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Filme que discute limites entre loucura e normalidade estreia no Olhar de Cinema

15/06/15 às 18:45 Atualizado em 21/10/19 as 23:24
Filme que discute limites entre loucura e normalidade estreia no Olhar de Cinema

Selecionado para a mostra Outros Olhares do 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba -, no qual terá suas primeiras exibições no Brasil, o documentário A Loucura Entre Nós acompanhou durante três anos a rotina de um hospital psiquiátrico de Salvador onde também funcionava a ONG Criamundo, que tem a missão de reinserir pacientes com problemas psiquiátricos no mercado de trabalho e na sociedade em geral.

Dirigido por Fernando Vareille, brasileira atualmente radicada na França, o trabalho discute os limites muitas vezes tênues entre loucura e normalidade, dando atenção especial a duas mulheres de classes sociais e origens bem diferentes: Leonor e Elizângela.  “É um filme sobre sujeitos, suas questões, seus destinos, suas trajetórias”, resume Fernanda.

Em entrevista por e-mail ao Cine Festivais, a diretora falou sobre o processo de produção do documentário e opinou a respeito dos principais temas levantados pelo seu filme.

 

Cine Festivais: O que mais te chamou atenção no livro que inspirou o filme e no trabalho da ONG Criamundo? Que tipo de filme você esperava realizar quando iniciou o projeto?

Fernanda Vareille: Conheci a obra a partir de uma conversa com Dr. Marcelo Veras, meu amigo, que me deu um exemplar do seu livro e me falou sobre a Criamundo. Ele foi diretor do Hospital Juliano Moreira e me contou um pouco da sua experiência. No livro, ele conta como aplicou a psicanálise para administrar o hospital Juliano Moreira (onde estava funcionando a Criamundo na época do filme). Ele descreve um universo que me inspirou. Mas o filme não é uma adaptação da sua obra.

A ideia de realizar o documentário surgiu a partir desse encontro. Inicialmente a Criamundo era o meu foco de trabalho e de filmagem, mas me concentrar apenas na Criamundo não seria suficiente para o filme que queria fazer. O filme mostra o meu encontro com as pessoas, com o hospital. O “nós” de A Loucura Entre Nós se refere à primeira pessoa do plural, mas também aos nós, ou seja, às amarrações, os laços que podemos fazer na vida. Dr. Marcelo mostra isso usando os teoremas de Lacan; eu tento mostrar através das imagens.

A Criamundo foi o intermediário ideal, por justamente cuidar dessas pessoas que estão buscando uma reinserção social e que tem histórico de duras passagens nos corredores asilares. Mas não é um filme sobre essas instituições (a Criamundo e o Hospital Juliano Moreira); é um filme sobre sujeitos, suas questões, seus destinos, suas trajetórias.

 

CF: Qual foi a rotina seguida pela equipe de filmagem dentro do hospital psiquiátrico? Quanto tempo levou a filmagem?

FV: A filmagem começou em 2011; o filme foi finalizado em março de 2015. Entramos no hospital com uma equipe reduzida formada por diretor, diretor de produção, operador de áudio e diretor de fotografia (Amanda Gracioli, João Tatu e Gabriel Teixeira).

Filmamos em regime de imersão. Chegávamos cedo ao hospital e permanecíamos durante todo o dia convivendo com as personagens. Em muitos dias não filmávamos, estávamos lá, presentes, convivendo com elas, para que se acostumassem com a nossa presença, com a presença da câmera.

Acompanhei e estive envolvida em todos os momentos. Desde a elaboração do projeto, captação de recursos até a distribuição. Aprendi muita coisa com esse filme, com as pessoas que tive oportunidade de trabalhar. Foi um processo desafiador e perturbador.

 

CF: Um plano muitas vezes repetido no documentário mostra a porta que dá para a ala dos internos com problemas psiquiátricos. É uma imagem que permite várias leituras, entre elas a sensação de que os pacientes do outro lado é que são livres, e quem está do lado dentro está preso. Esta relativização do senso comum era uma das suas preocupações durante as filmagens e na montagem do documentário?

FV: Eu nunca havia entrado em um hospital psiquiátrico anteriormente. Na época do início das filmagens, via ali uma certa liberdade das amarras sociais, que achei bastante atraente. Mas devo reconhecer que essa primeira impressão carrega uma visão bastante ingênua. No inicio eu romantizava sobre a loucura, via até uma poesia no hospital. O que desapareceu quando amadureci o meu olhar. Essa visão ingênua foi se transformando durante o processo.

Entrar em um hospital, conhecer aquele mundo, conhecer aquelas pessoas, tanto os pacientes como os funcionários, é um eterno questionamento. Você é obrigada a se colocar em questão a todo o tempo. Sempre me perguntava: Por que tal pessoa me interessa? O que ela tem que me faz despertar curiosidade por ela? Por que a entrevista com fulano me incomodou? Essas são apenas algumas. Era uma enxurrada de perguntas e questões que vinham à tona que me faziam rever os meus próprios fantasmas e questões, conceitos… Acho que os outros integrantes da equipe passaram por processos similares.

 

CF: Como e quando se deu a escolha pelas duas personagens centrais do filme? As diferenças sociais e culturais entre elas contaram para essa escolha? De que maneira a trajetória dessas mulheres também serve para romper crenças associadas ao senso comum?

FV: A escolha foi intuitiva. As duas eram extremamente generosas comigo, com a câmera, elas tinham muito a dizer, o que falar. Passamos meses frequentando o hospital, a relação se estabeleceu naturalmente e a cada retorno nosso essa relação se fortalecia.

Filmávamos todos os integrantes da Criamundo, às vezes com a consciência que não fariam parte do documentário, mas sentíamos as suas necessidades de falar, de se expressar. Em um determinado momento já sabíamos que queríamos contar a história de duas mulheres.  Mas se tornou a história de duas mulheres com dois destinos. Queríamos ter acesso à subjetividade das pessoas, através da palavra, do contar das suas histórias. O filme possibilitou dar voz àquele que, muitas vezes, não se é dado a voz.

 

CF: Da concepção inicial até a montagem final, o que mais mudou na sua visão sobre a temática tratada pelo filme?

FV: Foram três anos de filmagem, e nesse período houve um amadurecimento da nossa equipe, do nosso olhar. Mas o mais agregador foi esse processo de autodescoberta imposto ao fazer um filme sobre essa temática. Posso dizer que a confecção desse filme e os encontros que tive através dele foram um divisor de águas na minha vida.

 

CF: O que mudou na sua concepção de o que é loucura e normalidade antes e depois do filme? Que tipo de debate você acredita que o filme pode gerar a esse respeito?

FV: Confesso que, após a incursão nesse mundo, ainda continuo sem resposta para definir a “loucura”. Quanto à “normalidade”, quem assistir ao filme verá que também não dou essa definição; na verdade mostramos que esse limite não é tão claro.

O filme é importante, mas, é verdade, não estávamos fazendo uma ficção, ali existiam pessoas de verdade que importavam mais do que a nossa história. As pessoas tinham uma oportunidade, uma abertura de expor os seus problemas, as suas questões, eram ouvidas, importância era dada às suas palavras, se tornavam sujeitos.

Acredito que o filme possa despertar debates interessantes e fazer as pessoas questionarem seus conceitos, como aconteceu com todos que estiveram envolvidos no filme.

 

CF: Quais foram as reações das pessoas que viram o filme nas exibições que ele já teve fora do Brasil?

FV: As pessoas geralmente ficam incomodadas. Vejo que o filme mexe com as pessoas, as questiona, as faz pensar e se abrir a um novo mundo. Recentemente fomos convidados para mostrar A Loucura Entre Nós numa sessão privada para alunos e professores do Ateliers Varan, em Paris, e as questões surgidas a partir daí foram bem instigantes. Muitos falam que o filme e, claro, as personagens, ficam presentes em suas lembranças durante vários dias…

 

CF: Qual é a expectativa para a exibição do filme no Olhar de Cinema e para uma possível estreia no circuito comercial brasileiro?

FV: É a nossa estreia, nosso primeiro contato com o público que sai de casa com a intenção de ver o filme, que paga por seu ingresso… Adoraria que fosse o início de uma história longa e produtiva com o filme! E adoraria estar presente para ver tudo isso!

Moro em Paris, mas passo alguns meses por ano no Brasil. Tenho uma empresa em Salvador, a Águas de Março Filmes. Sou completamente ligada à Bahia, onde tenho projetos profissionais. Divido meu tempo entre Paris e Salvador.

O meu projeto imediato é o nascimento do meu segundo filho… Nos próximos meses quero me dedicar a ele e à divulgação de A Loucura Entre Nós. Ao que tudo indica, o filme ainda vai passar por alguns festivais antes de entrar no circuito – o que deve acontecer no final do ano.

 

Sessões de A Loucura Entre Nós no 4º Olhar de Cinema:

– 16/6, às 21h30, no Shopping Crystal (Espaço Itaú – Sala 3)

– 17/6, às 19h45, no Shopping Curitiba (Cinesystem – Sala 4)

 

Leia também:

>>> Cobertura do 4º Olhar de Cinema

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