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Abjetas 288, de Júlia da Costa e Renata Mourão

31/01/21 às 16:09 Atualizado em 10/02/22 as 15:24
Abjetas 288, de Júlia da Costa e Renata Mourão

Entre todos os fins do mundo presentes na 24ª Mostra de Tiradentes, e não são poucos, chama a atenção Abjetas 288, de Júlia da Costa e Renata Mourão, pelo frescor da juventude e da contestação. Na contramão dos filmes apocalípticos de confinamento, em que jovens isolados interagem com um mundo de imagens, as personagens do curta vencedor da Mostra Foco lançam seus corpos de carne contra uma cidade concreta.

Duas meninas, estimuladas por uma propaganda na televisão, saem em busca do empreendimento de luxo Aracajú Gardens, uma espécie de paraíso para “os que mereceram”. No caminho, percorrem uma cidade em ruínas, hostil, inóspita, cenário de personagens beckettianos. A distopia sergipana é a do lixo ocidental. Aracaju Gardens não existe neste mundo, quiçá já esteja em outro planeta. O que resta são esses corpos estridentes reagindo a uma realidade despedaçada, guiada pelos hologramas dos restos de um capitalismo de extermínio.

Seguindo a fina linhagem do cinema anárquico, de Luiz Rosemberg Filho a Vera Chytilová, nossas pequenas carnaúbas, árvores da vida, optam por explodir na rua. No velório do mundo, comparecem de corpo presente. Se é pra presenciar o apocalipse, que seja dançando, em contato com o outro, fritando de radiação e lama tóxica. Este é o fim de mundo que queremos: montadas na bomba atômica.

Ainda nesta filiação, pai brasileiro e mãe tcheca, é a colagem o meio expressivo deste nonsense futurista. A fragmentação e manipulação das imagens, os quadros sobrepostos, o mangue abstrato, desenham um tempo e espaço inapreensíveis, não codificáveis – como o ritmo dissonante de Arrigo Barnabé em Ostinato, impossível de ser assobiado por torturadores.

Em vez da neurose autocentrada da internet 2.0, a violência punk da música eletrônica e dos efeitos de imagem do VHS encara os escombros do mundo real. Um passo atrás para melhor olhar para frente. Uma ideia de futuro do pretérito para pensar um futuro possível apesar do presente. Na cena final, as pequenas margaridas dançam por cima dos trilhos do trem. Trilhos da modernidade já inativos, ocupados e desviados por uma juventude que opta por dançar como forma de se desgrudar do entorno que sucumbe.

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