Entre as funções criativas primordiais para a existência dos filmes, a montagem talvez seja aquela que, em geral, é menos valorizada aos olhos do público de cinema. A Mostra Cinema de Montagem, que acontece no Caixa Belas Artes, em São Paulo, até o dia 23 de setembro, busca dar visibilidade às particularidades do trabalho de criação na ilha de edição, seja o realizado de forma solitária (apenas pelo diretor) ou aquele em que há colaboração estreita (diretor – montador).
Com experiências individuais na direção e na montagem, o trio Eva Randolph, Karen Akerman e Miguel Seabra Lopes foi o responsável pela idealização e curadoria da mostra, que exibe trabalhos de diversas épocas e países, de nomes como Sergei Eisenstein, Jean-Luc Godard, Steven Spielberg, Michael Haneke e Alain Resnais (conheça a programação completa aqui).
“A influência do montador no resultado final depende dele próprio, mas também – e por vezes mais – da produção em que está inserido, da disponibilidade do diretor, das possibilidades do material bruto”, apontam os curadores.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Cine Festivais, o trio curatorial comenta algumas das questões levantadas pelo recorte da Mostra Cinema de Montagem.
Cine Festivais: Quais foram as principais motivações que levaram à criação da Mostra Cinema de Montagem?
Quando soubemos que a associação de montadores do Rio de Janeiro (edt.) seria implementada, pensamos em exibir um conjunto de filmes que tivesse a montagem como centro criativo. Percebemos que nunca tinha existido um agrupamento de filmes com esta temática, então ampliamos essas exibições para uma mostra na qual, além dos filmes, daríamos voz aos próprios montadores, fosse em formato texto/depoimento, mesas de debate ou masterclasses.
CF: A programação da mostra abarca filmes de diversas décadas. Como é possível, através desse panorama, traçar uma trajetória da evolução das técnicas de montagem e da importância dos montadores na linguagem cinematográfica ao longo dos anos?
Achamos que não é possível, e esse nunca foi o intuito. A montagem cinematográfica pouco ou nada se relaciona com essa pretensa evolução. Podemos encontrar, em todas as décadas, montagens tradicionais, experimentais, avant-garde ou radicais.
Claro que é possível identificar momentos específicos nos quais vários filmes tiveram um mesmo estilo de montagem – uma “montagem da época” -, mas os filmes que escolhemos para exibir estão quase todos fora dessa estratégia, ou levaram-na ao limite.
CF: Com exceção de Encurralado (que ainda assim é um filme de um diretor não consolidado naquele momento na indústria), a grande maioria dos trabalhos da programação faz parte do dito cinema de arte/experimental. Qual foi o motivo desta escolha? Vocês acreditam que as inovações na montagem cinematográfica passaram ao largo do cinema mainstream ao longo da história do cinema?
Não concordamos completamente que os filmes presentes sejam cinema de arte ou experimental. São sim objetos inquietos e de permanente investigação, mas ainda assim alguns filmes podem e deveriam estar inseridos num conceito mais alargado.
Mesmo dizendo isto, temos consciência que o tal mainstream é resistente à experimentação e principalmente à dúvida e ao erro, por isso a montagem normalmente fica a serviço do disfarce, ou seja, é utilizada para esconder os erros da filmagem e do roteiro, e não para operar sobre eles como algo novo e modificador. Mas onde existe regra, e no mainstream existem muitas e pesadas, existe igualmente exceção. Não seria difícil encontrar uma lista de nomes de diretores/montadores que operaram dentro do sistema e ainda assim provocaram revoluções incomensuráveis.
CF: Pela experiência das edições anteriores, e levando em conta o recorte da mostra e os debates que ela propõe, você acha que o próprio olhar do espectador é direcionado a ter uma atenção especial à montagem ao assistir aos filmes da programação?
Em alguns casos, não há como evitar isso. Em outros, (o espectador) não perceberá a montagem. Nos filmes ditos experimentais, mesmo se fechar os olhos continuará a sentir a montagem no som (risos). Nos filmes que envolvem o espectador, ou que acreditam numa métrica estrutural, a montagem estará presente para não ser vislumbrada. Existem ainda os filmes que foram incluídos na mostra pela sua montagem braçal – objetos que tiveram como ponto de partida um material bruto ilimitado proveniente de arquivos históricos.
CF: Nos anos 30 e 40, produtores como David O. Selznick eram considerados os responsáveis principais pelo sucesso de filmes como E o Vento Levou…. Tal conceito mudou muito após a proposta da “política dos autores” pelos críticos franceses da Cahiers du Cinéma. Hoje em dia, essa ideia do diretor como autor segue muito forte, e ainda há casos ao longo da história do cinema de roteiristas que conseguiram ganhar esse status (como no caso de Charlie Kaufman, mais recentemente). Como vocês enquadram o papel do montador nessa ideia de autoria cinematográfica?
O montador não é uma coisa só. Por vezes, o filme exige um trabalho pesado de estrutura. Outras vezes, exige a criação minuciosa de relações afetivas e intelectuais. Ou uma afinação do ritmo e fluidez da narrativa.
Claro que a influência do montador no resultado final depende dele próprio, mas também – e por vezes mais – da produção em que está inserido, da disponibilidade do diretor, das possibilidades do material bruto.
Serviço
Mostra Cinema de Montagem
Data: De 10 a 23 de setembro de 2015
Local: Caixa Belas Artes (Rua da Consolação, 2423 – Consolação – São Paulo – SP)
Site: http://www.cinemademontagem.com.br/
Ingressos: R$14 (inteira) e R$7 (meia-entrada). Clientes que comprarem o ingresso com cartão de débito ou crédito da Caixa pagam R$ 7.
Telefone: (11) 2894-5781