Numa pequena fazenda fria entre as araucárias nebulosas do sul do país ensina-se um pequeno menino a matar uma galinha para o jantar. De um ritual a outro, O Corpo desencadeia num sério suspense com tradições obscuras a serem descobertas nas raízes da cultura. Com essa premissa, a ficção permite-se abusar de imagens fantasiosas recheadas de estranhamento.
A câmera persegue a contemplação desse menino, diante do encontro com um corpo nu encontrado em uma das trilhas da floresta. O corpo logo se torna o alvo das atenções de maneira estranhamente casual enquanto a sua presença, tanto à mesa do jantar quanto nos enquadramentos sofisticados que sucedem, incitam uma espécie de transe nos personagens e público.
Valendo-se do olhar desse menino, o filme convida a acompanhar o “homenzinho” espiando por entre canônicas frestas de portas, desvelando a face imoral por trás dos bons costumes. No campo do ritual, o corpo e o fetiche parecem se encontrar num lugar mal resolvido do olhar da infância.
Com metáforas anti-religiosas, o filme questiona valores que apresenta como parte de uma hipnose generalizada, mesmo que seus personagens façam parte de um núcleo específico de pessoas. Seus diversos temas, aliados às sofisticações técnicas, conseguem criar um suspense brasileiro sob moldes contemporâneos, repleto de imagens ricas em significado e que confeccionam soluções narrativas inteligentes.
Na mesma direção, sobressai o envolvente desenho de som, que cria uma sólida identidade sonora para o curta. Sopros caóticos enchem a cabeça do personagem e do público, que o tempo todo redimensiona a presença daquele corpo estranho acolhido para dentro de casa. É um áudio que enaltece o lado inventivo do filme e é usado com muita sofisticação para estabelecer fortes relações metafóricas com a imagem.
No fim, assistir a O Corpo é estar sob o transe de uma fantasia sombria através dos olhos curiosos e maliciosos de uma criança.
Nota: 8,0/10 (Ótimo)
*O Corpo participou das competições principais de curtas-metragens da Mostra de Cinema de Tiradentes, do Festival de Gramado e do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro em 2015