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O lugar que mais me deixa indefeso é o sertão, revela Walter Carvalho

04/10/14 às 09:00 Atualizado em 21/10/19 as 23:17
O lugar que mais me deixa indefeso é o sertão, revela Walter Carvalho

Submeter a prata da emulsão fílmica à luz, enveredando por caminhos alternativos na pesquisa fotográfica que originou a imagem de Madame Satã, de Karim Aïnouz, ou colocar a câmera nos ombros e deixá-la à mercê da intuição do olhar e dos condicionantes de uma campanha política, espremendo-se em elevadores e aviões, registrando o possível para o documentário Entreatos, de João Moreira Salles. Compreender e arquitetar o rigor formal das imagens de Luiz Fernando Carvalho, ou topar a sujeira e sensualidade da câmera de Claudio Assis. Se há, no mundo, um diretor de fotografia que construiu uma carreira tão gloriosa quanto eclética, esse homem é Walter Carvalho. O fotógrafo paraibano é o homenageado na mostra A Luz (Imagem) de Walter Carvalho, que vai até 15 de outubro no Caixa Belas Artes.

“Um jovem realizador de talento e um cardeal do cinema disputam em igualdade de condições o privilégio de trabalhar com o Walter”. A fala de João Moreira Salles é indicadora da vitalidade e da paixão do cineasta e diretor de fotografia na entrega ao que há de mais extasiante no fazer cinematográfico: a invenção, o eterno buscar de novas imagens, de novas maneiras de enquadrar, de focar, de iluminar. Com a energia que lhe é habitual, Walter conversou com o Cine Festivais no dia da inauguração da mostra em sua homenagem. O resultado da entrevista pode ser conferido a seguir.

Cine Festivais: É possível montar um panorama do cinema brasileiro nas últimas três décadas só a partir dos filmes que você fotografou. Como a fotografia do cinema brasileiro evoluiu nesses últimos anos? 

Walter Carvalho:  A grande proposta inaugural de um olhar fotográfico no cinema nacional, de forma absolutamente nova e vanguardista, foi em 1929 e 1930. Depois, há alguns trabalhos que se destacam, mas o que realmente chama a atenção para a construção da imagem no cinema brasileiro é o Cinema Novo. Hélio Silva, Ricardo Aranovich, Fernando Duarte, Affonso Beato, Dib Lutfi, todos apontam uma nova maneira de pensar e de propor a imagem. Depois disso, a tecnologia se desenvolveu de uma forma que só beneficiou as próximas gerações. No momento em que vivemos, as novas tecnologias e o digital, para mim, ainda não constituíram uma nova linguagem, ainda são sintomas. Então, quando um cara vê uma imagem digital maravilhosa ele diz assim: “parece cinema!”. É curioso isso. Por que ele não diz que “parece digital!”? A cada momento em que o tempo passa, a pesquisa avança numa velocidade maior que o próprio tempo. No dia seguinte já surge um chip novo e você não conseguiu sequer decodificar a inovação anterior. Não dá tempo de você gastar, descobrir, elaborar, inventar, destruir essa tecnologia.

Como vê o avanço tecnológico na pós-produção e a reverberação disso na atuação do diretor de fotografia?

O grande avanço tecnológico que demos na Era Digital é na pós-produção. Por mim, eu continuaria captando com película e pós-produzindo em digital, porque a velocidade do trabalho digital na pós é muito mais rápida. Você faz fusões e fades apertando um botão, é incrível, mas a Gestalt da película, pra mim, ainda não foi superada.

Recentemente, você fotografou a série O Canto da Sereia, da Rede Globo, e comemorou o fato de, finalmente, usarem câmeras que não precisam de cabo, o que te dava liberdade. Há muitas diferenças entre o seu trabalho para a TV e para o cinema?

Tanto no caso de Canto da Sereia, quanto no caso de Amores Roubados ou de O Rebu, fui convidado para fazer a fotografia mas deixei muito claro que, para isso, eu teria que fazer a câmera. Na televisão, é comum o câmera não fazer a luz e o diretor de fotografia não fazer a câmera. Esse meu pedido impôs ao sistema do canal a ausência de cabo; não dava para eu correr atrás do Cauã Reymond com cabo e cabo-man. E também levei meu pessoal de cinema (foquista, maquinista, etc.) e misturei com o pessoal da TV. Acho que houve ali uma semente que frutificou entre nós uma ideia de imagem a ser desenvolvida.

Em sua carreira, você viajou pelo Brasil inteiro, filmando nos mais diversos lugares do país. Qual foi o local que mais te marcou e por quê?

O primeiro filme que fiz – e que mal sabia por que estava fazendo – foi num canavial. O longa era dirigido pelo meu irmão (Vladimir Carvalho), se chamava Excelência para um Trem de Ferro e se passava no interior da Paraíba. São imagens inesquecíveis para mim. Não são fazendas fechadas, eles vão plantando em qualquer lugar e vai se criando aquele deserto, no sentido da ausência de outro tipo de plantação que não seja a cana. Quando o vento bate sobre o canavial, a impressão é a de um mar verde.

Mas acho que o lugar que mais me seduz e que mais me deixa indefeso é o sertão. Às vezes vou a Recife ou a João Pessoa fazer algum trabalho e, no fim das gravações, pego o carro e parto, sozinho, até o sertão. Fico andando por lá, ouvindo o silêncio do espaço vazio, olhando e sentindo a luz inclemente. Com o sertão tenho uma relação que não sei se é nostálgica, se é romântica ou se é tudo isso junto.

O quanto esse envolvimento com a fotografia influencia em seu trabalho como diretor? Assim como muitos dos diretores que já foram (ou ainda são) fotógrafos ou pintores, você também começa a construir o filme a partir de imagens?

Quando comecei a me interessar por História da Arte e descobri o Renascimento, parei tudo o que estava fazendo e fui estudar pintura. Quando garoto, influenciado pelo meu irmão, eu gostava muito de desenhar, e até hoje eu estudo pintura. Não faço para mostrar, mas meus desenhos, meus guaches ou minhas aquarelas fazem parte de um exercício de imagem que talvez tenha a função de me ensandecer. Digo isso porque a repetição quase diária de iluminar com refletores leva você a automatizar certos gestos. Então, minha tentativa de compreender melhor aquilo que estou fazendo é desenhando, pintando e tendo aula. Eu tenho um professor, faço três horas seguidas de aula.

Pintura a oléo também?

Não, “a óleo” eu nunca me arrisquei. Faço em tinta acrílica, guache, grafite, nanquim, etc. Faço uma mistura de técnicas, mas a base é a acrílica. Estou resistindo ao óleo, mas ainda vou chegar lá. É que o óleo requer tempo; a tinta acrílica seca rápido e você não trabalha tantas camadas quanto você trabalha na pintura a óleo. Eu tenho medo do óleo ainda. Eu fico vendo o meu professor pintar…às vezes eu chego tão travado com a coisa da imagem que eu prefiro ficar assistindo ele pintar. Outro dia ele fez um retrato meu e foi incrível. Então, mesmo dirigindo, estou muito mais relacionado com a imagem. A literatura é uma dica,  é um meio, mas a pintura é a matéria da dramaturgia. Quer ver? Olha a Escola de Atenas, de Rafael, ou a Santa Ceia, de Da Vinci. Quer algo mais narrativo do que aquilo?

Se olharmos para fora do Brasil, é comum vermos duradouras parcerias entre diretores e diretores de fotografia. Muitos destes, inclusive, são reconhecidos por alguma unidade estilística. Você, por outro lado, possui uma carreira eclética, em que realizou desde imagens cuidadosamente pré-concebidas até calorosas filmagens documentais. Experimentar de tudo no cinema foi uma decisão consciente ou foi fruto dos acasos durante a carreira?

Eu estava pensando nisso um tempo atrás e vi que eu ficava intercalando documentário e ficção. E eu comecei a ver que eu levava para a ficção coisas que eu só conseguia fazer no documentário e vice-versa. O João Cabral de Melo Neto diz não saber por que o cinema precisa imitar a realidade. Para ele, todos os filmes deveriam ser documentários. Essa alternância na minha carreira fez com que, para mim, não existisse tanta diferença entre os dois. O problema maior é o da representação. A imagem vai muito bem, obrigado.

Serviço

A Luz (Imagem) de Walter Carvalho

Local: Caixa Belas Artes (Rua da Consolação, 2423 – Consolação – São Paulo – SP)

Data: De 2 a 15 de outubro de 2014

Telefone: (11) 2894-5781

Ingressos: R$10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia)

Site: http://caixabelasartes.com.br

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