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Diretor fala sobre bullying e rituais de violência em novo curta

12/06/15 às 09:00 Atualizado em 21/10/19 as 23:23
Diretor fala sobre bullying e rituais de violência em novo curta

O curta-metragem é o formato por excelência da iniciação cinematográfica. Principalmente nos parâmetros de produção frente a um longa-metragem, a duração diminuta fez do curta um bom lugar para experimentalismos, projetos universitários, alicerces de uma obra artística. 

O 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba traz em sua programação alguns cineastas que não apenas abraçam o formato inicial, mas empenham-se em investigá-lo, explorando suas possibilidades expressivas e erguendo pensamentos próprios ao realizarem seus primeiros filmes. O brasileiro Felipe Arrojo Poroger, de 24 anos, é um deles. 

“Gosto quando o curta-metragem é sugestivo e não se encerra em si mesmo, trabalhando com símbolos e signos que serão refletidos depois. Acho que o formato tem essa possibilidade, esse artifício dramático de poder ser algo maior”, explica o cineasta.  

Poroger se formou em Cinema pela FAAP e apresentou como Trabalho de Conclusão de Curso o curta-metragem O Filho Pródigo, que acompanha uma família em crise financeira e às voltas com a notícia de que o corpo do filho caçula, desaparecido há tempos, pode ter sido encontrado. O elenco do curta, filmado em 35mm, conta com renomados atores do universo teatral, como Danilo Grangheia e Georgette Fadel, contatada por Facebook para o trabalho.

“Quando você não tem filme anterior para mostrar, precisa ser cara de pau. Eu tinha o roteiro, sabia que ele dependia de grandes atores e pensei: por que não?”, conta Poroger. O curta faturou os prêmios de Melhor Roteiro, Melhor Ator e Melhor Atriz no 18º Cine PE (2014), primeiro festival de que participou. 

Em 2014, Felipe realizou o falso documentário Classic Albuns: O Terno (2014), sobre o segundo álbum da banda paulista O Terno, cujos integrantes são amigos de infância do diretor. Também criou, em parceria com Quico Meirelles, o Festival de Finos Filmes, do qual são curadores.

Agora vai a Curitiba participar do 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, onde estreia seu mais recente curta-metragem: Enquanto o Sangue Coloria a Noite, Eu Olhava as Estrelas. Foi sobre ele que Felipe Poroger falou em conversa com o Cine Festivais, quando também revelou um pouco da sua visão sobre aspectos do cinema e de sua promissora carreira. 

Confira abaixo os principais pontos da entrevista.

Cine Festivais: Enquanto o Sangue… tem várias semelhanças temáticas e estilísticas com seu curta anterior, O Filho Pródigo. Como você lida com a construção de identidade de uma obra sendo tão jovem? Você pensa desde o início em estabelecer traços de autoria?

Felipe Poroger: Embora seja cedo para falar em estilo, há alguns temas e vieses de abordagem que me atraem. Não sinto que eu tenha uma preocupação em me fazer parecido visualmente. Acaba surgindo naturalmente, essa é a minha sensação. Mas ouvir que tem um diálogo entre as duas coisas é muito bom.

CF: A premissa de O Filho Pródigo veio de uma parábola bíblica. Enquanto o Sangue… traz uma carga conceitual já no título. Qual foi a inspiração dessa vez?

FP: Quando pensei no título, estava imaginando um céu estrelado: uma escuridão imensa, com alguns pontos brilhantes. Nós, ao invés de nos concentrarmos na escuridão, preferimos olhar as estrelas. Talvez seja um modo metafórico de dizer que se deslocássemos nosso olhar para a sombra predominante, conseguiríamos abordar assuntos sérios de modo mais incisivo. É um título que não conta a história, mas que, de alguma maneira, sugere um clima ou uma motivação para ela.

CF: Por isso falar de bullying?  

FP: A ideia inicial era mostrar um cotidiano estruturado por rituais de violência. Então há o policial que diariamente é vestido com sua farda, tocam o hino, batem continência. Ou seja, para além da crença em certa organização racional do dia a dia, existem resquícios de ritualidade. O bullying veio num segundo momento. É algo que, na minha opinião, deve ser olhado sem concessões, sem espaço para aberturas esperançosas, é um assunto sério.

CF: Em termos de produção, o que foi mais fácil e o que foi mais difícil de realizar em relação ao seu curta-metragem anterior?

FP: O Filho Pródigo foi um Trabalho de Conclusão de Curso [da graduação em Cinema pela FAAP] e contou com a infraestrutura cedida pela instituição. Na hora parece algo natural, você nem dá muito valor a isso, mas existe um apoio em todas as partes da produção: mixagem, colorização. Fazer Enquanto o Sangue… foi muito mais difícil, porque você simplesmente deve correr atrás de tudo.

O curta-metragem é, de fato, um formato pouco comercial. É difícil uma marca se associar a um produto que não irá trazer retorno comercial para ela. E, embora o filme tenha saído muito barato, demandou equipamento de luz, de câmera, de pós-produção, etc. Tentei compensar a dificuldade de produção com uma experiência um pouco maior em relação ao filme anterior.

CF: Não tentou editais? Não há dinheiro público envolvido? 

FP: Não, zero. As políticas nacionais para curta-metragem são escassas. Existem prêmios e editais através dos quais é possível captar, mas todo edital é sazonal, a resposta e a liberação do dinheiro demoram muito pra sair. E considero que o curta-metragem é um formato ágil, com um dinamismo que dificilmente se dá ao luxo de esperar todos esses estágios. Para um longa, talvez seja inevitável esperar esse tempo.

CF: Você foi o montador dos dois filmes, algo comum entre diretores muito jovens. Qual é a sua relação com a função? O quanto isso influencia sua atividade no set? 

FP: Eu sequer dissocio bem os processos. Talvez quando eu estiver em uma estrutura mais profissional eu consiga diferenciar, mas estou pensando na direção e na montagem já quando estou escrevendo o roteiro. Eu sei que é perigoso ficar concentrando funções tão fundamentais, porque se perde a referência e o distanciamento, mas tem o seu lado bom: posso acordar no meio da madrugada com uma solução nova e testá-la na hora, posso ficar quatro dias sem dormir tentando resolver algo. Num processo mais informal e sem muito dinheiro envolvido, é difícil exigir essa gana de outro montador.

CF: Nas sessões do Finos Filmes, era muito forte a percepção de que os curtas tinham uma duração exata, cabiam muito bem na minutagem breve. O quanto essa noção temporal do curta-metragem é importante no seu processo criativo?

FP: Esse é um dos maiores desafios. Acho que eu ainda não encontrei esse tempo. Se você pensar na premissa de O Filho Pródigo, a história poderia dar vazão a um formato maior. As informações estão lá, mas talvez algumas lacunas atrapalhem o filme, deixando o público um pouco desnorteado. E acredito que o diálogo com o espectador nunca pode ser negligenciado. Mas acho que o Enquanto o Sangue… já caminha melhor nessa direção, de ser um recorte mais compatível com o curta enquanto formato autônomo.

CF: Em entrevista no Cine PE, você disse desejar que sua obra despertasse reflexões, mas sem afastar as pessoas. Como você lida com a dualidade Cinema de Arte x Cinema Comercial? 

FP: É a questão mais importante de todas e realmente tira um pouco do meu sono. Minha entrada no curso de Filosofia [Felipe cursa Filosofia na FFLCH – USP] também foi motivada por isso. Se eu não pensar no público, em alguém que está recebendo a mensagem que quero passar, o processo se esvazia completamente. Existe um medo muito grande de fazer algo hermético, que não dialogue com as pessoas e que, de repente, algum crítico ou algum circuito acadêmico vai achar incrível. Acho isso perigoso, pois pode cair na violência ideológica de acharmos que uma bolha artística detém o monopólio sobre a qualidade da arte. Considerar o público burro: luto contra isso com todas as minhas forças. O que não significa que eu vá fazer um produto de fácil digestão, porque isso seria uma conciliação burra. Nesse diálogo, eu tenho que ceder algo para o público, e vice-versa.

CF: Quando você olha para a nova geração de cineastas brasileiros, como acha que eles estão se colocando nesse aspecto?

FP: Acho que existe uma divisão muito grande. Frequentando alguns festivais brasileiros, eu vejo quase um meio a meio. Há realizadores que se preocupam em contar histórias com começo, meio e fim, há os que buscam outros caminhos. Mas já ouvi pessoas dizendo que o filme hermético tem mais chances em festival. Pode até ser que cole, mas é esse o objetivo de quem está realizando um filme? Copiar as formas reconhecidas pelos grandes festivais?

CF: Como foi ser selecionado para o 4º Olhar de Cinema e qual a importância de estrear o filme lá?

FP: É um prazer gigantesco estrear o filme no Olhar de Cinema, que, embora seja um festival novo, está crescendo de um jeito exponencial. Estou super curioso. Cada dado novo que vem sobre a programação não só me anima como realizador, mas me inspira agora que eu também tenho meu festival. É importante estrear Enquanto o Sangue… num festival grande, assim como foi muito bom estrear O Filho Pródigo no Cine PE.

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