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Filme de Gabriel Mascaro trata de visão particular sobre vida e morte

22/09/14 às 17:04 Atualizado em 21/10/19 as 23:55
Filme de Gabriel Mascaro trata de visão particular sobre vida e morte

Conhecido por documentários como Um Lugar ao Sol e Doméstica, o cineasta pernambucano Gabriel Mascaro realizou, com Ventos de Agosto, o seu primeiro longa-metragem de ficção. O trabalho, que deve chegar aos cinemas brasileiros em novembro, fez a sua estreia mundial no Festival de Locarno, na Suíça, onde recebeu uma menção honrosa do júri, além de avaliações positivas da crítica internacional.

A primeira exibição do filme no Brasil aconteceu no último domingo (21), na mostra competitiva do 47º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. A ideia inicial do diretor surgiu após encontrar no município de Porto de Pedras, em Alagoas, um cemitério que estava sendo tomado pelo mar.

A partir desta ligação com o real, Mascaro criou uma história ficcional que tem como personagem uma garota que se muda para a localidade para cuidar da avó e vive um romance com o catador de cocos e pescador Jeison.

Com imagens bonitas e poéticas, a obra faz uma reflexão sobre a forma com que lidamos com a vida e a morte. Em certo momento do filme, um personagem diz que, naquele lugar, as pessoas não vão para o céu nem para o inferno após falecerem, e sim para o mar.

Na entrevista a seguir, concedida ao Cine Festivais, Gabriel Mascaro fala sobre Ventos de Agosto.

 

Cine Festivais: Como foi o processo criativo do filme? Você fez um roteiro tradicional?

Gabriel Mascaro: Nossa premissa era abordar de alguma forma aquele cemitério que estava sendo engolido pelo mar (em Porto de Pedras, Alagoas), que realmente existe. Eu tive contato com o local através de uma viagem e depois criei uma estrutura de roteiro ficcional para lidar de alguma forma com o imaginário daquela comunidade, que tem uma relação muito atípica e especial com a morte.

O roteiro é todo ficcional, mas de alguma forma a gente criou estratégias de aproximação para se apropriar de eventos espontâneos. Na cena em que aparece uma caveira com dente de ouro, um senhor a reconheceu e começou a contar histórias sobre a pessoa que morreu. Não sabemos se ele inventou ou não aquela história, mas isso trouxe mais uma camada para o filme.

 

CF: No seu longa-metragem Doméstica há uma discussão central a respeito da permanência de certos arcaísmos na sociedade brasileira, principalmente nas relações sociais. Você quis tratar desse tema em Ventos de Agosto?

GM: O filme lida com arcaísmos, mas o personagem feminino reafirma a sua urbanidade punk em vários momentos. Não tentei imaginar um local intocável ou isolado. A cena em que ela se banha com Coca-Cola diz muito sobre a ressignificação de ícones pop. Tudo naquele local é reprocessado de maneira muito particular, inclusive a morte.

Também é um filme sobre permanência e passagem. Ela tenta o tempo todo estabelecer uma relação de registro e presença corporal. Ao mesmo tempo, nem os corpos conseguem ficar naquele lugar, por causa da invasão do mar pelo cemitério.

 

CF: A sua aparição no filme como um pesquisador de sons de vento tem um lado metalinguístico e também acaba separando dois blocos do filme (o primeiro é mais centrado na personagem feminina e o segundo, na masculina). Qual foi a sua intenção ao criar esse personagem?

GM: A possibilidade de trabalhar e repensar a quebra de estrutura de uma história já me interessa a priori. No caso do pesquisador de som de vento, ele chega com um aparelho estranho para trabalhar em um lugar em que as pessoas têm uma vida difícil.

Fazer filme, principalmente documentário, tem um pouco disso. É uma espécie de invasão chegar a um local distante com toda equipe e os equipamentos. Acho que esse personagem tensiona essa relação de poder que se estabelece entre equipe de filmagem, pessoas e comunidade, nessa ficção que se coloca a partir de uma relação estranha desse homem que sobrevive trabalhando com o vento.

 

CF: Embora com abordagens diferentes, seu filme me lembrou Aquele Querido Mês de Agosto, de Miguel Gomes. Ele é uma referência para você? Quais outros cineastas você aponta como inspiração para esse trabalho?

GM: Acho Aquele Querido Mês de Agosto um grande filme, é uma referência sim. Ele vai quebrando a narrativa, tecendo outra camadas, abandonando as coisas no caminho. Acho instigante essa possibilidade de estar disposto a quebrar as narrativas e alicerçar outra camadas, adensando uma pesquisa ao filme, indo para um lugar inesperado através da experiência.

Outra referência é o Joris Ivens, documentarista que tem dois filmes que trabalham com o vento: Le Mistral e Tale of the Wind. Nesse último, o diretor aparece como pesquisador de vento, personagem parecido com o meu em Ventos de Agosto, que pesquisa os sons do vento.

O cinema tem essa característica de tornar visíveis coisas que não são. Para mim é instigante pensar o vento como um elemento de chegada, de arejamento, de uma impossibilidade. É também por isso que o filme vai mudando. O vento vai dobrando, faz curvas, busca novos caminhos. Ventos de Agosto é extremamente poroso inclusive por causa do vento.

 

CF: Como foi a experiência de trabalhar com atores não-profissionais?

GM: A atriz principal (Dandara de Morais) é profissional, fez a novela Malhação, mas o ator (Geová Manoel dos Santos) é daquela comunidade. Tentamos encontrar elementos comuns para que se criasse um discurso. A Dandara fez um laboratório na comunidade, ficou vivendo com a senhora da casa e criou uma relação bacana com ela que foi incorporada no filme.

Já em Valeu Boi, meu próximo longa-metragem, que está em fase de montagem, eu trabalhei com o Juliano Cazarré, a Maeve Jinkings, pessoas que já têm um histórico de atuação, e aprendi muito. As experiências não se excluem: se somam. Teria prazer em trabalhar tanto com atores profissionais quanto com não-profissionais no futuro.

 

CF: Quais foram as suas impressões sobre a estreia mundial do filme no Festival de Locarno?

GM: Para mim foi um presente grande. Estar ali concorrendo com Lav Diaz e Pedro Costa foi até engraçado, porque são pessoas que fizeram parte da minha formação no cinema. E mais especial foi receber uma menção honrosa em um evento com essa seleção.

A recepção da mídia internacional foi muito boa por veículos como Variety e Sight and Sound. Foi bom porque as pessoas estavam interessadas em discutir cinema, e não em falar sobre atores ou atrizes famosas.

 

CF: Como você avalia a seleção e a exibição do filme no Festival de Brasília? Quando ele será lançado no circuito comercial?

GM: Não pude ver os outros filmes da competição, mas acompanho a trajetória dos diretores e estou feliz de lançar meu trabalho ao lado deles, que fazem um cinema de mais risco, lembrando um pouco o Festival de Locarno. A exibição em Brasília me deixou bem feliz, com a galera interagindo com o filme. Foi a minha segunda vez no festival, já que exibi Doméstica aqui em 2012.

O lançamento de Ventos de Agosto será feito pela Vitrine Filmes e a previsão de estreia nos cinemas é para o dia 13 de novembro.

 

* O repórter está hospedado em Brasília a convite da organização do festival

 

Leia também:

>>> Crítica sobre o filme Ventos de Agosto

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