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Em Trago Comigo, Tata Amaral volta a tratar da memória sobre a Ditadura

31/07/15 às 16:15 Atualizado em 31/07/15 as 18:12
Em Trago Comigo, Tata Amaral volta a tratar da memória sobre a Ditadura

O tema da elaboração da memória em relação aos traumas da Ditadura Militar brasileira vem permeando o trabalho da diretora paulista nos seus dois últimos longas-metragens. Em Hoje, trabalho protagonizado por Denise Fraga que venceu o Festival de Brasília em 2011, a história começa quando uma mulher compra um apartamento com o dinheiro da indenização pelo desaparecimento de seu marido. No novo trabalho, Trago Comigo, que terá a primeira exibição no Brasil durante o 10º Festival Latino de São Paulo, o personagem de Carlos Alberto Ricelli se dá conta de que esqueceu detalhes da sua participação na luta armada, e utiliza uma montagem teatral para rememorar o passado.

“Este trabalho trata dessas questões de uma maneira um pouco mais bem-humorada, muito graças à relação do personagem do Ricelli com o elenco jovem. Acho que esses meus dois filmes se complementam. Ambos problematizam a questão da memória, mas com abordagens bem diferentes. Esse aspecto formal, de encontrar novas maneiras de expressão para o mesmo tema, me interessa muito”, contou a diretora em conversa com o Cine Festivais.

Trago Comigo foi pensada originalmente como uma minissérie, que foi exibida em 2009 pela TV Cultura. A ideia de transformar o produto de quatro horas em um longa-metragem para o cinema já constava no projeto inicial, mas só pôde ser concluída a partir de 2012, quando Tata Amaral começou a remontar o material já filmado.

Na entrevista a seguir, a diretora fala sobre as questões políticas e estéticas levantadas pelo seu novo trabalho.

 

Cine Festivais: Como se deu esse processo de transformar a minissérie Trago Comigo em filme? O que a incentivou a isso?

Tata Amaral: Isso já estava previsto no projeto inicial da TV Cultura, que incluía também outros trabalhos, como O Amor Segundo B. Schianberg, do Beto Brant.  No meu caso não havia um interesse no começo em fazer essa remontagem do material para transformá-lo em filme, mas depois acabei gostando muito do trabalho, principalmente incentivada pelos depoimentos de ex-presos políticos, e acabei topando a empreitada.

Como dirigi o (longa-metragem) Hoje e produzi o De Menor (dirigido por Caru Alves de Souza, filha de Tata), só tive tempo de voltar ao material para fazer essa nova montagem em 2012/2013, e de lá para cá precisamos de um tempo para conseguir dinheiro para finalizar o filme.

 

CF: Em algum momento você pensou em tirar do filme os depoimentos de ex-presos políticos que permeiam a história fictícia do protagonista Telmo?

TA: Não, em nenhum momento. Na primeira cena, o Telmo dá uma entrevista e se dá conta  de que não lembra mais de fatos de seu passado, então a ideia de inserir esses depoimentos reais se encaixa nesse sentido de trazer a memória à tona. Algumas pessoas demoram a perceber que os depoimentos são verdadeiros, e por isso resolvemos não identificar os entrevistados. A organização do filme se dá por essas duas formas de lidar com a memória: os relatos de ex-presos políticos e a peça produzida pelos personagens.

 

CF: Como você diferencia o tratamento das questões sobre memória e Ditadura Militar nos seus dois últimos filmes: Hoje e Trago Comigo? Você pretende seguir tratando destes temas em outros trabalhos?

TA: Trago Comigo trata dessas questões de uma maneira um pouco mais bem-humorada, muito graças à relação do personagem do Ricelli com o elenco jovem. Acho que esses meus dois filmes se complementam. Ambos problematizam a questão da memória, mas com abordagens bem diferentes. Esse aspecto formal, de encontrar novas maneiras de expressão para o mesmo tema, me interessa muito.

Para mim é importante a ideia de lidar com fatos traumáticos. Tive uma experiência traumática muito cedo, não a comuniquei durante anos para preservar minha filha das circunstâncias da morte do pai dela (aos 19 anos, Tata perdeu o marido em um acidente de carro. Na época, sua filha tinha três anos), e vi como foi difícil falar a verdade para ela e como a verdade é libertadora. Depois que rompi o silêncio, esse tema passou a ser importante para mim.

Estou trabalhando no roteiro de uma série baseada no livro A Mulher que Era o General da Casa, do Paulo Moreira Leite, que trata de histórias de resistência civil durante a Ditadura Militar. Por outro lado, estou envolvida em projetos que não se relacionam diretamente com esse tema, como um roteiro que irei desenvolver de um longa-metragem chamado Sequestro Relâmpago, que traz uma história contemporânea.

 

A diretora Tata Amaral

A diretora Tata Amaral

 

CF: Atualmente o Brasil vive um momento de grande polarização política. O uso das redes sociais e a possibilidade de “bloquear” as pessoas fez com que grupos com ideias divergentes debatam cada vez menos entre si. Como você vê o desafio de realizar um filme que possa impactar o maior número de pessoas, independentemente da posição política, e que não seja um “discurso para convertidos”?

TA: Não pensei nisso quando fiz a série, porque naquele momento eu ainda estava tomando contato com o tema, mas não tinha muita informação sobre esse período. Acho que fiz um filme humanista, que trata de um homem que precisa superar um grave trauma na vida dele. A ideia da necessidade de se comunicar, de não silenciar sobre situações doloridas, é perfeitamente compreensível para qualquer pessoa. Espero que o filme ultrapasse qualquer barreira ideológica, muito embora haja no final uma frase militante que fala da necessidade de identificar, julgar e punir os torturadores.

 

CF: Nos créditos de Trago Comigo há um comentário sobre a necessidade de termos contato com os arquivos da Ditadura Militar. Recentemente, um filme chamado Retratos de Identificação, de Anita Leandro, se baseou em documentos oficiais daquela época para contar sua história. Você acha que o cinema e a sociedade ainda tratam com pouca atenção a questão dos arquivos?

TA: Esse filme da Anita realmente é muito bonito. Recentemente tomei contato com a tese de uma cientista política chamada Glenda Mezarobba que diz que uma das principais diferenças do Brasil em relação a Argentina e Chile e que aqui a Lei de Anistia foi sucedida por uma longa espera por eleições livres para a presidência, enquanto que em nossos vizinhos essa transição aconteceu muito mais rapidamente. Isso teve um impacto grande nos arquivos. Quando você vai pesquisar documentos, há muitos pedaços e páginas que sumiram.

O que o filme da Anita deixa muito evidente é que os órgãos de repressão produziram provas contra eles mesmos, e que os arquivos devem ser tratados como parte de nossa memória. Apesar dessa importância, no Trago Comigo os arquivos não são a questão discutida, mas a necessidade de identificação e de punição dos crimes do período.

 

CF: Qual foi a trajetória do filme até aqui? Qual é a importância de estrear um filme com essa temática no Festival Latino de São Paulo e qual é a previsão de lançamento de Trago Comigo no circuito comercial?

TA: Trago Comigo estreou mundialmente no Festival de Havana, em dezembro do ano passado. É maravilhoso fazer a estreia no Brasil no Festival Latino. Estou muito feliz com essa possibilidade, pois o público desse filme é latino-americano, pela questão da identidade social. Acho que tem tudo a ver.

 

Sessão de Trago Comigo no 10º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo

– 31 de julho, às 21h, no Memorial da América Latina

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