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Menos De Niro, mais Dardenne: ator de filme premiado fala sobre personagem

26/10/16 às 18:37 Atualizado em 13/10/19 as 23:04
Menos De Niro, mais Dardenne: ator de filme premiado fala sobre personagem

De Robert De Niro a Sylvester Stallone, não faltam referências de tipos de interpretação quando falamos sobre filmes que retratam o universo do boxe. O finlandês Jarko Lahtti decidiu deixá-las de lado para compor o personagem pugilista que protagoniza O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki, filme dirigido por Juho Kuosmanen que venceu a seção Um Certo Olhar do último Festival de Cannes e realiza sua estreia em terras brasileiras durante a 40ª Mostra de São Paulo.

A preparação de Jarko para entrar na pele do lutador que disputou o título mundial da categoria peso-pena no início dos anos 60 passou pelo esforço físico de viver a rotina de um desses profissionais, tendo realizado – e perdido – duas lutas contra boxeadores profissionais.

Além da parte física, utilizada por ele como caminho para traçar o arco dramático de seu personagem, o ator se inspirou no trabalho dos irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne, que também exibem seu novo filme, A Garota Desconhecida, na Mostra.

Em conversa com o Cine Festivais, o ator Jarko Lahtti falou sobre a composição do personagem e a respeito de outras questões levantadas pelo filme.

 

Cine Festivais: No debate após uma sessão do filme na Mostra de São Paulo você contou que é fã de futebol e que foi visitar o Museu do Futebol. No cinema o futebol ainda possui poucos filmes seminais que retratam seu universo, enquanto no boxe isso é bem mais comum, em obras-primas como Touro Indomável, de Martin Scorsese. Por que você acha que este é um esporte tão rico para se filmar.

Jarko Lahtti: Antes de tudo, porque é um esporte lindo de assistir em uma tela grande. O boxe tem um elemento dramático que o torna uma espécie de metáfora da vida. O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki não é tanto sobre o boxe em si; o esporte é uma circunstância naquele universo, mas vejo o filme mais como uma história de amor.

 

CF: Touro Indomável também não é um filme que coloca o boxe em primeiro plano.

JL: Sem dúvidas, ali há diversas outras questões. Assim como nosso filme, aquele também é sobre o sucesso, mas ali Scorsese mostra como esta busca pode fazer você se tornar mal, viciado e corrompido. O Dia Mais Feliz… é sobre o que se considera como sucesso: a família, as pessoas que você ama ou a carreira. Há uma luta entre valores diferentes. Mas claro que amo Touro Indomável, é um filme maravilhoso.

 

CF: Você assistiu Touro Indomável para construir seu personagem?

JL: Não. Na verdade, evitei todos os filmes de boxe possíveis durante a construção do personagem. Eu não queria carregar nas minhas costas o peso do trabalho de um Robert De Niro ou de outros atores, queria trilhar esse caminho do meu modo.

Usei algumas outras referências, como os filmes dos irmãos Dardenne. O Filho não tem nada a ver com o boxe, mas o utilizei como exemplo para minha atuação. Admiro a maneira como as pessoas atuam nos filmes deles, é muito sincera e natural.

 

CF: Assim como no cinema dos Dardenne, O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki se utiliza de planos longos. Como que isso foi um desafio para a sua atuação?

JL: Eu vejo essa possibilidade muito mais como um benefício do que como um desafio. Você tem a chance de sentir no corpo e entender as circunstâncias pelas quais o seu personagem está passando. Filmar muitos planos curtos seria um maior desafio. Você só conhece realmente o personagem quando tem tempo diante da câmera em uma situação real de filmagem.

Tive o privilégio de me preparar por um longo tempo antes das filmagens, então eu sentia que estava dentro do papel já antes de começar a rodar as cenas. E os planos longos ajudaram no momento do set. Há alguns deles que duraram mais de dois minutos. Mesmo sem que toda a duração apareça na montagem final, esse me ajudou muito nesse processo.

 

CF: Na preparação você treinou com o filho de Olli Mäki. Queria que você falasse um pouco sobre isso e sobre como a transformação física exigida ao longo do filme foi utilizada como apoio para refletir as mudanças internas de seu personagem.

JL: Minha aproximação com esse papel passou exatamente por esse aspecto. Foi realmente um personagem que demandou muito de meu físico, treinei boxe por quatro anos e meio e durante essa preparação realizei duas lutas oficiais para entender como era estar naquela situação.

 

CF: Você ganhou?

JL: Não, perdi as duas, mas não por nocaute; foi por pontos. Na Finlândia as lutas não são divididas entre novatos e veteranos, então peguei já no primeiro combate o segundo melhor lutador do país na minha categoria, que já tinha feito 19 lutas. Ele me bateu, mas consegui ficar em pé. No segundo combate ganhei o primeiro assalto e perdi os outros dois…

Para o filme era essencial entender essa experiência física. Não poderia apenas fingir ser um boxeador e balançar os braços para a câmera. Durante o treinamento estive na academia do filho de Olli Mäki, que é um famoso treinador de boxe. Vivi a rotina dos boxeadores de modo integral.

 

CF: Além da vida pessoal do seu personagem, o filme também aborda de certa forma um desejo de inserção econômica da Finlândia no cenário mundial, já que aquela seria a primeira disputa de título realizada no país…

JL: Sobre o aspecto histórico é importante dizer que Olli Mäki foi abertamente comunista, adepto de um tipo que não seguia a corrente soviética. Se voltarmos cem anos no tempo, houve uma guerra civil na Finlândia na qual os comunistas foram derrotados. Nos anos 60 ainda havia uma divisão na sociedade finlandesa e o comitê de boxe do país proibiu Olli Mäki de representar o país por causa de sua ideologia, embora ele fosse um dos favoritos à medalha de ouro. Isso foi uma humilhação que o levou a abandonar o boxe amador e se profissionalizar.

O filme é ambientado na época em que ele, já profissional, luta pelo título mundial. As pessoas tentavam construir uma imagem heroica de Olli, que é um cara tímido e modesto, vindo de uma cidade pequena, que gostava de boxe, mas não queria ser celebridade. Não deve ter sido fácil para ele.

 

CF: Esse tema do filme guarda relação com a maneira com a qual as pessoas criam para si imagens que não correspondem à verdade por meio da virtualidade das postagens em redes sociais, não acha?

JL: É verdade. Eu tenho uma relação contraditória com as redes sociais por causa disso. Ao mesmo tempo, eu também construo uma imagem de ator de sucesso para mim, porque tenho que vender meu trabalho como freelancer.

Às vezes esquecemos que somos humanos e nos levamos muito a sério; não precisamos ser os melhores em tudo o que fazemos. O filme fala um pouco disso, de que o valor da vida está essencialmente nos relacionamentos que temos com as pessoas que amamos – e é paradoxal eu estar falando isso agora, sozinho em São Paulo, enquanto minha família está na Finlândia (risos).

 

Leia também:

>>> Crítica sobre O Dia Mais Feliz da Vida de Olli Mäki

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