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Fruto de “cinema caipira”, curta que foi a Cannes tem primeiras exibições no Brasil

19/08/15 às 14:00 Atualizado em 20/11/19 as 15:13
Fruto de “cinema caipira”, curta que foi a Cannes tem primeiras exibições no Brasil

Exibido no último mês de maio na Semana da Crítica, seção paralela do Festival de Cannes, o curta-metragem Command Action foi produzido com parcos recursos, vindos até mesmo de rifas, antes de estrear no ambiente glamoroso da cidade francesa. A bagagem trazida pela seleção internacional deu visibilidade ao filme, que agora será exibido nas seções principais do 26º Festival Internacional de Curtas de São Paulo e no 48º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, que ocorre entre os dias 15 e 22 de setembro.

Realizado pelo coletivo Kino-Olho – localizado em Rio Claro, cidade do interior paulista – e dirigido por João Paulo Miranda Maria, o curta-metragem conta a história de um garoto que é enviado pela mãe à feira para comprar alimentos. No local, conversas de outras pessoas chamam a atenção do protagonista, que se interessa especialmente por um brinquedo homônimo ao título.

Em entrevista ao Cine Festivais, João Paulo Miranda Maria falou sobre as temáticas levantadas pelo filme, se disse surpreso com a ida para Cannes e contou a respeito da sua trajetória no cinema.

Cine Festivais: Há diversos temas (violência, banalização das imagens, disfuncionalidade familiar, consumismo) que permeiam o universo do protagonista de Command Action. A ideia de você era fazer com que a feira funcionasse como uma espécie de microcosmo da sociedade?

João Paulo Miranda Maria: Sim. A feira do Cervezão é um local simples e pequeno, comparado às mais famosas feiras brasileiras. Porém, havia muito esta realidade comum e simples de um bairro onde diferentes pessoas passam e convivem. Como no filme, a todo momento escutamos histórias de jovens que assaltaram ou morreram, de adolescentes grávidas, de traição, de pobreza e de violência. Costumo pensar que é um drama a céu aberto, onde estão todos reunidos com seus mundos e visões particulares.

CF: O tema da juventude desamparada está presente também na própria concepção do brinquedo, cuja arma remete ao mesmo universo da violência do qual o protagonista pretende escapar. A problematização de temas como esse era uma de suas preocupações, em detrimento de um final mais feliz e catártico?

JPMM: A ideia era ressaltar o dilema do menino em se manter numa infância através do brinquedo, ou de assumir uma responsabilidade e maturidade precoce e simplesmente comprar a comida para a família. Este momento “egoísta” serve como desespero em fugir do contexto em que vive e assumir uma posição própria.

Esta mensagem às vezes não é clara a todos. Lembro que uma possível empresa apoiadora se recusou a incentivar porque acreditava ser imoral e que a criança deveria comprar comida e não brinquedo.

CF: O curta se baseia na experiência e no ponto de vista do seu protagonista. Pensando nisso, explique o que você buscou com o posicionamento da câmera e com o trabalho de som do filme?

JPMM: A ideia do filme foi construída a partir de muita pesquisa e visitas na feira do bairro do Cervezão ao longo de seis meses. O meu objetivo não era apenas passar o ponto de vista do menino, mas o ponto de vista de qualquer pessoa dentro daquele ambiente, onde temos toda a diversidade das periferias. Para o som queríamos esta atmosfera por todos os lados, revelando um certo “caos” de informações e sensações. Muita coisa é entendida no filme por estes sons extracampo que invadem as cenas, alterando a perspectiva naquele momento.

CF: Como o filme foi financiado?

JPMM: Para viabilizar o Command Action fizemos como a maioria: registramos o projeto pela lei de incentivo e, assim como muitos, não conseguimos bater o mínimo de 20% de captação. Portanto, pensamos em fazer do jeito do interior, vendendo rifas de produtos dos comerciantes locais. Assim chegamos aproximadamente a R$ 1500 para iniciar a produção do filme. Mesmo depois da seleção em Cannes, ainda estamos com dificuldades para reembolsarmos as pessoas que trabalharam no filme.

CF: A seleção para a Semana da Crítica de Cannes foi uma total surpresa? Qual foi a reação do público que assistiu ao filme lá e a recepção da crítica internacional?

JPMM: Sim, foi uma incrível surpresa, pois acreditava que levaria mais tempo para conseguir colocar um filme meu lá. Em Cannes tive muito apoio e incentivo. Muitos me procuraram naqueles dias para falar sobre o filme e saber de meus próximos projetos. Foi uma experiência única e de grande satisfação.

 

CF: Como cinéfilo e realizador, quais são as suas principais recordações de Cannes?

JPMM: Estar no maior festival de cinema foi algo sensacional, sempre sonhei em poder estar lá exibindo meu trabalho. Com certeza, trata-se de um dos melhores momentos da minha vida. Mesmo estando num grande festival, acabei vendo menos filmes do que gostaria e passei muito tempo em encontros junto a produtores internacionais e com a organização da Semana da Crítica, pois uma das novidades é que a Semana auxiliará os selecionados a desenvolverem seus longas-metragens. Agora tenho várias reuniões via Skype e em dezembro me reunirei pessoalmente com os outros selecionados e produtores na França para discutirmos o meu longa, que está em fase de preparação.

CF: Qual foi a trajetória que você trilhou para chegar a ser diretor de cinema?

JPMM: A história é um pouco longa e vou tentar resumir: na adolescência ganhei uma câmera fotográfica e acabava levando na escola todos os dias, e sempre na volta, de bicicleta, parava em pontos para capturar algumas imagens. Sempre pensava nas histórias das pessoas que encontrava nas ruas da minha cidade, e aquilo me inspirou a querer depois fazer cinema.

Na própria escola articulei com meus colegas de realizarmos uma produção e na época cheguei a convencer uma equipe de gravação de casamento a participar de graça e consegui dezenas de figurantes. Naquele momento tive certeza de que queria fazer cinema; gostava daquela sensação de juntar pessoas e recriar algo que estava apenas no subjetivo.

Depois estudei Cinema na Estácio de Sá, no Rio de Janeiro, cheguei a estagiar em produções como Lisbela e o Prisioneiro, de Guel Arraes. Depois acabei retornando para o interior de São Paulo para desenvolver o mestrado na Unicamp. Dali comecei em paralelo a criar um coletivo a partir de encontros cineclubistas. Encontrei outros interessados e todos começamos a produzir o que chamamos “filmes-ensaios”. Bem, ao longo dos anos as produções começaram a ter outra dimensão e hoje temos um grupo de pessoas especializados em diferentes áreas do cinema na cidade de Rio Claro, no interior de São Paulo.

CF: Fale sobre a trajetória do Kino-Olho e sobre as atividades realizadas pelo grupo. Como as exibições do festival organizado por vocês ajudam na reflexão e interferem no próprio cinema que vocês realizam?

JPMM: O projeto do coletivo Kino-Olho sempre foi um sonho particular de concretizar um método alternativo de produção, juntando interessados para fazer cinema num lugar que não havia tradição. Em 2005 comecei a coordenar oficinas de formação, exibições cineclubistas e elaboração de críticas numa revista de produção própria que está em sua 62ª edição; e, claro começamos a produzir com o que tínhamos na mão: na época, um celular de 2 mega pixels. Assim surgiram os “filmes-ensaios” semanais. Tudo isto era algo voluntário que eu fazia, procurando encontrar interessados numa cidade pequena em meio a várias adversidades.

Aí em 2009 tudo mudou quando mandamos um destes filmes-ensaios para a competição internacional de vídeos de celular da CNN. Ao ganharmos o prêmio, chamamos a atenção e começamos a ter uma verba anual da prefeitura para manter as atividades no projeto que chamamos “Difusão Cinematográfica”. Com esta possibilidade o grupo se expandiu e criamos um próprio festival de curtas para poder haver uma troca e conhecermos melhor as produções nacionais e internacionais.

Hoje, com todo este ambiente, mantemos encontros semanais o ano todo e discutimos muito cada projeto antes de realizá-lo. Isto acaba influenciando na própria estética nossa.

Gostamos de dizer que fazemos um “Cinema Caipira”, não no sentido realizar filmes que se passam em ambientes rurais, mas porque gostamos de trabalhar sobre o que acontece ao nosso redor, nos bairros, esquinas e personagens comuns, levando a sério os apontamentos do neorrealismo italiano. Este é um dos pontos fortes do grupo que viabiliza nossas produções hoje, pois mesmo com o apoio da prefeitura não temos condições de produzir sequer um curta com os orçamentos padrões da capital.

CF: A ida à Semana da Crítica pode ter ajudado na escolha do filme para o Festival de Brasília? Qual é a importância desta seleção, bem como a do Festival Internacional de Curtas de São Paulo?

JPMM: Acredito que haja influência sim, e para mim é um grande orgulho ser selecionado para festivais que sempre admirei e sonhei em participar. Quero muito ver a reação do público no Brasil, pois estas são as primeiras exibições nacionais do filme.

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