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Mostra em São Paulo destaca cineastas poloneses pouco conhecidos no Brasil

14/10/15 às 12:10 Atualizado em 20/11/19 as 15:09
Mostra em São Paulo destaca cineastas poloneses pouco conhecidos no Brasil

Quando se fala em cinema polonês, logo vem à cabeça do cinéfilo brasileiro nomes como Andrzej Wajda, Roman Polanski e Krzysztof Kieślowski. Com o objetivo de alargar essa lista, trazendo filmes que retratam as mudanças ocorridas na sociedade e na cultura da Polônia a partir dos anos 40 até o pós-Guerra Fria, a Histórias de Transformação: Mostra de Cinema Polonês vai exibir em sessões gratuitas no Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo, entre os dias 15 e 19 de outubro, seis filmes realizados entre as décadas de 60 e 90 no país europeu.

“A maioria dos filmes que exibimos durante a mostra capta algum momento decisivo na história da Polônia”, conta Ela Bittencourt, que fez a curadoria do evento ao lado de Michał Oleszczyk, diretor artístico do Festival de Cinema de Gdynia – o maior festival de cinema nacional na Polônia.

A mostra exibe filmes dos diretores Marcel Łoziński (Como Viver), Wojciech Jerzy Has (Como Ser Amada), Maciej Dejczer (300 Milhas Até o Céu), Piotr Szulkin (O-bi, O-ba: O Fim da Civilização), Krzysztof Krauze (Dívida) e Dorota Kędzierzawska (Corvos).

Em entrevista por e-mail ao Cine Festivais, Ela falou sobre as particularidades de cada trabalho, a importância do contexto histórico em que estavam envolvidos e o atual momento do cinema polonês.

 

Cine Festivais: A seleção de filmes das décadas de 60, 70, 80 e 90 vai ao encontro da proposta da mostra de traçar uma narrativa sobre a Polônia através das décadas. Como a curadoria chegou a esses seis filmes? O que os une e quais são as características históricas do país que mais são expostas direta ou indiretamente por esses filmes?   

Ela Bittencourt: A maioria dos filmes que exibimos durante a mostra capta algum momento decisivo na história da Polônia. Entre eles, Como Ser Amada, de Wojciech Jerzy Has; Como Viver, de Marcel Łoziński; e O-bi, O-ba: O Fim da Civilização, de Piotr Szulkin, são filmes com temas políticos.

O que também é semelhante nesses três filmes é a abordagem irônica. Em Como Ser Amada, Has polemiza com o nosso maior diretor, Andrzej Wajda, pois nos filmes de Wajda a história sempre tem uma dimensão épica. Has é contra-épico; ele é um moralista irônico, cujos personagens são anti-heróis.

Já os filmes de Łoziński e de Szulkin são alegorias com tons absurdos: o documentário criativo de Łoziński mostra o clima paranoico da Guerra Fria, e a ficção científica de Szulkin questiona a tendência humana por grandes utopias. Ao mesmo tempo, ambos são criticas fortes à mídia, o que os torna muito relevantes para o público contemporâneo.

 

CF: A opção por deixar fora da seleção filmes de cineastas poloneses mais conhecidos aqui, como Kieślowski, Wajda, Polanski e Żuławski, está relacionada com uma vontade de apresentar aos brasileiros nomes também importantes da cinematografia polonesa, mas que não obtiveram grande espaço de exibição aqui no Brasil?

EB: Com certeza. Wojciech Jerzy Has, por exemplo, embora seja bem conhecido, é frequentemente apresentado como um diretor surrealista. Mas, apesar de seus filmes fantasmagóricos, como O Manuscrito de Saragossa, já terem sido exibidos fora da Polônia, Has dirigiu inúmeros excelentes dramas psicológicos que também merecem ser vistos.

Como Ser Amada é um raro filme da Escola Polonesa de Cinema que mostra o ponto de vista de uma personagem feminina. Mostraremos também Corvos, de Dorota Kędzierzawska, um delicado retrato de uma menina polonesa, que se destaca pela bela cinematografia e que foi exibido na 18ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Já os diretores Piotr Szulkin, cujos filmes passaram recentemente por Nova York, e Maciej Dejczer, são exibidos no Brasil pela primeira vez.

 

CF: De que modo o regime comunista e a censura por ele imposta influenciaram os filmes poloneses? O documentário Como Viver é um dos principais exemplos de resistência por meio da sátira a esse regime autoritário? Comente sobre ele.

EB: A sátira, sem dúvida, foi uma das ferramentas usadas pelos cineastas poloneses contra o regime autoritário. Entre os documentaristas, Marcel Łoziński é o nosso maior satírico, juntamente com diretores como Piotr Szulkin e Wojciech Wiszniewski, ainda desconhecidos no Brasil. Todos foram frequentemente censurados.

Como Viver, de Łoziński, que exibimos na mostra, foi filmado em 1977, mas estreou somente em 1981. Às vezes, os filmes eram exibidos clandestinamente. Alguns só chegaram aos cinemas depois da queda do regime comunista. A pressão política fez com que alguns cineastas, como Krzysztof Kieślowski, desistissem do cinema documentário. Outros, inclusive Andrzej Wajda, Jerzy Skolimowski e Agnieszka Holland, imigraram.

Porém, paradoxalmente, a censura também estimulou a criatividade dos diretores. Os filmes desse período, frequentemente baseados em literatura, são extremamente ricos em ilusões e metáforas, e possuem técnicas inovadoras. A escassez de rolo obrigava os cineastas a planejar rigorosamente os aspectos visuais.

 

CF: Quais características da Polônia pós-comunista estão presentes nos dois filmes da mostra feitos nos anos 90 (Dívida e Corvos)?

EB: A mostra apresenta duas grandes transformações: o começo do comunismo e a queda do Muro de Berlim em 1989. A segunda transformação foi muito mais rápida. 300 Milhas Até o Céu, de Maciej Dejczer, capta a confusão e a instabilidade pela qual a Polônia passou no começo dos anos 90.

Dívida, de Krzysztof Krauze, é uma crítica da sociedade polonesa pós-comunista, que começa a se preocupar demais com sucesso e a se tornar consumista.

Corvos, de Dorota Kędzierzawska, é uma tentativa de fugir dos grandes temas políticos, e das histórias protagonizadas por homens, buscando uma linguagem mais intimista e personagens que são geralmente excluídas da cinematografia nacional.

 

CF: Qual foi o reconhecimento obtido por estes cineastas com filmes na mostra em grandes festivais internacionais? Você diria que eles são pouco conhecidos até mesmo na Europa Ocidental?

EB: Wojciech Jerzy Has foi premiado em Cannes por O Manuscrito de Saragossa (1973). Piotr Szulkin ganhou prêmios no Festival Oberhausen pelos curtas Mulheres Trabalhadoras (1973) e Carne (1994). Dorota Kędzierzawska ganhou o Coup de Coeur em Cannes e foi indicada para o Oscar por Corvos em 1994. Mas, apesar dos prêmios, a maioria das obras que mostramos ainda não foi vista pelo grande público.

 

CF: Dos anos 2000 para cá, você acha que o cinema polonês seguiu com o mesmo vigor criativo? Quais cineastas que começaram a lançar filmes mais recentemente você pode destacar?

EB: A indústria cinematográfica polonesa quase desmoronou em 1989, quando o Muro de Berlim caiu e o mercado foi conquistado pelo cinema americano. Felizmente, isso mudou em 2005, com a criação do Instituto Polonês de Cinema, que financia novas produções e divulga o cinema polonês no mundo.

Morei por 20 anos em Nova York e presenciei o impacto que o Instituto teve lá, com mais filmes poloneses apresentados nos últimos anos. O trabalho de restauração das obras-primas, inclusive as três da mostra (Como Ser Amada, O-bi, O-ba e Dívida), também ajuda na divulgação.

Filmes como Ida, de Paweł Pawlikowski, que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro no ano passado, e de novos cineastas emergentes, como Małgorzata Szumowska, Wojciech Smarzowski e Andrzej Jakimowski, testemunham o renascimento da nossa indústria cinematográfica.

O fato de cineastas mais consagrados, como Polanski, Holland, Skolimowski e Pawlikowski, que já trabalham bastante fora, recomeçarem a fazer filmes na Polônia, é também bastante positivo.

Já entre os documentaristas, além de mestres como Łoziński, há uma nova geração, representada por cineastas como Wojciech Staroń, Bartosz Konopka, Michał Marczak e Hanna Polak. Neste ano, uma diretora polonesa, Teresa Czepiec, ganhou o prêmio de melhor curta no Festival É Tudo Verdade por seu filme Supercondomínio.

 

CF: A ideia da curadoria é realizar outras edições da mostra no futuro, com outros filmes poloneses de diferentes épocas?

EB: Com certeza. Gostaríamos de mostrar o cinema polonês mais recente, destacando os novos talentos. Mas há também outros períodos marcantes, como o nosso Cinema Novo, que, apesar de não ter condições para ficar tão desenvolvido como o Cinema Novo brasileiro ou a Nouvelle Vague francesa, tinha muito para oferecer. Outra vertente do cinema polonês que ainda está relativamente inexplorada é o documentário, particularmente o documentário criativo.

 

Serviço

Histórias de Transformação: Mostra de Cinema Polonês

Data: De 15 a 19 de outubro de 2015

Local: Centro Cultural Banco do Brasil (Rua Álvares Penteado, 112 – Centro – São Paulo – SP)

Entrada gratuita – retirada de senha a partir de uma hora antes da sessão

Telefone: (11) 3113-3651

Site: http://culturabancodobrasil.com.br/portal/historias-de-transformacao-mostra-de-cinema-polones/

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