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A Imaginação como Potência (A Felicidade Delas; Inabitáveis; O Verbo se Fez Carne; Pattaki; Sofá)

27/01/20 às 10:59 Atualizado em 08/06/20 as 16:09
A Imaginação como Potência (A Felicidade Delas; Inabitáveis; O Verbo se Fez Carne; Pattaki; Sofá)

“A imaginação como potência” é a temática da curadoria da 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Dos sinônimos de imaginação: invenção, fantasia, ideia, sonho, criação. Dos sinônimos de potência: força, energia, influência, poder, comando, ereção. Dos filmes exibidos na sessão de curtas-metragens da mostra temática: o poder da imagem na criação de novos mundos. Ainda, o poder da imagem para a emergência das poéticas de existência de mundos possíveis (ou impossíveis). Formas de ver e inventar mundos, como diz Cezar Migliorin. Cosmopoéticas.

Em um momento de saturação das imagens, onde está ou qual a natureza da força de criação dos mundos que inventamos? Esses filmes respondem: nos corpos. Nos corpos que produzem estas imagens, nos corpos que imaginam, que sonham, que fantasiam e, sobretudo, habitam estas imagens. Ao encontro desta afirmação, os quatro filmes trazem a performance para reivindicar a presença destes corpos. Presença em oposição à fantasmagoria, categoria intrínseca da imagem, construtora de um mundo já conhecido e colapsado. Desta forma, a imagem que já foi modelo e paisagem aqui ou é corpo ou ruína. Algumas vezes os dois.

Para o primeiro conjunto de filmes da mostra A Imaginação como Potência, considerando também o longa-metragem Sofá, de Bruno Safadi, a imaginação tem o formato de água. Água que para Julio Bressane é o berço do cinema brasileiro, representada nas primeiras imagens captadas em território nacional, e que, transubstanciada de corpos adolescentes, inunda a cidade em A Felicidade Delas, de Carol Rodrigues. Ou a água que escorre, transborda, compõe e modifica os corpos em Pattaki, de Everlane Moraes. Água da chuva, da saliva, que subjuga e purifica o corpo e o espírito do jovem negro que desabrocha em sexualidade, em Inabitáveis, de Anderson Bardot.

Outra presença constante nos filmes da mostra é a polícia ou o policiamento, do corpo, da palavra, da linguagem. A perseguição policial que empurra os corpos para os becos da cidade no filme de Carol Rodrigues, o fantasma da viatura que assombra o final de Inabitáveis, ou as armas e balas no Rio de Janeiro sitiado de Sofá: a vigilância e a violência do Estado é imagem ostensiva na construção dos mundos desta primeira leva de filmes de Tiradentes.

Mas para além da imagem, o policiamento também aparece como sujeição histórica e cultural. Em O Verbo se Fez Carne, de Ziel Karapotó, um indígena exorciza, em ritual sincrético, a língua e a palavra, instrumentos de colonização e morte do seu mundo. Como se libertar da linguagem operando nela mesma? O corpo performático pode ser uma expressão para além da linguagem, mesmo sem a presença? A imagem pode ser presença? Sofá, de Safadi, retoma os corpos performáticos do cinema marginal. Corpos que extrapolam o quadro repressivo da tela, que confrontam a câmera, friccionam a representação. Em Pattaki, destaque do primeiro conjunto de curtas, os rostos desfigurados, pela água, pela lente, pela máscara, reclamam para si uma representação espiritual. Fantasmagoria e presença. Como nas religiões de matriz africana, em que o orixá é espírito, imagem e carne.

Os corpos negros performáticos de Inabitáveis, por sua vez, reivindicam a história, os cafezais, a casa grande e a cidade. Como início de uma mostra de cinema contemporâneo brasileiro que nos instiga a pensar e imaginar outros mundos possíveis através do cinema, fico com esta imagem do filme de Bardot: corpos negros libertos dançando no topo do mundo.

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