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Filme faz tragédia grega jogar luz a “presenças da Ditadura” no Brasil de hoje

17/04/15 às 12:52 Atualizado em 20/11/19 as 15:17
Filme faz tragédia grega jogar luz a “presenças da Ditadura” no Brasil de hoje

A Oresteia, trilogia de peças teatrais escrita por Ésquilo, foi representada pela primeira vez em 485 a.C.. Na mitologia grega, Orestes matou a mãe em vingança ao assassinato do pai, foi julgado por um grupo de 12 cidadãos atenienses e acabou absolvido pelo voto de Minerva. A história, considerada um símbolo da criação de um sistema de justiça que não leva à frente a máxima “olho por olho, dente por dente”, é um dos pontos de partida do documentário Orestes, de Rodrigo Siqueira (Terra Deu, Terra Come), que faz a sua estreia na mostra competitiva nacional do 20º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários.

A intenção inicial do diretor era realizar um filme sobre o julgamento de Carla Cepollina, acusada pela morte do coronel Ubiratan Guimarães, que chefiou a invasão que resultou no Massacre do Carandiru, em 1992, quando 111 presos foram mortos pela Polícia Militar. O projeto inicial não foi para frente, mas Rodrigo Siqueira seguiu com vontade de realizar um filme que discutisse os meandros da justiça, tendo também como preocupação temas como a violência urbana, as falhas do atual sistema judiciário e das polícias, as marcas deixadas pela Ditadura Militar e as diferentes visões de justiça por parte da população brasileira.

O documentário resultante do processo segue vários caminhos para discutir essas questões. Baseado na trajetória do Cabo Anselmo, ex-guerrilheiro que acabou se revelando um colaborador do governo militar, o diretor criou uma nova história que atualiza a Oresteia. Nela, quem teria sido assassinado por Orestes é o pai, que décadas antes havia planejado o assassinado de sua mulher.

Partindo dessa ficção, o diretor criou provas jurídicas que foram usadas em um julgamento simulado, ocorrido na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), que teve como réu este novo Orestes. No outro eixo do documentário, um grupo formado pela filha de uma militante política traída e executada, um policial, uma defensora da pena de morte, um ex-preso político e pais que perderam seus filhos de maneiras violentas participa de um psicodrama – terapia de grupo que utiliza a representação dramática para explorar suas emoções pessoais.

Em entrevista ao Cine Festivais, o diretor Rodrigo Siqueira falou sobre as várias questões levantadas por Orestes.

 

Cine Festivais: Havia a intenção de evitar a realização de um filme panfletário sobre as questões discutidas?

Rodrigo Siqueira: Talvez isso não esteja relacionado a esse filme, mas à minha intenção ao fazer documentários. Se fizer um panfleto para qualquer causa ou corrente política eu perco a oportunidade de levar a questão para um público muito maior. Eu realizo documentários para abordar as questões com a maior complexidade que eu conseguir e para que essa abordagem seja compartilhada com um público que possa debater aquilo que estou propondo.

 

CF: O filme evita uma abordagem caricatural dos personagens, mesmo daqueles que têm posições bem divergentes dos outros, como a defensora da pena de morte. Essa era uma preocupação?

RS: O Eduardo Coutinho me disse uma frase que eu levo comigo: “eu não faço acordo com o público às costas dos meus personagens”. Em Orestes nós reunimos um grupo de pessoas com posições muito diferentes. No psicodrama as questões aparecem sem filtro e as pessoas ficam muitos expostas, são guiadas pela emoção. Isso aumenta muito a minha responsabilidade. Não faz sentido eu caricaturar, ridicularizar ou diminuir a posição de quem quer que seja.

Também entrevistei pessoas em outras oportunidades e elas tiveram a oportunidade de expor de maneira racional, sem nenhuma pressão do trabalho de psicodrama, as posições delas. É uma questão de ser honesto com aqueles que estão trabalhando comigo.

 

CF: Estamos em um momento de acirramento dos discursos políticos no qual o ódio é presença recorrente e o debate de ideias é colocado em segundo plano. De que maneira você acha que seu filme propõe uma abertura de diálogo com essa situação?

RS: Eu me assusto a cada dia com a atualidade do filme. Há quase 2500 anos o Ésquilo tratou dessas mesmas questões: do ódio, da vingança, da importância de a gente ter uma consolidação do Estado Democrático de Direito para organizar a sociedade e impedir que tudo vire uma grande vendeta.

No Brasil a gente vive hoje uma jovem democracia que precisa amadurecer, se sofisticar e se consolidar. Do ponto de vista histórico, não faz tanto tempo assim que saímos de uma ditadura em que a imprensa era cerceada e pessoas morriam por defender ideias contrárias ao governo.

Hoje a questão da vingança faz parte de nossa sociedade de maneira cada vez mais abrangente, inclusive em questões políticas. Pessoas não querem deixar falar aquelas que não pensam iguais a elas. Então há essa sensação do passo para trás, sendo que já está mais do que na hora de avançarmos.

 

CF: O filme também discorre sobre a Ditadura Militar, levantando inclusive uma discussão a respeito da Lei da Anistia. Que reflexões a realização do documentário trouxe a respeito dessa temática? 

RS: Quando escrevi o projeto do filme, em 2010, eu dizia que queria trabalhar as heranças da Ditadura. Depois desse tempo eu pude constatar que o filme trata mais das presenças da Ditadura em nosso cotidiano. A ideologia por trás do regime militar é presente nas nossas instituições, nas narrativas oficiais e no sistema jurídico como um todo. Em casos como os de resistência seguida de morte, a palavra inicial do policial vai sendo chancelada a cada esfera que vai percorrendo.

Posso dizer que a gente tem muito mais Ditadura do que gostaria de ter. Gosto muito da visão do filósofo Paulo Arantes, que diz que “nós temos tudo da Ditadura, menos a Ditadura”. Em certo sentido, ela é absolutamente presente na vida da gente hoje.

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