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Diretor paranaense apresenta dois curtas na 20ª Mostra de Tiradentes

17/01/17 às 13:48 Atualizado em 13/10/19 as 23:03
Diretor paranaense apresenta dois curtas na 20ª Mostra de Tiradentes

A animação brasileira vive seu momento de maior pujança criativa. Prova disso são os prêmios obtidos em prestigiosos festivais internacionais – Uma História de Amor e Fúria, de Luiz Bolognesi, e O Menino e o Mundo, de Alê Abreu, venceram o prêmio principal no Festival de Annecy – e também a inserção de animações em alguns dos principais eventos nacionais – caso de Quando os Dias Eram Eternos, de Marcus Vinicius Vasconcelos, eleito melhor filme na mostra competitiva de curta-metragem do último Festival de Brasília.

O trabalho do paranaense Pedro Giongo se insere dentro deste contexto. Um dos fundadores do Estúdio Tijucas, ele realizou as animações Parque Pesadelo (em codireção com Aly Muritiba e Francisco Gusso) e Tango (também em parceria com Gusso).

“Quando comecei a viajar para apresentar os filmes conheci outros animadores e fiquei com a sensação de que está acontecendo um inconsciente coletivo que tem levado muita gente, de diferentes lugares, a produzir animações, como um antídoto para frear a velocidade dos tempos atuais”, opina Pedro.

Livremente inspirado no conto Um Artista da Fome, de Franz Kafka, Tango será exibido na Mostra Praça (dia 23, às 21h) durante a 20ª Mostra de Tiradentes, que acontece de 20 a 28 de janeiro. O festival mineiro também será palco da estreia do curta A Canção do Asfalto, incursão solo de Pedro na direção, e desta vez em live-action. O trabalho está na Mostra Foco (dia 23, às 22h30), seção competitiva de curtas.

A ficção acompanha o cotidiano de um imigrante chinês que chegou ao Brasil há cerca de seis meses e trabalha no restaurante do tio em Curitiba. Os atores, não profissionais, foram escolhidos durante visitas do diretor a locais que reúnem a comunidade chinesa na capital paranaense.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Cine Festivais, Pedro Giongo falou sobre sua trajetória e comentou os processos de produção dos seus curtas que serão exibidos na 20ª Mostra de Tiradentes.

 

Cine Festivais: Desde quando a animação fez parte da sua vida? Quando você resolveu entrar no ramo como cineasta? Quais são os diretores de animação e os tipos de animação que lhe inspiram? 

Pedro Giongo: Animação sempre foi algo espontâneo. Não sei bem onde começou, mas me fascinavam muito as animações stop-motion, desde as que passavam na TV Cultura quando eu era criança, até as vinhetas nos intervalos da MTV quando eu já era adolescente. Lembro de serem manuais e criativas; tinha coisa dos Quay Brothers e animação do Leste Europeu ali. Hoje, ao revê-las na internet, percebo que eram realmente boas.

Depois, mais velho e trabalhando com design gráfico, minha primeira formação, a animação convocou a mim, Francisco Gusso (o outro diretor de Tango) e a Jéssica Luz (diretora de arte). Fomos literalmente sugados, e quando percebemos tínhamos feito dois curtas.

Nesse meio tempo, eu entrei na faculdade de cinema e foi com Tango que nós percebemos o quanto a animação era uma potência muito grande como cinema, um lugar para poder falar sobre um tópico que nos interessa num formato bastante alegórico e fantasioso, e, ao mesmo tempo, fazer uma arte audiovisual.

Para fazer as animações, as minhas maiores inspirações foram os checos Jiří Barta e Karel Zeman, o filme Planeta Fantástico, do René Laloux, além dos quadrinhos do Moebius.

 

CF: Este é o principal momento da animação brasileira, vide os prêmios recentes conquistados em festivais como o de Annecy. Como você se vê inserido neste contexto? A predileção por uma animação em 2D, mais artesanal, é uma das constantes nessa produção recente. Você se imagina trabalhando com outro estilo de animação no futuro?

PG: Fazer as animações foi algo bem solitário para nós: no período de quatro anos de trabalho, ficamos fechados numa equipe de umas cinco a dez pessoas, dependendo da época. Chamávamos nossa sala de gruta, foi uma imersão muito grande.

Então, um dia eu saí da sala de imersão, e quando comecei a viajar para apresentar os filmes conheci outros animadores e fiquei com a sensação de que está acontecendo um inconsciente coletivo que tem levado muita gente, de diferentes lugares, a produzir animações, como um antídoto para frear a velocidade dos tempos atuais.

A opção por trabalhar com stop-motion, além de ser um freio, parece que reflete uma vontade das pessoas criarem coisas com as mãos. Tenho conhecido muita gente que vem das áreas do design, arquitetura ou escolas de arte com o desejo de pensar audiovisual com as mãos, e o stop-motion tem um pouco desse lugar.

Desde que terminamos Tango, tenho sentido uma urgência em fazer coisas mais rápidas. Acho que os tempos atuais pedem isso, e fazer animação agora é uma verdadeira resistência. Sigo com várias ideias para fazer outras animações, elas surgem naturalmente, e todas são artesanais ou mais experimentais e começam com o papel como material. Eu não me vejo trabalhando com 3D, por exemplo.

 

CF: Tango é inspirado no conto Um Artista da Fome, de Kafka. Quais ideias deste texto estiveram mais presentes na concepção do filme? A temática da circularidade era importante para vocês?

PG: Kafka é metáfora pura e é um prato cheio para fazer uma animação. Além disso, tem uma escrita que fala muito do que eu e Francisco (Gusso) sentíamos na época em que fizemos Tango. Ela é amarga e pessimista, e quando escrevemos a versão final do roteiro o Brasil passava por aquele período pós-reeleição da Dilma, em 2015, com muito ódio e desesperança brotando em nosso País, com tudo polarizado e caótico.

Então, pegamos o esqueleto do conto Um Artista da Fome, que fala sobre a fragilidade humana na ótica de um artista esquecido – o jejuador – que gostaria de ficar mais tempo sem comer, mas que vê sua atração não fazer sucesso como antes.

Montamos o roteiro utilizando de recortes de momentos atuais: as questões hídricas, o desastre em Mariana, a ganância, o ódio brotando e a cegueira religiosa. Juntamos esses elementos com o conceito de descarte que Kafka apresenta: o que antes era bom, agora já não é. E, além disso, será odiado e esquecido.

A circularidade é o próprio Kafka que nos apresenta, e temos visto que as coisas têm funcionado assim: a arte é assim, a política é assim. Para mim, o Kafka entendia perfeitamente o sentido de Sociedade do Espetáculo, por isso o texto dele continua tão atual.

 

CF: Pela falta do som direto em uma animação stop-motion, imagino que o trabalho de desenho de som recebeu atenção especial em Tango. Como a percepção do trabalho de som em animações o influenciou quando pensou o som de A Canção do Asfalto, que já em seu nome faz uma alusão a um som? 

PG: O desenho de som de Tango foi uma das coisas mais prazerosas de trabalhar, porque foi uma criação muito livre. Juntamos alguns amigos e nós mesmos dublamos e fizemos as músicas inspirados nas trilhas do Pink Floyd e do Popol Vuh. Fizemos um verdadeiro remix com trechos de músicas tradicionais zen-budistas, música Mapuche chilena, música indígena do Mato Grosso, trechos sonoros de filmes… Usamos um gato para fazer a dublagem dos macacos e pegamos como referência um filme bastante musical-religioso e alegórico como O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro.

Ao final deste trabalho antropofágico, eu senti a necessidade de fazer algo mais silencioso e delicado. A Canção do Asfalto é um curta que também possui uma série de pequenos elementos que constroem o entorno em que vivem os personagens. Em toda cena tem uma dezena de sons colocados que foram gravados em passeios pelo centro e até mesmo sons das ruas da China, mas com um tratamento mais sutil e naturalista do que Tango.

A grande lição de construir o desenho de som para Tango foi entender que nos próximos trabalhos eu deveria construir o espaço sonoro com menos elementos, uma tarefa difícil. Para mim, o filme fecha como um mantra, com o personagem entrando numa meditação onírica. Por isso a alusão ao som no título.

 

CF: A questão da imigração é um dos temas mais relevantes do mundo atualmente, o que inclui a situação dos refugiados. Recentemente o William Biagioli fez um filme (O Estacionamento) que tinha como protagonista um imigrante, algo que se repete agora em seu filme A Canção do Asfalto. O que fez com que você escolhesse esse tema para o filme? Quais são as particularidades deste tema que você passou a notar no dia a dia em Curitiba?

PG: A Canção do Asfalto é um filme irmão de O Estacionamento, eles surgem no mesmo momento e juntos. Eu e William, que também produz A Canção…, trabalhávamos no centrão de Curitiba naquela época em 2014, e andávamos muito por ali. A questão da imigração foi muito forte na cidade naquele momento, pois vieram muitos imigrantes do Haiti. Uma cidade predominantemente tradicional e branca, enfim sendo colorida com pessoas negras e com uma energia muito diferente. Achávamos isso sensacional, e ao reparar nos imigrantes a gente vê o quanto de vida e humanidade há nestas pessoas que vêm para cá e não se expõem tanto.

Eu já estava neste movimento de fazer filmes antropológicos. Tango também é um curta bastante antropológico para mim, então eu passei muito tempo me perguntando: afinal, quem são esses chineses que sempre estiveram em volta da gente, o que eles fazem quando não estão trabalhando, o que gostam?

Olhar para eles foi também olhar para mim e descobrir que somos mais parecidos do que diferentes. Me apaixonei pela cultura chinesa e desconstruí vários preconceitos e paradigmas, eles são pessoas maravilhosas, gentis e de palavra.

Acho que o que me motivou a fazer um filme com chineses foi realmente esse desejo de olhar e conhecer o outro pela pura curiosidade de conversar com pessoas com histórias diferentes da minha, de saber o que se passa logo ao lado e olhar isso com carinho e respeito. E no final, fazer A Canção do Asfalto foi um trabalho prazeroso para toda a equipe e para os chineses. Ficamos todos amigos e muitos querem participar de mais filmes, rolou uma troca muito grande.

 

CF: Como foi o processo de pré-produção de A Canção do Asfalto (o contato com a comunidade chinesa, a escolha do casting, os ensaios, a escritura do roteiro)?

PG: Desde o início do projeto eu sempre quis criar um método de produção que não fosse convencional, olhava para este filme como uma oportunidade para pensar criativamente a produção também. Eu fui semanalmente por cerca de um ano para ver como era o dia a dia nas lanchonetes, conversei com muita gente, fui almoçar na Comunidade Presbiteriana Chinesa de Curitiba, conversei com comerciantes brasileiros dos arredores, e foi assim que o roteiro foi construído ao longo desse período, em cima de situações reais que eu vi durante as pesquisas e daquilo que conversei.

Nesse tempo eu mapeei todas as lanchonetes do centro e escolhi as que eu gostaria de chamar para participar do filme. Eram pessoas reais que trabalhavam ali. Eu fui com muita cautela fazer a pesquisa para não dar uma impressão errada para eles, já que são tão reservados.

O filme foi se modificando bastante com o decorrer da pré-produção, não foi fácil encontrar chineses que gostariam de participar, ou melhor, que se dispunham a expor a cara e o espaço de trabalho. Eu tive que deixar algumas cordas soltas para o projeto andar, um espaço para o acaso que saiu nas filmagens e nos acompanhou durante todo o processo.

Batemos a cara na porta várias vezes, ninguém tinha tempo para parar as atividades e fazer um filme, eles realmente trabalham muito. Até que um dia, um amigo professor de português para estrangeiros me apresentou um aluno intercambista de Pequim, que é o amigo bem-sucedido de Chen no filme, e depois ele me apresentou o Mengran Zhang, que acabou se tornando o personagem principal.

A partir daí as coisas começaram a ficar mais fluídas, pois ficamos amigos. Ele conversava em chinês com o pessoal das lanchonetes e me ajudou a negociar as filmagens nos lugares e a quebrar o gelo; com o Mengran eu conversava bastante e ensaiei algumas cenas.

Também contei com outras ajudas de comerciantes do centro que eram vizinhos das lanchonetes e que me introduziram nas lojas. O casting foi feito assim, com um bocado de acaso e com as pessoas que apareciam nesta busca dispostas a participar. Quando topavam, era para valer. Os chineses são de muita palavra e pontuais.

Sabendo das limitações dos atores naturais e também das condições loucas que filmaríamos com os negócios em pleno funcionamento, eu decidi então fazer um storyboard detalhado como os que eu fazia para a animação. O storyboard virou o meu roteiro e principal forma de diálogo com todo mundo.

 

CF: O filme abre com um plano do protagonista com um olhar perdido. A ideia de não-pertencimento aparece contraposta, por exemplo, ao português falado pela chinesa pela qual o personagem parece nutrir um afeto especial. De que maneira vocês trabalharam no roteiro e na filmagem pequenos elementos como esses para passar um sentimento de estrangeiro que não idealizasse, por outro lado, a experiência anterior do personagem em seu país natal? 

PG: O roteiro sempre teve arestas em aberto, e eu conversei muito com Mengran para entender sobre a China, ele me ensinou muito. Eu entendi que muitos chineses que vêm para trabalhar em restaurantes e lojas do centro não querem voltar para a China, porque aqui no Brasil, apesar das claras contradições, eles podem ganhar mais dinheiro do que na China, que é um país com muita concorrência.

Aqui eles possuem uma liberdade de vida diferente, que muitos preferem, mas em contraponto a isso eles trabalham exaustivamente e muitas vezes devem favores para os donos do estabelecimento – algo cultural deles, mas que às vezes lhes toma a vida toda.

É o caso real, por exemplo, do personagem do tio Su Guochi. Para que os filhos ou netos tenham uma vida melhor, os chineses passam por uma vida de doação ao trabalho para que a próxima geração aproveite os frutos, e acabam vivendo basicamente no entorno da família, um ajudando ao outro.

Eles não têm um envolvimento mais íntimo com os brasileiros, isso falando dos chineses que trabalham em lanchonetes no centro. Mas, ao entender isso, percebi o quanto eles são parecidos com a gente, que no final das contas é sobre isso a vida mesmo, é um pouco do que os pais fazem em qualquer lugar: trabalhar a vida inteira para sustentar a família.

Mas, e esse cara jovem que não tem filhos, não estudou e veio para cá, como que fica? O futuro dele vai ser aquele que o tio apresenta? Não é exatamente uma escolha sair do seu país, mesmo que aqui eles ganhem mais dinheiro e tenham uma vida tranquila.

Acredito que o sentimento de não-pertencimento é universal, e neste filme eu também falo um pouco sobre como eu me sinto na cidade em que nasci e vivi a minha vida inteira, mas não é todo mundo que se sente assim. Eu acho que A Canção do Asfalto também acaba sendo um filme alegoria sobre o não-pertencimento, sobre se sentir estrangeiro em casa ou fora dela. Acho que os chineses são o povo certo para falar sobre isso. Imagine como é ser chinês num mundo como o de hoje? Há chineses em quase todas as cidades do mundo.

Além destas questões, eu queria fazer algo similar com aquilo que o (cineasta francês) Jean Rouch fez em A Pirâmide Humana. Minha vontade era de envolver os chineses para que inventassem um pouco dos personagens, conversei muito com os atores para escrever o roteiro. Na filmagem em si, eu passava as indicações de cena e eles foram criando as linhas de diálogo. Como eu não entendo chinês, confiei no que eles diziam e os diálogos só foram revelados mesmo na montagem, o que foi uma surpresa e alívio.

Como eu tinha em minha cabeça um rigor estético muito forte, o storyboard também ajudou a chegar nas filmagens com mais segurança e rapidez, dando assim mais tempo para ajustar estes detalhes de cena.

 

CF: O filme lida em seus primeiros minutos com uma ideia de rotina. Por outro lado, os planos que mais se diferenciam, com duração maior e uma movimentação diferente da câmera, são aqueles em que há o rompimento dessas situações cotidianas – o encontro com um conhecido e o final. Gostaria que você comentasse sobre as escolhas dos enquadramentos e a respeito da concepção de montagem do filme.     

PG: O universo chinês é realmente fascinante, eles trabalham com uma estética do acúmulo, tudo é colorido, cheio de gente e de informação, empilhado. Eu queria retratar um pouco desse ambiente e escolhi o formato 4:3 para deixar as coisas mais apertadas e sufocantes para os personagens.

Também tinha como referência visual fotografias e pinturas da era comunista em que todos os personagens se colocam em posição frontal ou 3/4, um enquadramento bastante oriental e que ao mesmo tempo dialoga muito com a técnica de animação em papel que foi usada em Tango.

Decidi trabalhar com o mínimo de movimento possível para deixar as coisas mais estáticas para Chen, e movimentava a câmera somente quando o personagem se modifica psicologicamente, quando ele se revela para nós.

Na montagem, o filme se modificou um pouco, principalmente a ordem das sequências, mas interiormente elas se mantiveram basicamente as mesmas, pois o roteiro foi bastante decupado.

O trabalho maior na montagem foi o de encontrar o tempo interior do filme e fazer ele caminhar para que o personagem chegasse a sua reflexão ao final. A ideia sempre foi a de trabalhar com este movimento: rotina / encontro com o mundo / reflexão interior do personagem / sonho meditação.

 

CF: Como diretor, que tipo de imagem você tem da concepção da curadoria da Mostra Foco, em particular, e da Mostra de Tiradentes, no geral? 

PG: Fiquei muito feliz que A Canção do Asfalto terá sua estreia em Tiradentes na Mostra Foco. Penso ser essa a melhor janela para mostrar pela primeira vez o filme,  pois me parece que ali se encontra um espaço aberto para novos cinemas que buscam encontrar a vida, que vêm surgindo com energia e verdade, experimentação e risco, elementos que toda a equipe tem colocado neste, no Tango e em outros filmes que temos feito em Curitiba.

 

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