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Coordenadora de Tiradentes pede legislação específica para festivais

29/01/14 às 02:02 Atualizado em 21/10/19 as 23:01
Coordenadora de Tiradentes pede legislação específica para festivais

São João del Rei, cidade vizinha de Tiradentes, é o local de nascimento da produtora cultural Raquel Hallak, sócia e diretora da Universo Produção, aquela que fez brotar, no sul de Minas Gerais, um dos maiores festivais de cinema do Brasil. Coordenando a Mostra de Cinema de Tiradentes desde a primeira edição, em 1998,  Raquel também foi responsável pela criação da CineOP  (Mostra de Cinema de Ouro Preto) e a da Mostra CineBH.

Em conversa com o Cine Festivais, a produtora nos contou sobre a origem da Mostra, fez um panorama de sua evolução estrutural, falou das dificuldades de patrocínio e criticou os critérios das leis audiovisuais de incentivo no Brasil.  Confira abaixo!

 

Cine Festivais: Como surgiu a Mostra de Tiradentes?

Raquel Hallak: Foi um empreendimento da Universo Produção idealizado para ser um evento aliado ao cinema brasileiro, numa época em que estavam começando as leis de incentivo, a retomada do cinema nacional. Foi elaborado, com propósito e conceito. Anualmente pensamos em uma temática, muito bem discutida, e em um homenageado que represente esse tema em discussão.

 

CF: Por que a cidade de Tiradentes?

RH: É uma história um pouco afetiva. Sou de São João del Rei, que é vizinha de Tiradentes. A história começou no Centro Cultural Yves Alves, hoje uma das sedes do evento. A Fundação Roberto Marinho havia reformado o centro, em homenagem ao Yves, mas depois eles ficaram fechados por 8 meses. O Yves faleceu e não viu esse centro ser reinaugurado. Não era papel da Fundação Roberto Marinho administrar centros culturais. Então eu tentei chamar esforços para viabilizar essa inauguração e fizemos uma programação de cinema que pensasse no longo prazo, não adiantava nada inaugurar e já fechar de novo. Antes mesmo de acontecer a primeira edição, vimos que havia uma lacuna em Minas Gerais, uma oportunidade para um evento que pudesse ter um espaço de destaque nacional. Então readequamos o projeto e construímos uma programação que dialogava com o cinema, com lançamentos de livros, shows, teatro, cortejo e outras coisas. Montamos o cinema numa tenda de circo… e assim começa a história do evento, em 1998.

 

CF: A Mostra de Tiradentes sempre prezou pela figura do curador, em oposição a outros festivais, que funcionam com comissões de seleção. Por que essa opção?

RH: Antes, tínhamos que procurar filmes que estavam prontos. Começamos exibindo poucos curtas, geralmente resultantes de editais, etc. Mas, dentro do que havia, o papel do curador era ajustar o conceito para a exibição dessas produções. Da 1ª até a 10ª edição, a gente tinha uma grade de retrospectiva para a produção. Mas a partir da 11ª é que renovamos o conceito diante do digital e da evolução das próprias leis e editais. Até a 10ª edição não tínhamos critérios tão bem definidos, mas já tínhamos homenageados, havia uma observação do que estava acontecendo nas produções. Teve um ano em que tratamos das mulheres na direção, no qual tínhamos cinco longas feitos por mulheres. Em outro ano, falamos sobre o documentário e por aí vai. O importante da curadoria por trás de uma mostra de cinema é focar de uma forma profissional e defender as escolhas.

 

CF: Com o passar do tempo, o que mais mudou na Mostra de Tiradentes de 1998 pra cá?

RH: No que cabe à infraestrutura, muita coisa. Fundamos o festival numa cidade de 5 mil habitantes, que estava adormecida, e o evento ajudou na descoberta da vocação turística da cidade de Tiradentes. Ele também se propõe a esse papel turístico. Levou para a cidade uma forte projeção e ainda atraiu investimentos. Se você observar hoje, a cidade tem 7 mil habitantes e mais de 5 mil leitos. A gente vê como que eventos anuais, consecutivos, com uma agenda pré-estabelecida, são fundamentais para o desenvolvimento econômico e social daquele município e daquela região.

Pense que começamos numa lona de circo e no Centro Cultural Yves Alves. Na 3ª edição, já introduzimos o Cine Praça e, a partir da 6ª edição, a tenda foi evoluindo: hoje temos um cinema de 700 lugares, uma área construída de 1400 metros quadrados e conseguimos a instalação de um cinema definitivo para a cidade lá no centro cultural. E, no aspecto da programação, ela vem evoluindo junto com as produções, acompanhando o que acontece no meio audiovisual.

 

CF: O que ainda é uma dificuldade para a realização anual da Mostra?

RH: A maior dificuldade é sempre a referente ao patrocínio. De modo geral, eventos e festivais com edições anuais requerem tempo de planejamento maior. Acontece que a forma como eles são considerados nas leis de incentivo hoje no Brasil não me dá garantias, mesmo no meu caso, já com 16 edições realizadas. O festival sempre precisa recomeçar e a continuidade é sempre um risco.

Uma das propostas da Universo Produção é que se debata esse modelo de gestão cultural para eventos com mais de 5 anos, contínuos e com uma agenda regular. Gostaríamos de ter, pelo menos, uma análise bianual. Mas não, todo ano temos que fazer uma edição, captar, prestar conta e já inscrever a outra edição, quando poderíamos, por exemplo, estar inscrevendo o mesmo evento para dois anos. Se essa possibilidade se concretizasse, teríamos mais fôlego e um aperfeiçoamento, porque conseguiríamos acompanhar o planejamento junto às empresas que patrocinam o evento. Mas temos que nos submeter a esse tempo em função dos mecanismos de financiamento existentes no Brasil, não só o federal, mas o estadual e o municipal também.

 

CF: É uma questão consequente da falta de prioridade ou da falta de um olhar mais preocupado com a cultura?

RH: Eu acho que é uma falta de vivência de quem está do outro lado do balcão. Deveria haver um diálogo com o produtor, com o empreendedor, para que fossem feitos ajustes personalizados para cada perfil de eventos, não só para categorias amplas. Gostaria que houvesse uma legislação específica para os festivais dentro das leis de incentivo, com critérios mais compatíveis com o mercado, que é onde você busca o dinheiro. É diferente de uma turnê ou um show, nos quais você pode alterar datas, por exemplo. Seria um aprimoramento da utilização dos mecanismos de financiamento.

 

CF: Você coordenou outras Mostras de Cinema, como a CineOP  (Mostra de Cinema de Ouro Preto) e a Mostra CineBH. Qual o grande diferencial de Tiradentes em relação a esses outros eventos?

RH: A diferenciação é notória em tudo: no mecanismo de fazer cinema, no cenário onde ele acontece e na programação que ele propõe. É um festival que apostou na renovação do fazer cinematográfico, na juventude. Hoje o cinema brasileiro é extremamente jovem. Tiradentes deu destaque para quem estava em início de carreira, apostou nos novos talentos. Não quer dizer que não existam os outros talentos, mas esse (o cinema jovem) é o nosso destaque e o maior objetivo da Mostra Aurora. Eu diria que, em termos de programação, é um dos festivais mais completos, por oferecer oficinas (também para crianças), seminários, trazer debates, discutir a estética da obra, convidar a crítica especializada para abrir seu ponto de vista, entre outras coisas.  Une-se isso à apresentação de mostras contemplativas que conjugam uma aproximação entre ideias e produção.

 

CF: O suposto embate “filme comercial x filme de arte” é uma discussão que interessa a vocês, idealizadores da Mostra Tiradentes?

RH: A Mostra Cine BH, por exemplo, se preocupa mais com o mercado. Acho que sempre vamos ter todo tipo de cinema. Não é papel da Mostra de Tiradentes exibir filmes comerciais, é uma mostra voltada para o cinema brasileiro independente. Acreditamos que o cinema comercial não precisa de festivais, ele já chega nas salas de cinema. Estamos preocupados não com a obra em si, finalizada, mas com o momento histórico, com quem está fazendo cinema hoje, com as possibilidades de esses profissionais envolvidos avançarem e ampliarem sua atuação.

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