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Sebastianismo maranhense: Conheça O Touro, que está no Festival de Roterdã

23/01/15 às 18:27 Atualizado em 22/10/15 as 11:20
Sebastianismo maranhense: Conheça O Touro, que está no Festival de Roterdã

A pequena Ilha de Lençóis (MA) será vista na tela de cinema por um público maior do que os seus cerca de 450 habitantes durante o Festival de Roterdã, que acontece entre 21 de janeiro e 1º de fevereiro. A primeira exibição do longa-metragem O Touro – dirigido por Larissa Figueiredo, brasiliense radicada em Curitiba no evento holandês acontece neste domingo (25), em uma das sete salas de um complexo cinematográfico com capacidade para receber 2405 espectadores.

Filha de pai português com mãe maranhense, Larissa teve contato desde a infância com a cultura popular do estado nordestino. Anos depois, em 2011, o interesse pelas histórias locais a levou a passar alguns meses morando no Maranhão. Foi nesse período que a cineasta ouviu uma lenda que viria a servir como base para seu próximo projeto cinematográfico.

A história, ouvida na pequena cidade de Cururupu (MA), dava um novo olhar ao sebastianismo, crença iniciada em Portugal após o desaparecimento do rei d. Sebastião em uma batalha ocorrida no século XVI no Marrocos.

Na versão original, os portugueses acreditavam que o monarca não teria morrido na guerra e que regressaria algum dia para retomar o trono e a grandeza de Portugal. Já na versão alternativa, o destino de Sebastião teria sido o litoral maranhense, onde ele teria criado um reino encantado sediado na Ilha de Lençóis, que teria se formado após o rei fincar sua espada em um pedaço de terra. Segundo esta crença, os habitantes do local seriam descendentes do rei, que até hoje poderia ser visto em noites de lua cheia sob a forma de um touro com uma estrela na testa.

“Essa história é muito forte na região. A partir dela eu fui procurando saber mais, entrevistei as pessoas da Ilha de Lençóis, estive lá em duas oportunidades e comecei a criar a minha própria história, que busca saber como seria se uma portuguesa viesse até lá para tentar desencantar o rei e o levar de volta para Portugal. Disto surgiram dois filmes: o curta-metragem O Rei – que estreou no último Festival do Rio – narra o ponto de vista de d. Sebastião sobre a chegada dessa personagem na ilha; e o longa-metragem O Touro traz o ponto de vista desta personagem portuguesa, chamada Joana, se introduzindo naquele lugar e tentando alcançar essa história”, contou a diretora em entrevista ao Cine Festivais.

 

Portuguesa maranhense

Desde que começou a escrever o roteiro de O Touro, Larissa Figueiredo nomeou a protagonista como Joana, já tendo em mente a atriz portuguesa Joana de Verona, que participou de filmes de diretores como Raúl Ruiz (Mistérios de Lisboa) e Marco Martins (Como Desenhar um Círculo Perfeito). A admiração se tornou parceria de trabalho depois que a diretora brasileira conseguiu entrar em contato com Joana através do técnico de som Vasco Pimentel, com quem Larissa teve aulas quando estudava em Genebra, na Suíça.

“Falei com a Joana pela primeira vez por Skype, e para minha surpresa ela contou que nasceu em São Luís (MA), mas permaneceu na cidade só até os oito meses de idade. Ela logo topou fazer o filme, mesmo antes de termos o orçamento garantido. A gente brinca que este filme teve vários encontros mágicos, talvez por obra do d. Sebastião”, diz Larissa.

Durante as filmagens, a atriz nunca teve acesso ao roteiro. Ela sabia que iria interpretar uma portuguesa que quer saber sobre a lenda da ilha com o rei. Do outro lado, os moradores da ilha que participaram do filme interpretavam a si mesmos e interagiam com Joana a partir de situações previamente definidas, o que trouxe tanto a O Touro quanto a O Rei um diálogo entre a ficção e o cinema documental.

O diálogo com Portugal se deu não só através da história e da atriz dos filmes, mas também pela influência do diretor Miguel Gomes (Tabu, Aquele Querido Mês de Agosto), com quem Larissa teve aulas quando estudou cinema na Haute École d’Art et Design de Genebra, na Suíça.

“O Miguel é uma pessoa que acredita muito no poder de colocar o imaginário e o real juntos, e acho que isso para mim é o ponto de partida tanto de O Rei quanto de O Touro, principalmente deste último. O trabalho dele me impressiona muito e faz parte das minhas referências”, conta.

 

De Locarno a Roterdã

Ainda na fase de pós-produção, com uma duração maior e sem imagem e som finalizados, O Touro foi exibido na seção Carte Blanche do Festival de Locarno, na Suíça, junto com mais seis filmes brasileiros. Todos eles foram assistidos por profissionais do mercado cinematográfico e curadores de festivais internacionais.

“Foi um privilégio para nós ter este teste de audiência com tantas pessoas que trabalham com cinema. Muitas delas sentaram com a gente e conversaram sobre os pontos positivos e sobre o que poderia ser melhorado no filme. Foi em Locarno que um dos curadores do Festival de Roterdã viu o filme, o que imagino que possa ter ajudado na nossa seleção”, comenta Larissa.

O Touro foi selecionado para a seção Bright Future Premières, que exibe filmes de cineastas que fizeram até dois longas-metragens. Além do trabalho de Larissa Figueiredo, outros 17 filmes que têm produção ou coprodução brasileira terão exibições nas diversos seções que compõem o Festival de Roterdã, que é considerado um dos mais importantes do mundo.

“É um festival que sempre foi referência para mim, por ter uma abertura para o cinema independente e para linguagens alternativas. O filme dialoga com o tipo de cinema valorizado em Roterdã, por isso não poderia haver uma estreia mais bonita”, afirma Larissa.

 

Cinema multicultural

Depois de O Touro, que retrata elementos da cultura portuguesa, Larissa Figueiredo deve realizar dois filmes que dialogam com histórias passadas em outros países. Postcards From Kapadokya, filmado na Turquia, está em fase de produção e fala sobre uma brasileira que resolve ir à Capadócia para pagar uma promessa a São Jorge. Já Agontimé, que está em fase de roteirização, deve ser filmado entre 2016 e 2017, e trará uma história sobre uma princesa africana que foi vendida como escrava e tenta voltar à sua terra natal para recuperar o status de nobreza.

“Fui morar na Europa aos 20 anos e passei cinco anos fora. Esse tempo me ajudou a querer criar essas ligações e a tentar entender como culturas que parecem tão distantes podem ter conversas muito claras. Portugal pode conversar com o interior do Maranhão, por exemplo. Colocar junto culturas e temas que parecem distantes e se relacionam é o que mais me interessa”, conclui Larissa.

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