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Filmar jovens é uma maneira de continuar a me motivar, diz diretor de John From

24/10/15 às 17:15 Atualizado em 13/10/19 as 23:19
Filmar jovens é uma maneira de continuar a me motivar, diz diretor de John From

Coube ao espectador paulistano a oportunidade de assistir às primeiras exibições públicas no mundo de John From, novo trabalho do diretor português João Nicolau. Conhecido dos frequentadores da Mostra de São Paulo devido ao seu primeiro longa-metragem, A Espada e a Rosa, que fez parte da programação do festival em 2010, Nicolau demorou cinco anos entre um e outro longa-metragem graças a um entrave no financiamento estatal. Neste ínterim, dirigiu curtas como Gambozinos, exibido no Festival Internacional de Curtas de São Paulo no ano passado.

Montador de alguns curtas e ator do primeiro longa-metragem de Miguel Gomes (A Cara que Mereces), João Nicolau apresenta em John From momentos de humor baseados na ironia e no absurdo que poderiam perfeitamente estar em algum dos trabalhos de Gomes. Mas, assim como nos filmes do amigo, Nicolau não faz comédias propriamente ditas.

Neste seu segundo longa-metragem, ele acompanha o amadurecimento de uma adolescente de 15 anos no período de férias de verão. A personagem Rita (Júlia Palha) conversa com a melhor amiga, tem um caso mal resolvido com um garoto de sua idade, se relaciona de forma meio distante com os pais, até que uma exposição realizada por um novo vizinho no centro comunitário local leva a personagem (e o filme) a se transformar.

Em São Paulo para apresentar John From na Mostra de São Paulo, João Nicolau conversou com o Cine Festivais sobre vários aspectos relacionados ao seu novo filme e à sua carreira.

 

Cine Festivais: Tanto o seu último curta-metragem, Gambozinos, quanto John From focam as férias  de jovens e retratam situações de amor juvenil. O que o atrai nessas situações?

João Nicolau: É bem curioso isso que você está dizendo sobre as férias, porque eu não tinha pensado a respeito. Provavelmente tem relação com o fato de eu escrever meus roteiros já com a intenção de filmá-los no verão, por gostar mais da luz deste período, no qual podemos filmar cenas externas por mais tempo.

Meus primeiros filmes são sobre jovens adultos, que têm de certa maneira os mesmos problemas que o diretor. A partir de certa altura eu passei a me interessar por ouvir pessoas de gerações diferentes. No caso de Gambozinos, crianças de 10 anos; no de John From, adolescentes de 15 anos; e naquele que vai ser meu próximo filme, um senhor de 65 anos.

Essa é também uma maneira de eu continuar a me motivar, ter novos desafios, e ir conhecendo o mundo através daquilo que eu faço, que é cinema. Com John From, aprendi muito sobre os jovens de hoje em dia em Lisboa. Foi bom trabalhar com adolescentes, que têm uma energia, um entusiasmo e uma vontade de fazer as coisas que é necessariamente diferente, e para mim mais fresca, do que a dos adultos.

 

CF: E tem também o fato de a protagonista de John From ser uma mulher…

JN: Isso é outra coisa que eu queria dizer… Essa é a primeira vez que um filme meu tem uma protagonista feminina, e isso também foi um desafio. Disse antes de uma exibição do filme aqui na Mostra que meus filmes estão começando a deixar de ser sobre mim ou ter referências autobiográficas – embora eles nunca tenham sido totalmente sobre isso.

Está existindo um movimento maior na minha carreira de ir à procura de coisas diferentes, e retratar uma protagonista feminina foi entrar em um novo universo. Não se tratou apenas de um generation gap (lacuna geracional). Na questão dos diálogos, por exemplo, havia falas que eu não sabia como soariam quando ditas por uma menina…

 

CF: O quanto ajudou nesta abordagem feminina você ter a Mariana Ricardo como parceira de roteiro?

JN: Ajudou bastante. A Mariana é minha irmã, e já havíamos colaborado no roteiro do meu longa anterior, A Espada e a Rosa, e vamos seguir trabalhando juntos no meu novo longa.

Nós crescemos no bairro de Telheiras, em Lisboa, mesmo local das filmagens de John From. Portanto, ela foi uma adolescente da mesma idade e que morou no mesmo bairro da protagonista do filme. Para escrever para uma personagem feminina, havia um “tempero” da Mariana muito mais do que nos meus outros filmes.

 

O diretor João Nicolau

 

CF: Eu me interessei pela sua maneira de captar a individualidade da personagem. Tem a coisa do primeiro plano que situa ela numa espécie de ilha na sacada do prédio, e também uma cena em que a mesma situação se repete sob pontos de vista diferentes. Você poderia falar sobre esse aspecto?

JN: O filme é uma tour de force da personagem e da atriz. Não há quase nenhum plano em que ela não apareça, e isso já diz muito sobre minha vontade. Assim como em outros filmes meus, mais do que caracterizar um grupo – no caso de John From, os adolescentes – me interessa falar sobre pessoas concretas. Se é possível a nós, espectadores, fazer ou não uma relação com outros temas da adolescência, isso é uma coisa que vem depois.

Eu me interesso por perceber como a personagem vive determinadas coisas, nesse caso a paixão, a relação com a amiga, como é que essa paixão transforma a cabeça dela, o coração, o corpo… No filme, este plano que você falou, que repete exatamente a mesma ação, só que filmada de um ponto de vista diferente, diz ao espectador que o filme é mesmo sobre isso; o rapaz mandou mensagem e ela não respondeu, e isso é muito importante.

Atualmente essa coisa das mensagens de celular é referida nos filmes como algo sem importância, como sendo uma futilidade, mas o que eu vejo é que é ali que se passam as coisas a sério. Por isso esse diálogo existe: para entrar a sério na visão da personagem, e esta cena diz muito claramente sobre o que é o filme.

A partir daí eu creio que o filme vai se transformando junto com a personagem. Há momentos melodramáticos; há momentos que nós, espectadores mais velhos, podemos achar um bocado ridículos e rirmos disso; há momentos de tensão por causa do ciúme com a amiga. O filme procura reagir e interagir com essas situações.

 

CF: O filme tem momentos de um humor português que me parece lidar muito com as ideias de ironia e absurdo. Como você trabalha essa temática? 

JN: Para mim é um bocado difícil fazer qualquer coisa, e não só nos filmes, sem o filtro do humor. Acho que um filme pode emocionar e ao mesmo tempo ter humor. Não são coisas incompatíveis; o humor não se precisa resultar necessariamente em uma comédia. É um tema que faz parte da vida cotidiana, da minha pelo menos, e acho que pode se tratar isso em um filme sem ser o objeto central.

Em John From, como você disse, há elementos de humor e de absurdo, mas que não são necessariamente a coisa central do filme; uma pessoa pode sorrir mais do que rir assistindo a ele. O humor faz parte da vida, e por isso pode estar no filme, assim como pentear faz parte da vida e pode estar no filme também. Não quero tratar o humor de maneira diferente.

Atualmente, quando estou escrevendo, venho tentando refrear um pouco essa veia de fazer jogos de linguagem, de fazer pequenos sarcasmos ou momentos de absurdo. Quero dimunir isso em relação aos meus primeiros filmes, para exatamente não tomar na cabeça do espectador um peso que eu não quero que tenha. Ou seja, eu gosto que o humor faça parte das coisas, mas o centro não esta aí. Até porque eu acho que o humor é uma maneira de olhar: talvez daqui a uns tempos, quando eu for mais maduro, eu possa fazer o humor sem o uso das palavras.

 

CF: Como se deu a escolha do elenco e o trabalho com os atores de John From?

JN: As meninas, que por motivos óbvios são as mais importantes, atuaram pela primeira vez em um filme. Os atores que fazem os pais tiveram a missão ingrata de estar lá para mostrar que o filme não é sobre eles. Eu mesmo disse isso no set, e de certo modo isso também foi um desafio para eles.

A Leonor Silveira, que faz a mãe, trabalhou bastante com o Manoel de Oliveira, era uma espécie de musa dele. O Adriano (Luz) e o Filipe (Vargas) também são atores experientes, que fazem TV, teatro e cinema. Como sabia que as adolescentes seriam atrizes não profissionais, tive interesse em juntá-las com esses atores e ver o que saia desse choque.

Um dos momentos que mais dá alegria são os ensaios, nos quais todos os atores e atrizes têm liberdade para propor e cortar coisas. Como havia atrizes não profissionais, só parti para as filmagens quando senti que elas estavam muito confortáveis. Também fizemos ensaios nas ruas do bairro onde filmamos. Esse processo, a meu ver, permite que mesmo no momento das filmagens possa haver coisas novas. De resto, trato todos os atores da mesma maneira, o que acho que enriquece o trabalho do filme.

 

CF: E em relação ao registro das atuações: você é adepto de um estilo não naturalista…

JN: Este filme provavelmente tem um pouco mais de realismo – naturalismo, como quiser chamar… – do que os meus filmes anteriores. Há uma transformação no filme: ele no início é quase documental, mostrando a vida daquela menina no verão, até que acontece uma coisa que depois leva o filme para outros caminhos.

Acho que em John From há mais espaço para haver essas transformações. O início é mais realista e depois, de fato, não sigo um registro naturalista de todo, porque para isso eu teria que filmar também de uma maneira naturalista/realista, com códigos que eu não domino de todo, infelizmente. Há muitos filmes desse registro que eu gosto, mas não faria sentido para esta proposta de mise-en-scéne filmar de uma maneira e os atores estarem representando num registro naturalista.

Por outro lado, também não gosto, por exemplo, de coisas teatrais ou afetadas. Isso o filme não tem. O que há é um estilo mais seco, que me permite acesso àquilo que de fato é importante em cada momento em cada situação.

 

CF: Por que realizar o filme em 16mm?

JN: Optei por filmar em 16mm porque a película tem uma vida física que para mim é equivalente à vida da personagem Rita. Os suportes digitais têm muito mais definição e mais possibilidades, mas não têm a matéria física que a película traz. É uma opção difícil, porque para filmar em película tenho que abdicar de imensas outras coisas que o filme podia ter, porque é um valor de produção caro. Para mim, esteticamente, não é nada difícil escolher. Filmaria sempre em película, 16mm ou 35mm, mas isso é difícil pelo custo e pela dificuldade de revelação (tivemos que revelar o filme na França). A situação em Portugal é como no Brasil: cada vez mais está complicado filmar em película.

 

CF: Aqui no Brasil houve recentemente uma discussão gerada por comentários em redes sociais que sexualizavam uma menina de 12 anos que participou de um reality show (MasterChef Júnior). Como foi para você o desafio de lidar  no filme com a questão do amor de uma jovem por um homem muito mais velho sem incorrer na sexualização vulgar?

JN: Acho que a questão da sexualização e do corpo feminino é uma coisa presente no filme, mas que não está explícita, assim como outras coisas não estão. Acho que filmar é um ato que só faz sentido se houver um respeito e, ao mesmo tempo, uma vontade absoluta para filmar aquilo que se quer filmar.

Há momentos em que a personagem é uma criança ainda, e outros em que ela é praticamente uma mulher; o filme joga muito com isso. Então a maneira de abordar essa questão da sexualização do corpo tem que ter em conta isso. Não me interessa uma representação sexual por si só, esse não era o foco.

 

CF: Não é comum filmes internacionais fazerem a estreia mundial aqui na Mostra de São Paulo. Qual é a sua relação com o festival e qual será a trajetória do filme daqui para frente? 

JN: O filme estreou aqui na Mostra de São Paulo, depois vai para Salvador (XI Panorama Internacional Coisa de Cinema) e terá exibições em muitos festivais europeus. Também vamos distribuí-lo no circuito comercial brasileiro com a Tucumán, que deve lançá-lo em março ou abril do ano que vem.

Tenho mostrado meus filmes no Brasil já desde os curtas, e o meu primeiro longa, A Espada e a Rosa, também passou na Mostra. Para mim é sempre um motivo de grande satisfação, porque no Brasil há um entusiasmo que não se encontra em Portugal ou mesmo em outros lugares da Europa.

Sinto isso por causa das pessoas que perguntam depois das sessões, pela vontade de fazer eventos como esse festival, pela imensa massa crítica brasileira que se formou na internet, coisa que em Portugal é pequena, até por uma questão de escala. Tenho muita alegria que o filme tenha começado a sua carreira aqui.

 

CF: Fale um pouco mais sobre o projeto de seu próximo longa-metragem.

JN: Ele já tem o roteiro escrito, mas não está financiado, portanto ainda deve demorar a ser rodado. O titulo provisório é O Casamento do Nosso Diretor, mas não há um jogo metalinguístico aí, porque em Portugal chamamos de realizador aqueles que vocês chamam de diretor de cinema. No caso do filme trata-se do diretor de uma empresa, um homem que está deixando a carreira, e que terá retratado os seus últimos meses de trabalho. Vai ser um musical assumido, no qual situações rocambolescas acontecem.

 

CF: O filme vai ser daqui a cinco anos, como ocorreu no intervalo entre A Espada e a Rosa e John From?

JN: John From demorou cinco anos porque obteve apoio do Instituto Português do Cinema em 2011, mas em 2012 o dinheiro não chegou, pois não houve nenhum apoio ao cinema português naquele ano. Por isso só consegui rodá-lo em 2014. Espero que para o próximo não seja preciso tanto tempo, mas isso não esta só em minhas mãos…

 

>>> Acompanhe a cobertura da 39ª Mostra de São Paulo

 

Sessões de John From na 39ª Mostra de São Paulo

-Dia 24/10 – 21h – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 4

– Dia 28/10 – 14h – RESERVA CULTURAL 2

– Dia 31/10 – 15h50 – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – AUGUSTA 1

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