exposição sobre as décadas de 30 e 40, com fotografias de filmes e cartazes.
Entrei em contato com ele depois e perguntei se podia fazer uma visita, e quando fui à casa dele descobri que ele era colecionador de um monte de coisas. Os cartazes que ele tinha acabaram não servindo para a minha exposição, mas o que me impressionou foi a coleção de livros e pintura do Max.
Na época o Rafael era jornalista da Folha de Londrina e eu disse que para ele fazer um perfil do Max, que acabou sendo publicado. Depois disso voltamos a nos encontrar com ele e surgiu a ideia de fazer o filme. Na época a gente pensava em fazer o filme com o Max e mais dois velhinhos que têm alguma ligação com o cinema, mas acabamos decidindo que ele já valeria o curta.
Fizemos mais de 20 visitas ao Max antes de fazer as filmagens. A gente percebeu que ele é um colecionador de historias também, e essa foi a ideia do documentário: apresentar não só as coleções físicas, mas também as de historias e aforismos. Ele tem várias frases feitas que vai emendando conforme conta as histórias…
CF: Uma delas acabou sendo o título do filme…
TK: É verdade. O título surgiu porque em várias dessas visitas ele nos recebia com essa saudação: “A que deve a honra da ilustre visita este simples marquês?”. Isso ele fala para qualquer pessoa que vai visitar ele, não era uma coisa especial com a gente.
CF: Quem vê o filme pode ficar com a impressão de que as falas do Max tiveram algum ensaio. Essa era a ideia de vocês?
TK: Nós não queríamos ter esse tipo de abordagem no filme. Não há um ensaio, o Max conta as histórias dessa forma. Talvez por já ter contado elas tantas vezes, ele pareça ter um jeito ensaiado, mas a verdade é que ele é um performer.
O que aconteceu foi o contrário. O filme deveria ter 15 minutos, com planos de cerca de dois minutos, mas o Max simplesmente não respeitou a nossa contagem de tempo e tomou para si o filme. Ele fazia uma cena com cinco minutos, pedíamos para que repetisse, e o tempo do plano acabava ficando ainda maior nas outras vezes. Tanto que a opção por planos mais longos ocorreu na edição, já que a nossa ideia inicial era tentar pegar sempre os planos mais curtos.
CF: Por que vocês optaram por realizar quase exclusivamente planos fixos?
TK: O Max tem uma ligação com a pintura muito forte. Uma de nossas referências foi montar um quadro para que ele desenvolvesse a sua performance. A nossa proposta era criar o palco para que ali ele contasse aquela determinada história que a gente tinha selecionado.
Há um único plano com a câmera na mão no filme, e essa opção foi tomada de última hora porque entendemos que aquela cena fugia das falas sobre as coleções e entrava em um campo mais íntimo dele. Como esse plano destoava na temática, a gente optou que na estética a câmera tivesse uma aproximação mais forte com o personagem, não esse distanciamento da câmera fixa.
Se você for analisar friamente, tudo é um jogo de cena, mas essa é a personalidade do max, ele é assim. Ele fala com as pessoas do mesmo modo que falou para o filme. A gente tentou o máximo possível controlar ele no filme, mas ele é incontrolável. Então tivemos que nos adaptar a isso.
CF: Como você vê essa boa recepção que o filme teve em festivais?
TK: Eu não consigo entender muito a lógica de premiação e seleção de festivais. O filme foi selecionado para quase todos os festivais que se inscreveu no Brasil e também participou de eventos na França, Holanda e Portugal. Em Brasília, onde recebemos três prêmios, foi o único evento em que falamos sobre o filme para a crítica, então não sei até que ponto isso pesou na avaliação final.
Eu não esperava que o filme ganhasse prêmios e fosse selecionado para tantos festivais. Considero-o um filme simples e despretensioso. O que eu percebo é que tem muita gente que não entendeu a proposta. Eu conversei com pessoas que pensaram que nós estávamos tentando fazer outra coisa, que não conseguiram captar a intenção do filme, principalmente em relação à estética.
CF: Qual é a sua opinião sobre o Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo?
TK: Eu acho demais. O festival inclusive veio aqui para Curitiba em três itinerâncias e a qualidade e a seleção dos filmes é bem interessante. O evento faz um panorama geral da produção de curtas. Sempre ficou mais feliz com a seleção do que com prêmios, porque o legal mesmo é a gente poder circular e mostrar esse pequeno filme que a gente fez, mostrabdo que tem um “maluco” aqui no Paraná que tenta de uma forma quase patológica criar uma identidade para o Estado.
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