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Filme conta trajetória do Meia Hora e questiona ética jornalística

31/07/15 às 19:17 Atualizado em 31/07/15 as 19:20
Filme conta trajetória do Meia Hora e questiona ética jornalística

“Chávez morre sem querer querendo”; “Bolas entram e Chana sofre”; “PM sacode a Cidade de Deus e pega espada do He-Man”. Com manchetes como essas, geralmente focadas em esportes, celebridades e segurança pública, o jornal popular Meia Hora ganhou notoriedade no Rio de Janeiro. A trajetória da publicação é contada no documentário Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete, que está na programação do 10º Festival Latino de São Paulo e tem previsão de estreia no circuito comercial para o dia 6 de agosto.

“A centelha inicial (para a produção do filme) não partiu da questão ética, mas esse virou o nosso objetivo central em pouco tempo: provocar a discussão se vale tudo para vender jornal, até que ponto pode ir o papel da mídia e qual a separação entre o serviço vital à sociedade que o jornalista pratica e uma profissão meramente remunerada”, afirma o diretor Angelo Defanti.

Em entrevista por e-mail ao Cine Festivais, Angelo falou sobre as opções estéticas tomadas pelo documentário e discutiu a respeito das questões éticas trazidas pelas práticas do Meia Hora. “O filme não é sobre o fenômeno carioca. Ele fala sobre as pessoas que constroem notícias diariamente, e isso quer dizer respeito a todos os leitores, de todo o Brasil”, diz.

 

Cine Festivais: A sua intenção inicial era de realizar um documentário que tivesse como foco apenas a história do Meia Hora como fenômeno editorial no Rio de Janeiro, ou havia outros elementos (jornalísticos, éticos, etc.) que lhe nortearam na produção do filme? A ideia sempre foi fazer um documentário tradicional, utilizando “talking heads”? 

​Angelo Defanti: O filme nasceu a partir da ideia de falar de apenas algumas das capas, das histórias de maior repercussão. Logo que ganhamos o ​edital para produção – que era de um curta-metragem – percebemos que o buraco era muito mais embaixo e as questões, muito maiores. Portanto, a centelha inicial não partiu da questão ética, mas esse virou o nosso objetivo central em pouco tempo: provocar a discussão se vale tudo para vender jornal, até que ponto pode ir o papel da mídia e qual a separação entre o serviço vital à sociedade que o jornalista pratica e uma profissão meramente remunerada.

Pensamos em abordar a questão de muitas formas. Por exemplo, acompanhando alguns estagiários do jornal por alguns meses e, assim, falando de seu funcionamento atípico através dos olhos de quem está começando no ofício.

Discordo de você de que o filme seja um “talking head”. Ele não corta de uma pessoa para outra e para outra. Os principais personagens do filme são as capas. As animações que executamos são o pilar mais fundamental do filme e ocupam quase tanto tempo de tela quanto os depoimentos. E são justamente estes grafismos que usamos para dar a cadência necessária na reflexão de certos temas, na criação de certos climas e em uma linguagem não banal.

 

CF: Você dá grande espaço no documentário às falas de funcionários e ex-funcionários do Meia Hora, que quase sempre defendem as suas ações e a relevância do jornal. Havia a preocupação de tentar desvincular o documentário da pecha de “chapa branca”, ou seja, de exaltador do Meia Hora? Se sim, por que você acha que o filme consegue isso?

​AD: Outra vez, sou obrigado a discordar do seu termo. Imparcialidade não significa “chapa branca”. Entendo que, no filme, todos ali têm uma opinião, a favor ou contra o jornal, defendendo a si ou atacando outras posturas. O documentário não se furta em tocar nessas feridas. Seria pretensão demais assumir uma postura pró ou contra o Meia Hora, em especial se tratando de algo tão polêmico. Nossa opção foi ouvir todos lados, ter suas justificativas e fazer com que o espectador preencha com seu próprio entendimento, tire suas próprias conclusões.

 

CF: A crítica ao viés supostamente sensacionalista das manchetes e textos do Meia Hora fica muito centrada no documentário na figura da professora Sylvia Debossan Moretzsohn, já que o outro acadêmico ouvido (Muniz Sodré) é menos incisivo nas suas falas. Essa discussão ética era uma das suas preocupações no filme? Por que ela só surge no documentário já em sua parte final?

AD: A discussão ética era a razão de todo filme. Não haveria o documentário se essa questão não fosse latente; um mero registro do exotismo do Meia Hora​ não teria o meu interesse. As críticas ficam nestes dois acadêmicos, Muniz Sodré e Sylvia Moretzsohn, porque, além de cumprirem muito bem o seu papel de estudiosos da mídia, não haveria sentido trazer ainda mais pessoas. Antes de tudo, as pessoas precisam ser entretidas, e os dois bastaram.

O Muniz Sodré também tem falas muito contundentes sobre o jornalismo popular, mas como discorre de maneira geral e como a minha opção foi tê-lo ao longo de todo filme, diferente da Sylvia, que abre quase um bloco próprio, sua impressão pode ter sido que ele é mais brando. Só essa leitura já demonstra o quão complexa é essa discussão.

 

CF: Você acha que, de modo geral, a imprensa brasileira é muito pouco questionada interna e externamente? Seu documentário tem a intenção de despertar um espírito crítico no espectador a respeito da mídia? Por que motivos você acha que o filme consegue isso?

AD: Sem dúvida a imprensa de um modo geral é pouco questionada. O leitor brasileiro, em geral, adota postura passiva, acredita, aceita e repassa as notícias e manchetes como lhe chegam. O Meia Hora auxilia nesse debate porque traz esse ponto de maneira mais óbvia. Afinal, comemorar morte de bandido é ter um desprezo pela vida humana? Dizer que o traficante Araketu morreu “pulando que nem pipoca” é válido? Todos terão uma resposta para essa pergunta. A partir daí, isso também pode ser rebatido para a discussão política, econômica, e até esportiva.

 

CF: Um documentário recente que tratou do jornalismo brasileiro (O Mercado de Notícias) ouviu muitos profissionais da dita grande mídia, enquanto o seu documentário é focado nos bastidores de um jornal popular. Em ambos os casos, a discussão sobre as mudanças trazidas pela internet ao jornalismo, em particular no cenário brasileiro, é apenas tangenciada. Por que é tão difícil falar sobre esse contexto sem recorrer a frases já muito ditas, tais como “o jornalismo não vai acabar, apenas o meio poderá ser diferente”?

AD: O Mercado de Notícias e Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete têm diferenças claras, mas tratam do mesmo assunto. Enquanto no filme do Jorge (Furtado) o que está em pauta é o jornalismo e a função do jornalista, nesse nosso filme está, em primeiro plano, a postura da mídia – mesmo que em um estudo de caso de um jornal específico, ela pode (e deve) ser reverberada ​para a imprensa de uma maneira geral.

Exigir um exercício de futurologia dos filmes me parece por demais raso, seria deixar superficial um diálogo que deve ser mais bem situado em um presente palpável que vidente de um destino que realmente ninguém pode saber. O momento de efervescência que a mídia passa nos dias hoje é que deve ser estudado e repensado. Todo esse estado de exaltação vem, justamente, do período de transição que o repasse das informações atravessa.

A frase é tão dita e redita porque é uma verdade que deve ser martelada. A função da imprensa continuará sendo fundamental, como essa função será exercida junto aos leitores é que a incógnita. Cabe aos filmes cumprir o exercício da leitura do hoje para, no futuro, aí sim, entendermos como tudo foi construído. A conexão com o presente não pode se esvaziar – isso sem levar em consideração a quantidade ínfima de documentários que o Brasil produziu sobre a sua própria imprensa.

 

CF: O Meia Hora é um fenômeno muito particular do Rio de Janeiro. O seu documentário será lançado em quantas e quais cidades brasileiras? Por que o filme pode provocar interesse em quem não conhece ou apenas já ouviu falar sobre o jornal?

AD: A partir do momento em que se fala de comunicação popular, se fala também da comunicação para a tida elite. O filme não é sobre o fenômeno carioca. Ele fala sobre as pessoas que constroem notícias diariamente, e isso quer dizer respeito a todos os leitores, de todo o Brasil. Inclusive, os de fora do Rio têm reação ainda mais curiosa, porque muitos não sabem da existência do jornal e passam por um período inicial de choque, entendendo que, sim, esse jornal é real e vai para as bancas do Rio todos os dias. Ainda não sabemos com quantas salas abriremos, mas a previsão é que cheguemos a Rio, São Paulo, Porto Alegre e Belo Horizonte ainda em agosto, e ampliando o circuito a partir daí.

 

CF: No Brasil, grande parte das cidades não tem sequer uma sala de cinema. Assim como a assinatura de jornais da dita grande mídia, a ida às salas comerciais fica restrita a um público pequeno, prioritariamente formado por pessoas de classes sociais mais elevadas, até mesmo por conta dos altos preços dos ingressos. Você acha que o leitor do Meia Hora vai ser o espectador principal do seu filme? O que, na sua opinião, pode mudar na recepção do filme por alguém que faz parte do perfil de leitores do jornal e por alguém que não se enquadra nessa mesma característica? Há a intenção de fazer sessões do filme a preços populares?

AD: Não me parece que o leitor do Meia Hora será o principal espectador do filme, o que é uma pena. O motivo principal é conseguir alcançar salas onde há maior venda do jornal: simplesmente não há interesse em documentários, o blockbuster é o carro-chefe e único. Torço para que as pessoas se desloquem para assistir o filme, valerá a pena.

A minha intenção não é fazer um leitor mudar de percepção; ele pode assistir ao documentário e permanecer fiel às suas convicções, mas certamente o que está em jogo é elevar o nível de consciência. Se a cada notícia, a cada manchete, a cada sensacionalismo, depois de uma sessão, ele tiver mais propriedade sobre a informação que consome será incrível.

No mais, o cinema não é nem deve ser encarado como a única maneira de se assistir a um filme. Em breve, estaremos no video-on-demand e na TV fechada, e buscando cada vez mais maneiras de chegar ao espectador. Pensamos em realizar sessões gratuitas depois do período dos cinemas. Muitas exibições em faculdades estão fechadas e seguimos interessados em espaços que queiram debater o filme.

 

Sessão de Meia Hora e as Manchetes que Viram Manchete no 10º Festival de Cinema Latino-Americano de São Paulo

– 1º de agosto, às 19h, no Memorial da América Latina

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