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“Os festivais não podem ser horizonte”, diz vencedor da 19ª Mostra de Tiradentes

17/02/16 às 12:11 Atualizado em 20/11/19 as 15:06
“Os festivais não podem ser horizonte”, diz vencedor da 19ª Mostra de Tiradentes

Retrato ficcional de uma trupe teatral que busca viver uma experiência libertária, o filme Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não É Um Urso que Dança, grande vencedor da 19ª Mostra de Tiradentes, não se furta a mostrar contradições na trajetória de seus personagens, como na cena em que uma mãe decide deixar o grupo para cuidar de sua cria.

Reflexões do tipo são comuns ao coletivo do qual faz parte o diretor Thiago B. Mendonça, inclusive com relação ao espaço que seus filmes políticos devem ocupar. “Os festivais não podem ser horizonte. Eu vejo muita gente que produz para os festivais. É difícil eu vir para os festivais justamente porque o que eu gosto mesmo é fazer filme. O espaço dos festivais, por mais que sejamos muito bem recebidos na maioria deles, é algo muito opressivo para mim”, afirma.

Poucas horas antes de receber do Júri da Crítica o Troféu Barroco de melhor filme da Mostra Aurora – seção competitiva destinada a diretores com até três longas-metragens no currículo -, Thiago teve uma longa conversa com o Cine Festivais a respeito da sua visão de cinema e das questões levantadas pelo seu debute em longas.

No vídeo abaixo, realizado em parceria com a produtora Babuíno Filmes, você pode ver as principais falas da entrevista com Thiago B. Mendonça. Se preferir ler o que o diretor disse, transcrevemos abaixo a entrevista na íntegra.

 

 

Cine Festivais: Gostaria primeiro que você falasse sobre a sua trajetória no cinema até a realização do Jovens Infelizes, seu primeiro longa.

Thiago B. Mendonça: Meu pai é muito cinéfilo, e eu sempre vi muitos filmes desde criança. Quando eu era adolescente estudei na classe da Eleonora, filha do Carlos Reichenbach. Quando foi lançado Alma Corsária ele me convidou para assistir, e depois que vi aquele filme, passado nas ruas da minha cidade e discutindo política e estética daquela forma, eu falei: “pô, é possível”. Fazer cinema era algo meio distante, mas quando eu vi que o pai da minha amiga fazia, eu quis fazer isso. Minha aproximação com o cinema vem um pouco daí.

Outro caminho tem a ver com o meu gosto pelo samba. Eu comecei a frequentar a Boca do Lixo (região no Centro de São Paulo que foi reduto do cinema independente nos anos 70) por conta do samba que tinha ali, e lá comecei a conhecer uns velhinhos ligados ao cinema, que ficavam ali na Rua do Triumpho. Eram pessoas que não faziam mais cinema, mas tinham uma paixão grande pela área, e aquilo me encantava muito.

Eu fui para a UnB (Universidade de Brasília) um pouco por acidente, e fiquei pouco lá na verdade. Acho que da UnB o que me vale são algumas amizades, entre elas o Adirley (Queirós), que virou meu parceiro. Mas tanto eu quanto ele falávamos muito sobre cinema, mas não havíamos filmado. Estudamos juntos em 1997; o primeiro filme dele é de 2005 e o meu é de 2008. Então o fazer cinema era muito pensar um cinema que a gente queria que fosse concreto, mas que a gente não via os meios de produção possíveis para realizá-lo.

Meus primeiros curtas eram todos sobre temas ligados à Boca do Lixo: a indústria de quadrinhos de lá (A Guerra dos Gibis), uma revista de cinema (Minami em Close-Up: A Boca em Revista), o diretor Pio Zamuner – que dirigiu os últimos dez filmes do Mazzaropi (Piove, Il Film di Pio). Eu estava discutindo muito o que significa a ideia de cultura popular quando permeada por uma indústria cultural. Isso também estava em O Canto da Lona, curta que fiz sobre circo.

Depois eu me distanciei por bastante tempo do cinema, fiquei muito tempo no teatro, e quando voltei para o cinema já estava discutindo outra ordem de questões. Foram vários filmes que eu fiz, a maioria já na parceria dos coletivos, sobre o fascismo contemporâneo, pensando as heranças da Ditadura, e sobre o que é essa experiência hoje de tentar vivenciar a liberdade num mundo que é cada vez mais fascista, de horizontes rebaixados. E o Jovens (Infelizes ou Um Homem que Grita Não É Um Urso que Dança) eu acho que é uma consequência desse pensamento, é a concretização de muita coisa acumulada nesse processo dos últimos anos.

 

CF: A existência do coletivo envolve discussões não apenas referentes ao cinema. Gostaria que você comentasse como foi o processo de realização do filme e como foi pensada a relação entre teatro e cinema.

TBM: Eu venho de São Paulo, onde a experiência teatral é muito mais viva e fascinante do que a experiência do cinema – pelo menos foi assim nos últimos quinze anos. A gente sempre se referenciou no cinema a pessoas que começaram a fazer suas obras nos anos 60 e 70 em São Paulo que tiveram muita dificuldade de ter uma filmografia continuada, com raras exceções, e quando eu comecei a fazer filmes na cidade era uma experiência muito solitária.

Eu tinha diálogos inclusive com coletivos de outros lugares, o pessoal da Alumbramento, o Adirley (Queirós) com a Ceicine (Coletivo de Cinema em Ceilândia), mas em São Paulo mesmo era uma experiência muito solitária. Não é à toa que daí eu vou para o teatro, para vivenciar uma experiência não só de construção estética e política dentro de um coletivo, mas também porque o teatro era e é muito formador. Era um pouco para tentar aprender a fazer uma arte libertária.

Essa é uma experiência que não acontece só comigo. Grande parte das pessoas que estão no filme queria fazer cinema, mas elas acabaram se incorporando nas companhias de teatro para ter uma formação mesmo, dessas que você não vai ter nos cursos meio tecnicistas que existem por aí. No fundo eu acho que as escolas de cinema têm feito muito uma deformação mesmo da cabeça das pessoas no sentido de que elas têm que se encaixar em uma lógica industriosa que é falaciosa e criminosa, porque ela tolhe a experimentação de um cinema mais livre, mais autoral.

Daí é natural que o teatro permeie o filme, porque grande parte das pessoas era desse grupo de teatro. Esse experimento do Jovens começa como uma peça e depois a gente decide que seria um filme para dar conta do processo que a gente estava querendo. Pra gente também não interessa tanto o formato final, podemos fazer filme, teatro, os dois, depende do que dá conta do que a gente quer falar, e nesse caso a gente percebeu que seria um filme. Mas a lógica era processual, tal qual o teatro. Havia ensaios, discussão, leituras de textos, com a ideia de todo mundo ter voz e realizar uma construção coletiva.

 

CF: Como se deu o financiamento do filme e qual foi o processo de criação em relação ao roteiro?

TBM: A gente tentou, mas não conseguiu nenhum apoio, mesmo no edital de finalização. Esse projeto foi rejeitado em todos os editais, seja em nível federal, municipal ou estadual. Mas o filme era necessário para a gente e resolvemos fazê-lo do jeito que desse.

O que eu fiz foi entrar em um edital com um roteiro que provavelmente nunca vou realizar, e peguei o dinheiro (R$ 40 mil) para fazer esse filme. No fundo era um pouco falar: “olha, tá bom, vocês querem que a gente engane vocês, a gente vai enganar”. Escrevi o roteiro de um projeto que não necessariamente me interessava. Eu não vou filmá-lo, mas eu realizei esse filme. Foi esse o jogo, para a gente ter o mínimo de recursos.

Sobre o processo de roteirização, eu tinha um roteiro básico, e até pela estrutura do filme, vindo de trás pra frente, eu tinha que ter muito rigor na construção do roteiro. Mas ao longo do processo de ensaios a gente reescreveu o roteiro inteiro. A primeira versão dele tinha 50 páginas e a última tinha mais de cem.

Trabalhamos muito com as colaborações não só dos atores, mas de toda a equipe. Muitas vezes eu via alguma coisa que a pessoa tinha escrito em outro lugar e “roubava”, havia muitas propostas dos atores, e fui reconfigurando esse roteiro a partir disso.

Agora, eu escrevi o roteiro já pensando nos atores. Pelo menos no núcleo central, todos os personagens são inspirados neles próprios, e isso causava uma tensão entre a auto-imagem que eles tinham e aquilo que eu estava propondo enquanto imagem deles, e desse choque surgiu outra coisa que acabou configurando o roteiro final.

 

CF: É comum você encontrar no Brasil cineastas que costumam ganhar editais, mas que depois que são financiados fazem o filme que têm na cabeça. Isso me fez lembrar da definição do Martin Scorsese sobre os cineastas “contrabandistas” da indústria americana, que seriam aqueles que conseguiam financiar os filmes deles, agradavam à indústria de certa maneira, mas faziam o que queriam e com autoralidade. Você acha que os diretores mais interessantes do cinema brasileiro atual são espécies de “contrabandistas”?

TBM: Eu acho que não, a gente não tem indústria. O que existe é uma falácia de “ah, estamos disputando mercado”. Mentira, a gente não está disputando nada. O que eu acho primeiro é que não há classe (cinematográfica). Grande parte de quem trabalha nisso quer viver uma vida burguesa pra caramba, chegar, viajar para Paris, ficar fazendo não sei o quê, e ficar nessa putaria com dinheiro público. E fazendo filmes muito caros com dinheiro público. Isso eu acho foda, porque quando você concentra muito em um significa que vários vão ficar sem possibilidade de produzir.

Eu venho de várias experiências de filmes de amigos em que as pessoas fazem no peito e na raça porque aquilo é vital, não é uma questão de chegar e ficar viajando pra lá e pra cá em festival, mas de chegar e se expressar de fato. De estar na vida fazendo filmes.

E eu acho que a gente tem que chegar e colocar o pé na porta, falar: “cara, a gente não aceita essa forma que vocês estão chegando e propondo que a gente tenha que fazer cinema”. A gente não aceita isso porque é imoral. É imoral alguém pegar R$ 5 milhões ou R$ 6 milhões do Estado para fazer um filme que, pô, ninguém vai ver. Se o filme é fundo perdido tem que ser filme inventivo, de risco, não essas piadas que a gente vê hoje no cinema brasileiro.

Agora, o que eu acho lindo é que quando eu comecei a fazer cinema era muito mais reduzido o número de diretores que estava disposto a chegar e pôr o pé na porta, e hoje eu vejo que há uma coisa muito mais rigorosa no horizonte, já há um campo de diretores que não aceita essa ordem das coisas do jeito que está posta. Então acho que a gente já pode entrar em um debate muito mais franco e combater coisas que não vêm de agora, vêm da Ditadura, dessa proposta de um cinemão que é covarde, que fazia acordo com uma Ditadura sanguinária, com uma aliança para promover não um cinema que nos represente, mas uma indústria cultural tacanha, tal qual os realizadores que toparam esse tipo de coisa.

 

CF: No seu filme aparece uma “palestra” do Andrea Tonacci, que curiosamente é homenageado da 19ª Mostra de Tiradentes. Como se deu esta inserção e quão importante é para o seu trabalho o Cinema Marginal?

TBM: A coisa do Tonacci foi por acaso. A gente ia passar o filme dele no cineclube dos coletivos e estávamos saindo da filmagem para ir para lá. Aí na hora eu tive a ideia de colocar os atores filmando. Eu não sabia como seria a conversa com ele, mas de certa forma, quando eu ouvi o que ele falou, pensei que tinha tudo a ver com a estrutura do filme.

O Tonacci é uma referência total justamente por nunca ter compactuado com essa bobagem de indústria, de mercado, e de ter feito sempre filmes íntegros, verdadeiros. A gente tem o maior respeito por ele, pelo Carlos Reichenbach, também citamos duas vezes em nosso filme o A Agonia, do (Julio) Bressane… São autores que de fato mostram um horizonte para a gente. Quando você vê pessoas que chegam na maturidade com esse grau de integridade, isso para a gente é um horizonte.

Acho que é olhar para trás para poder ver o futuro também. Ver a experiência dessas pessoas, que o tempo inteiro estiveram na contramão, para poder construir os nossos passos seguintes. Ter a calma e a paciência para saber que nada vai ser fácil. A gente não é inocente, temos que brigar, mas independentemente de qual a abertura teremos para fazer nossos filmes, a gente vai continuar fazendo. A maior contribuição que a gente pode dar para o cinema é justamente a nossa teimosia.

 

CF: Além dessa influência dos diretores brasileiros há no filme referências às experiências do comunismo soviético e cubano. Uma questão que você coloca desde o início é “o que é a utopia hoje”, e também tem essa coisa de ter que destruir tudo para poder recomeçar. Eu queria que você falasse sobre essa questão das novas utopias: por que se referir tão diretamente a essa utopias passadas?

TBM: Eu acho que o filme tenta chegar e nos reconectar com experiências. Não necessariamente ele compra as experiências passadas, ele está tentando chegar e reconstruir, a partir dos escombros do que a gente vive no presente… E sem dar respostas também. Acho que o filme é um pouco esse tentar construir a partir dos escombros. Esse passado da esquerda também é parte disso.

Acho que o próprio viver de arte hoje do modo que a gente vive, e fazer algo que conecta arte e vida de um modo radical, vivenciar uma experiência de liberdade até o talo, é parte, talvez, de tentar reconstruir uma utopia de estar corporalmente na vida, porque acho que o cinema também é corpo. A gente o tempo inteiro no filme experiencia o que estamos propondo.

Eu venho de uma geração que foi rifada de todos os projetos de construção que tivessem horizontes utópicos. Nós somos os filhos de 68. A gente viveu muito um discurso que é: “olha, a gente tinha isso, a gente acreditava em tal coisa, mas vocês têm que viver esse presente”. Um presente que é muitas vezes insuportável.

Acho que a palavra fascista é muito própria para o que a gente tem vivido hoje, até no sentido do (Pier Paolo) Pasolini, em seu texto Jovens Infelizes, no qual ele fala do “fascismo do consumo”. Nossa geração foi condenada pelos erros dos nossos pais, o que nos faria menos culpados, dentro da construção do Pasolini. É um pouco em relação a isso que a gente está tentando se chocar nessa construção. Nós somos filhos dessas derrotas, somos a geração da distopia, e é contra isso que a gente está tentando se chocar. Aí não é o projeto do filme em si, mas sim de uma geração de artistas da qual eu faço parte.

 

CF: Já que você tem uma proximidade com o Adirley Queirós, pensando um pouco na construção do Branco Sai, Preto Fica, em muitas entrevistas ele disse que não há diálogo possível com as instituições, por elas estarem em um nível muito superior em termos de opressão. O que o filme dele faz eu acho que é um movimento parecido com o do seu no sentido de “destruir” tudo para que possa haver algum tipo de diálogo – não sei se essa é a melhor palavra para o caso do seu filme. O seu filme, além da música final, propõe isso muito através da narrativa de trás para frente, que desconstrói a própria trajetória daquelas pessoas. Como você vê essas questões?    

TBM: Não sei se a gente tenta destruir ou se a coisa já foi destruída e a gente não percebeu. Talvez a gente esteja no fim de um ciclo histórico, que acho que ainda vai se prolongar, mas que se trata justamente das esperanças rifadas da redemocratização. Não é à toa que a gente vê PT e PSDB, os dois partidos que surgiram desse processo, vivendo a lama que estão vivendo. E a partir disso, de fato, a gente tem que destruir o que a gente tem hoje como instituição para construir algo novo. Não dá mais para a gente compactuar com o que as pessoas chegam e colocam para a gente como horizonte. “Resta agora para vocês fazer isso”. Isso não interessa.

Eu acho que essa capacidade de negar o que as pessoas impõem é a maior herança que a gente pode deixar para o futuro. Quando eu vejo os moleques que ocuparam as escolas lá em São Paulo, crianças que resistiram à violência do Estado e impuseram a primeira derrota que esse governador (Geraldo Alckmin) fascista teve desde que chegou ao poder, aí eu vejo um horizonte de utopia, de esperança.

Em relação ao Adirley eu vejo muito a gente tentando chegar e construir um discurso a partir de uma experiência geracional, que no meu modo de ver não é etária. Acho que de certa forma eu, o Adirley, o Lincoln (Péricles), o Bruno (Mello Castanho), a Adriana (Barbosa), vários diretores que são de idades diferentes, mas vivenciam a mesma experiência de fazer cinema, discutindo as mesmas temáticas no mesmo momento histórico. Os nossos filmes dialogam não só porque somos amigos há muitos anos, mas porque a gente está tentando dar respostas aos mesmos problemas. Nem sei se dar respostas também, não sei se o cinema faz isso, mas ao menos trazer as perguntas, talvez isso seja o mais importante.

 

CF: Sobre a questão do coletivo, eu vejo um pouco no filme uma tentativa de demonstrar expor contradições e não tentar idealizar demais aquela experiência. O quanto isso era uma preocupação para você?

TBM: É uma preocupação no sentido de que as experiências que a gente está falando são muito próximas a nós. Os personagens são inspirados na nossa vida cotidiana. Então o tempo inteiro tinha uma ideia de se rasgar um pouco, de se expor, e de colocar as nossas contradições em xeque. Talvez por isso as pessoas fiquem incomodadas em alguns momentos do filme, porque é isso, a gente está inteiro ali, né? Vivendo experiências que são nossas, concretas.

A contradição da paternidade, por exemplo, é algo que eu vivo, eu tenho filhos, então essa coisa de você chegar, querer viver uma experiência de liberdade extrema, e ao mesmo tempo ter essas responsabilidades é algo que está também na minha vida, e na de outras pessoas do coletivo, assim como a contradição de você ter que comer, ter que pagar as contas e ao mesmo tempo querer viver até o talo essa experiência de criação.

Isso está posto para a gente em todas as nossas discussões, e muitas vezes de uma forma muito dolorosa, porque de fato as pessoas passam dificuldades. Tem parceiro nosso que não tem dinheiro para pegar o ônibus para encontrar a gente e discutir as questões que nos interessam. Enquanto tem gente que se locupleta, a gente convive com pessoas que vivem no limite mesmo da sobrevivência.

Eu acho que é um pouco disso que a gente está falando, dessas contradições do cotidiano, então talvez por isso que essas coisas afloram no filme de um modo verdadeiro, porque a gente não está falando de algo externo à gente, estamos falando de nós.

 

CF: Essa questão do “verdadeiro” aparece no filme na ida a manifestações reais e também através da relação do governador fictício do filme com uma frase dita pela Geraldo Alckmin. Havia uma preocupação em não personalizar essa discussão?

TBM: A gente usa uma frase fascista, “quem não reagiu está vivo”, que foi dita com uma total impunidade. Mas não acho que seja uma questão desse governador em si, é uma experiência geracional, de pessoas que muitas vezes viveram a experiência de resistir à Ditadura, lutaram contra ela, e hoje são a instituição. Poderia ser ele (Alckmin), mas poderia ser o Serra, o Zé Dirceu. Quem é o personagem é o menos importante neste sentido, mas o que ele representa em termos inclusive do que propõe para a geração que vem.

E ele representa a política, tal qual foi colocada para a gente. Representa um discurso cínico: “eu também acredito nos seus sonhos”. Não, você não acredita. Eu passei a vida toda ouvindo das pessoas mais velhas esse discurso, e hoje eu já não sou moleque e continuo na minha linha, como o Adirley continua na linha dele.

Essa coisa de que a idade vai te trazer um lugar de acomodação não é verdade para muita gente, inclusive para as pessoas que a gente admira no cinema. E por isso também vem essa insistência de fazer um cinema incômodo, que não tenha nenhuma necessidade de chegar e dialogar com qualquer possibilidade de indústria, de mercado, e chegar e dizer: “isso não interessa pra gente”. O que interessa é fazer os filmes da forma mais íntegra e verdadeira possível.

 

CF: Qual é o espaço dos festivais nesse cinema político de vocês?

TBM: Festival é um lugar para se mostrar e discutir os filmes. Não é o único e não pode ser o único. Se a gente limitar os filmes a esses espaços, aí é a morte mesmo dos filmes, porque é fundamental que esses trabalhos dialoguem com públicos mais amplos.

Os festivais não podem ser horizonte. Eu vejo muita gente que produz para os festivais. É difícil eu vir para os festivais justamente porque o que eu gosto mesmo é fazer filme. O espaço dos festivais, por mais que sejamos muito bem recebidos na maioria deles, é algo muito opressivo para mim. Nós somos corpos estranhos aqui. Se você chegar e pegar a equipe do Jovens, a equipe do filme do Lincoln (Filme de Aborto), a gente sempre é um pouco algo que não se encaixa. Seja nos nossos discursos, seja nas nossas propostas, mas seja na nossa corporeidade também.

E a gente entra numa contradição de chegar e fazer os filmes para tentar romper com uma experiência de dominação e de classe, e ao mesmo tempo acaba indo muito para espaços onde essa dominação está dada. Então, lógico, as contradições estão postas, a gente tem que pensar isso nos nossos processos, mas não ficar refém delas.

Os festivais são espaços para serem utilizados, disputados em discurso, em expor as nossas ideias, ver o que os outros produzem e a potência do diálogo que isso pode ter. Entender que a gente tem outros pares em outros lugares do Brasil… Talvez a melhor coisa de eu ter vivenciado essas experiências de festivais tenha sido encontrar pessoas que estão produzindo coisas como a gente produz, e às vezes ter experiências com o publico que são muito interessantes, de como isso toca as pessoas. Mas tem que ter clareza de que no geral são espaços muito elitizados, e isso é um problema.

 

CF: Como tem sido a sua experiência com o primeiro longa-metragem em Tiradentes, e como avalia de modo geral o circuito de festivais no País?

TBM: Minha experiência aqui está sendo rica no sentido de que é um filme de risco que a gente mostrou pela primeira vez. As conversas em torno dele têm sido interessantes, até para a gente ressignificar os nossos processos, porque agora o filme é outra coisa, que deixou de ser nossa reflexão interna e passou a ser uma reflexão compartilhada. Acho que está sendo o momento de vivenciar isso, mas no nosso caso, em que muita gente da equipe resolveu vir, está sendo uma ode à amizade que a gente tem ali. Uma coisa de saber que a gente está junto em um projeto estético e político em que acreditamos.

Quanto aos festivais, não sei se é o caso de apontar um festival ou outro, até porque os festivais têm momentos diferentes. O que eu na verdade espero dos festivais de um modo geral é que eles possam se abrir às coisas que estão surgindo de um modo mais radical, abrir espaço um pouco para o que não seja mais do mesmo, e abrir mais espaço para discussão de verdade, porque muitas vezes grande parte do circuito é puramente “pão e circo”, e quando isso se dá é uma tristeza muito grande.

Os festivais que eu mais gosto de ir são os que acontecem no interior de alguns lugares. Adoro ir para Triunfo (PE), Cachoeira (BA), que são espaços onde você tem uma imersão também com a comunidade e que te tiram de um lugar de conforto para um lugar de confronto com outro tipo de público. Nesse sentido é muito interessante que haja um circuito cada vez mais amplo de festivais. Agora, por outro lado, não dá para você chegar e achar que isso é horizonte de nada, porque não é. A gente tem que chegar nas pessoas de outro modo, de preferência sem intermediários, inclusive.

 

Veja também:

>>> Entrevista com Adirley Queirós

>>> Cobertura da 19ª Mostra de Tiradentes

 

*Jovens Infelizes ou Um Homem que Grita Não É Um Urso que Dança será exibido na Mostra Tiradentes SP, que acontece no CineSesc, em São Paulo, de 17 a 23 de março

 

** O repórter viajou a convite da 19ª Mostra de Tiradentes

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