Em poucos segundos fica claro o caráter lírico e reflexivo do documentário. Ao fundo de paisagens etéreas – constantemente a praia, as rochas na areia e o horizonte, três imagens fortes para os portugueses, uma voz inveterada recita, em ritmo cadenciado, escritos do próprio Bénard. Portugal dá muito valor à poesia, incluindo a poesia lida (de preferência por seu próprio autor). Em si esse formato já seduz não apenas por rechear o áudio de um sotaque que o mundo inteiro considera charmoso, mas também por trazer o tom inebriante de leitura pausada que consagra inclusive as récitas de autores mais recentes, como a poeta Matilde Campilho.
Ainda assim, apesar dos fraseados curtos e belos, o que se ouve não é poesia, mas aforismos de Bénard sobre cinema, imagens que o marcaram, sons, lugares, pessoas. São pensamentos existenciais, que pregoam uma filosofia maior. Entre eles, há preciosidades, daquelas de se anotar no caderninho. Mas também há banalidades, reveladas pela incompatibilidade com o tom solene em que são narradas. Talvez fosse o risco a correr quando se escolheu construir a figura de Bénard a partir da maneira como ele via o mundo, e não reconstruindo episódios biográficos.
O filme também é entrecortado por trechos dos filmes preferidos de Bénard, em especial Johnny Guitar, de Nicholas Ray, e A Palavra, de Carl Theodor Dreyer, do qual são destacas algumas sequências que servem para ilustrar pensamentos do biografado sobre a morte. Paixões fora do cinema, como a prosa de Jorge Luis Borges e a pintura barroca, têm espaço, mas são sobrepujadas pelo ambiente maior da vida de Bénard, retratado nos rolos de filme, no escuro das salas de projeção e no rebobinar de um 35mm. Mesmo que não conte muito da vida pessoal de Bénard, é um filme íntimo por mostrar que o cinema era, para ele, protagonista da esfera lúdica que o fazia feliz.
Nota: 7,5/10 (Bom)
* Filme visto na 9ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte