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Retrospectiva destaca documentários pouco conhecidos realizados na URSS

21/04/17 às 12:26 Atualizado em 13/10/19 as 23:01
Retrospectiva destaca documentários pouco conhecidos realizados na URSS

Um dos destaques da programação do 22º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários –, que ocorre até o dia 30 nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, é a retrospectiva internacional “100: De Volta à URSS”, que aproveita o centenário das revoluções de 1917 para exibir 12 títulos documentais que foram realizados durante o período de existência do Estado soviético.

Um dos filmes presentes nessa mostra é Avante, Soviete!, obra menos conhecida do cineasta Dziga Vertov, geralmente lembrado nas listas de obras mais importantes da história do cinema por sua obra-prima O Homem com a Câmera. Uma das intenções da curadoria, realizada em conjunto por Amir Labaki, diretor do É Tudo Verdade, e Luis Felipe Labaki, mestre em Cinema pela ECA-USP com dissertação sobre os escritos de Vertov, era justamente jogar luz sobre obras menos conhecidas e comentadas.

Neste sábado, dia 22, haverá uma sessão do filme Avante, Soviete! às 16h, na Reserva Cultural, em São Paulo, seguida por debate com Luis Felipe Labaki e o diretor ucraniano (nascido no período da URSS) Vitaly Mansky, que participa da competição internacional de longas e médias-metragens do festival com o filme Relações Próximas.

Para conhecer melhor os filmes escolhidos para a retrospectiva internacional “100: De Volta à URSS”, o Cine Festivais enviou por e-mail três perguntas para o curador Luis Felipe Labaki.

 

Cine Festivais: No texto de apresentação da mostra a produção documental da URSS aparece como “um dos continentes submersos da história do documentário”. Por que houve esse descompasso histórico entre a valorização da produção soviética ficcional e da não-ficcional?

Luis Felipe Labaki: Não sei se, em relação à URSS, houve um descompasso entre a valorização da produção ficcional e não ficcional maior do que o que costuma haver em relação à cinematografia de qualquer país. Aliás, é interessante que, quando pensamos nos cineastas soviéticos mais conhecidos do período silencioso, ao lado de Sergei Eisenstein, Aleksándr Dovjenko e Vsiêvolod Pudóvkin costumam andar sempre ao menos dois documentaristas, Dziga Vertov e Esfir Chub.

Tenho a impressão de que, na realidade, a cinematografia soviética como um todo tem ainda algo de “continente submerso” para nós, por motivos variados que vão desde diferentes conjunturas políticas que ao longo do tempo impediram uma aproximação maior até a própria barreira linguística que até hoje pode dificultar o acesso a essas obras.

Para além desses nomes mais famosos – que incluem ainda figuras como Andrei Tarkóvski, Serguei Paradjânov, Elem Klímov e Aleksándr Sokúrov – há também muitos outros realizadores com longas e diversificadas carreiras na URSS, tanto na ficção quanto no documentário, cujos trabalhos são pouco ou nada conhecidos por aqui.

Especificamente em relação ao documentário, talvez alguns filmes tenham demorado mais para se tornarem conhecidos ao redor do mundo por terem efetivamente circulado menos por mercados internacionais ao serem lançados – apesar, é claro, de haver exceções. Mas, por exemplo, um filme surpreendente como Diante do Julgamento da História (1965), de Fridrikh Ermler, que estamos exibindo, ficou apenas poucos dias em cartaz na URSS antes de ser retirado das telas por censores e relegado às prateleiras.

 

CF: Quais foram os principais critérios para chegar a essa seleção de filmes que tem o objetivo de representar de alguma forma as mais de sete décadas de produção documental na URSS?

LFL: Nós buscamos filmes que fossem representativos tanto de certos caminhos estéticos percorridos quanto de determinados momentos históricos da URSS. Seria impossível dar conta de toda a história do país e do cinema não-ficcional em apenas doze títulos, mas tentamos fazer com que um certo percurso se delineasse ao longo das sessões. Demos também preferência a filmes menos conhecidos e de mais difícil acesso, seja aqui ou pelo mundo.

De Dziga Vertov, por exemplo, estamos passando Avante, soviete! (1926) em vez de Um homem com uma câmera (1929). Claro que este último é um marco fundamental, mas Avante, soviete! é também um filme muito interessante que às vezes acaba ficando esquecido entre os demais longas que Vertov realizou nesse período. Além disso, ele forma uma espécie de par com Moscou, dirigido por Iliá Kopálin e por Mikhail Kaufman, irmão de Vertov.

Mesmo sendo filmes realizados praticamente pela mesma equipe e quase ao mesmo tempo, tratando do mesmo tema – as transformações de Moscou na primeira década do regime soviético -, os resultados e as estratégias formais de cada um são muito diferentes. Isso foi inclusive notado à época por Sergei Eisenstein, que preferiu a simplicidade de Moscou àquilo que chamou de “poesia grandiloquente” de A Sexta Parte do Mundo (1926), de Vertov, também feito no mesmo período.

São essas nuances que nós queríamos trazer: mesmo entre realizadores próximos, desde os primeiros anos do cinema soviético havia um debate bastante sério e até hoje atual sobre como tratar o material “documentário”. Esfir Chub, por exemplo, de O Grande Caminho (1927), segue por uma estrada diferente de Vertov e Kaufman, lidando com materiais de arquivo, enquanto Mikhail Kalatôzov mistura planos “atuados” e “não-atuados” em Sal Para a Svanécia (1930), chegando num resultado muito particular. E assim por diante em relação aos demais filmes da mostra, seja Aleksándr Dovjenko tentando encontrar alguma poesia em meio ao horror em A Batalha Por Nossa Ucrânia Soviética (1943), seja Aleksándr Sokúrov meditando sobre os retratos de líderes do governo em Elegia Soviética (1987).

 

CF: Se tivesse que apontar poucos destaques entre os filmes que serão exibidos nesta retrospectiva internacional, quais seriam eles?

LFL: Chegar em 12 títulos já foi bem difícil, e escolher só alguns dentre esses é ainda mais complicado. Vou destacar então dois filmes que embaralharam as fronteiras entre ficcional e documentário: Sal para a Svanécia (1930), de Mikhail Kalatôzov, é um retrato etnográfico de uma comunidade isolada no Cáucaso que mantém antigas tradições e sofre com a falta de mantimentos. Kalatôzov havia filmado uma ficção no local chamada A Cega, mas o filme acabou não sendo finalizado, e o cineasta incorporou diversos dos planos da ficção em um novo projeto sobre a comunidade local, com roteiro do escritor Serguei Tretiakóv, frequente colaborador da revista LEF que também havia assinado o roteiro da ficção. O resultado é belíssimo e inusitado, tendo sido comparado pelo crítico e historiador do cinema russo Jay Leyda a Las Hurdes: Tierra Sin Pan (1933), do cineasta espanhol Luis Buñuel.

Diante do Julgamento da História (1965), de Fridrikh Ermler, expressa muito bem algumas das contradições do período do chamado Degelo. Ermler, realizador de ficções na ativa desde os anos 1920 e extremamente fiel ao partido inclusive nos anos de Stálin, foi escolhido pelo estúdio Lenfilm para dirigir esse retrato de Vassíli Chulguín, um dos líderes do movimento Branco, monarquista, que permaneceu exilado por muito tempo e chegou a passar doze anos em campos de trabalhos forçados na URSS.

Já com mais de 80 anos, Chulguín foi tomado pelas autoridades como exemplo de um inimigo que havia se “regenerado” e recusado suas posições anteriores, e que poderia servir à propaganda comunista. Ermler então o filma em uma situação a princípio absolutamente controlada, em diálogo com um historiador fictício, interpretado por um ator, que deve o tempo todo questionar as posições de Chulguín e apontá-lo como alguém “vencido pela História”. Mas o octagenário se revelou tão carismático e tão pouco esquemático em suas opiniões sobre os rumos do país que, ao final das filmagens, o próprio fiel comunista Ermler havia se encantado por ele. Claro que o filme não agradou às autoridades, mas acabou permanecendo como um documento único de um projeto que só poderia ter sido levado a cabo nos anos eufóricos do Degelo.

 

Conheça os 12 filmes integrantes da retrospectiva internacional “100: De Volta à URSS”.

 

Avante, Soviete! (Dir.: Dziga Vertov, Rússia, 1926, 53 min.)

Encomendado pelo Soviete de Moscou para as eleições municipais, este deveria ser um filme-relatório que mostraria aos eleitores as ações da administração. Vertov, porém, recusa o simples institucional ao encadear as imagens por meio de um texto poético que reflete sobre a situação da cidade e da URSS como um todo no presente, no passado e no futuro.

 

Moscou (Dir.: Mikhail Kaufman e Iliá Kopálin, Rússia, 1927, 58 min.)

Primeiro trabalho de Kaufman e Kopálin dissociados de D. Vertov, esta sinfonia urbana do grupo Cine-Olho usa a estrutura de “um dia na cidade” para explorar visualmente Moscou e as transformações de suas ruas, edifícios e instituições, preocupando-se em nomear precisamente os locais mostrados, em contraste com a estratégia adotada em Avante, soviete!.

 

O Grande Caminho (Dir.: Esfir Chub, Rússia, 1927, 74 min.)

Neste filme realizado para a comemoração dos dez anos da Revolução, Chub narra, por meio de atualidades cinematográficas e documentos oficiais, a primeira década de existência da URSS, passando por Outubro, pela guerra civil e pela progressiva recuperação econômica do país, destacando ainda movimentos simpatizantes e opositores surgidos no exterior.

 

Sal para a Svanécia (Dir.: Mikhail Kalatôzov, Rússia, 1930, 62 min.)

Neste retrato etnográfico nada convencional da vida de uma isolada comunidade camponesa no Cáucaso, o cineasta georgiano Mikhail Kalatôzov incorporou materiais filmados originalmente para uma ficção que realizou no local, mas que não foi acabada. O resultado é um filme híbrido, com roteiro do escritor Serguei Tretiakóv, frequente colaborador da revista LEF.

 

Um Dia do Novo Mundo (Dir.: Roman Karmén e Mikhail Slútski, Rússia, 1940, 23 min.)

No dia 24 de agosto de 1940, 97 cinegrafistas espalhados por toda a URSS registraram os acontecimentos de um dia comum do país, de um café-da-manhã na casa de uma família à estreia de uma ópera de Prokófiev, passando por expedições no Ártico e pelo trabalho na rádio. Seguindo o estilo então em voga, uma vigorosa canção patriótica acompanha os eventos.

 

A Batalha por Nossa Ucrânia Soviética (Dir.: Aleksándr Dovjenko e Iúlia Sôlntseva, Rússia, 1943, 73 min.)

Primeiro documentário feito depois da entrada da URSS na Segunda Guerra Mundial pelo famoso cineasta ucraniano Aleksándr Dovjenko, mais conhecido por suas ficções, que participou também de campanhas militares e foi muito ativo na imprensa durante o conflito. Aqui, seu tom pessoal e poético impregna o texto e as imagens deste registro dos horrores da guerra.

 

Diante do Julgamento da História (Dir.: Fridrikh Ermler, Rússia, 1965, 93 min.)

Vassíli Chulguín, figura-chave do movimento Branco antibolchevique, visita Leningrado após décadas de emigração e prisão nos campos soviéticos. Em diálogo com um historiador, ele reflete sobre a monarquia, a revolução e suas próprias decisões. Ao invés de simples culpa e arrependimento, surge a complexidade de suas opiniões sobre os caminhos da Rússia.

 

Olhe Para o Rosto (Dir.: Pável Kogan, Rússia, 1968, 11 min.)

No museu Hermitage, diante do quadro “Madonna Litta” de Leonardo da Vinci, o cineasta aponta sua câmera não para a pintura, mas para os rostos das pessoas comuns que admiram a obra. Um gesto aparentemente simples que evidencia um dos anseios do chamado período do Degelo: que as atenções se voltassem não apenas para as massas, mas também para os indivíduos.

 

O Início (Dir.: Artavazd Peleshian, Rússia, 1967, 10 min.)

No aniversário de cinquenta anos da Revolução de Outubro, o cineasta armênio Artavazd Peleshian, ainda aluno do instituto de cinema VGIK, retoma, transforma e condensa procedimentos cinematográficos de Chub, Vertov e Eisenstein para realizar um ensaio visual e sonoro sobre imagens de arquivo da história da URSS e de sua influência ao redor do mundo.

 

Mais Luz! (Dir.: Marina Babak, Rússia, 1987, 90 min.)

Marcando os 70 anos da Revolução em meio às incertezas e euforia da glasnost e perestroika, o filme propõe uma “conversa franca e aberta sobre o passado e o presente”, refletindo sobre os erros e acertos do país desde 1917. Seguindo o espírito de abertura, são apresentados materiais contendo personalidades há muito tempo apagadas da história oficial.

 

O Poder de Solovkí (Dir.: Marina Goldovskaya, Rússia, 1988, 93 min.)

Criado em 1923 e funcionando até 1939, Solovkí foi um dos primeiros campos soviéticos de trabalhos forçados. Mais de sessenta anos depois de suas detenções, antigos prisioneiros políticos relembram suas experiências e o cotidiano do campo onde imperava, como diziam os guardas do local, não o poder soviético, mas o “poder soloviético”.

 

Elegia Soviética (Dir.: Aleksándr Sokúrov, Rússia, 1989, 35 min.)

No centro desta meditação realizada no ocaso da URSS, desfilam retratos de mais de uma centena de líderes soviéticos, tanto conhecidos – como Lênin, Trótski e Stálin – quanto hoje obscuros. Destacando-se dos demais, Borís Iéltsin, então caído em desgraça, é acompanhado por Sokúrov em três momentos distintos.

 

Programação completa em: http://etudoverdade.com.br/br/programacao/

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