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O Policial e a Pastora, de Alice Riff

05/07/23 às 16:34
O Policial e a Pastora, de Alice Riff

O policial, a pastora e o filme

“Ah não! Você de novo?”, diz Homer Simpson no tapete em frente à porta que se abre para apresentar o primeiro personagem do longa-metragem O Policial e Pastora (2023), de Alice Riff, exibido na Mostra Competitiva Nacional do 12º Olhar de Cinema. Não por acaso, esta é a imagem de divulgação do filme, que parece resumir a sensação dos dois protagonistas ao se depararem constantemente com a equipe de filmagem que insiste em fazer uma aproximação entre um policial de esquerda, uma pastora feminista e o processo de realização do documentário. 

Riff narra o propósito: em um tempo de forte polarização política no Brasil entre forças reacionárias – representadas sobretudo por instituições policiais e religiosas – e forças progressistas, o filme busca investigar as aparentes contradições destes personagens. Diante das questões éticas que um tipo de documentário como este pode se deparar, a diretora opta por incluir os personagens na realização do filme, expondo os processos de aproximação com cada um, as negociações sobre as filmagens, a ficcionalização de suas personas e a exposição de seus desejos e angústias. Dividido em duas partes que não se comunicam, primeiro “o policial” e depois “a pastora”, o documentário se utiliza de técnicas como o psicodrama e a autonarração para, aparentemente, dar autonomia àquilo que se dá a ver de cada um.

Mas existe uma discrepância entre a condução da narrativa por cada personagem. Enquanto o policial é confrontado quase todo o tempo pelas suas escolhas narrativas, a pastora é deixada muito à vontade para expor o que deseja da sua vida íntima e, sobretudo, da sua militância. A primeira parte mostra um policial atormentado pela sua prática profissional, em desconformidade com as hierarquias militar e partidária, que tenta, nas brechas do cotidiano, elaborar a si mesmo a partir da escrita de poemas. A segunda parte apresenta uma pastora não reconhecida pela igreja que atua em um grupo feminista religioso e militante de acolhimento para mulheres vítimas de violência doméstica. 

O policial é um personagem isolado, conflitante e unilateral. A pastora, uma personagem coletiva, agregadora, opaca. Em ambos os casos, o filme pouco consegue adentrar as contradições dos personagens, como parecia prometer em sua apresentação. Perdida na estrutura fílmica que estabelece como premissa, Riff acaba por uniformizar os seus personagens em vez de fazer emergir as suas complexidades, como se espera. Mais uma vez, e parece ser uma constante no documentário contemporâneo de um modo geral (salvo exceções), o filme (isto é, as questões da diretora, os modos de filmar, a exposição do dispositivo) parece importar mais do que os personagens. 

A expressão máxima de não saber o que fazer com os personagens que escolhe filmar é o fato de a diretora “matar” o policial no meio do documentário. Ele não consegue se impor em relação ao filme. O gesto de Riff parece bastante determinista para quem se propõe a fazer um documentário compartilhado. Quanto à pastora, o filme se conforma em apresentar o trabalho triunfante de mobilização feminista dentro de um contexto patriarcal e autoritário como a igreja evangélica. Diferentemente da primeira parte, aqui a diretora se entrega aos encantos da pastora, aceitando fazer um filme sem complexidades sobre o coletivo, perdendo a chance de investigar mais a fundo a personagem que se esconde no grupo e não se deixa alcançar. 

Ao final, temos a impressão de que assistimos a um trailer de um filme que poderia ter sido e não foi. Infelizmente, o dispositivo criado para expor os processos junto aos personagens fica no meio do caminho: nem faz emergir algum debate interessante sobre ética no documentário, nem acessa os personagens a fundo. Ao olhar mais para si do que nos olhos dos personagens, O Policial e a Pastora parece não querer ver as suas sombras, as suas humanidades profundas. Coutinho faz cada vez mais falta.

*Filme visto no 12º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba

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