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Fábula, introspecção e amadurecimento: Fabio Meira fala sobre As Duas Irenes

25/08/17 às 16:51 Atualizado em 20/11/19 as 15:04
Fábula, introspecção e amadurecimento: Fabio Meira fala sobre As Duas Irenes

Dolores, As Duas Irenes, Tia Virgínia. Os nomes, que se referem respectivamente a um curta-metragem, ao longa de estreia e ao próximo projeto de Fabio Meira, expõem o interesse do cineasta goiano por narrativas com protagonismo feminino. “Como venho de uma família com mulheres muito fortes, sempre fui muito interessado por esse universo. A simplicidade desses títulos mais diretos também é uma coisa que me atrai”, conta Fabio.

As Duas Irenes teve estreia internacional em fevereiro, no Festival de Berlim, dentro da seção Generation, que é dedicada a filmes que tematizam questões sobre o universo infantojuvenil. No Brasil, o filme chegou aos festivais neste mês de agosto, constando na competição do 45º Festival de Gramado e na programação da 11ª CineBH – Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte, onde foi exibido na quinta (24). A estreia no circuito comercial já está marcada para o dia 14 de setembro, pela distribuidora Vitrine.

O ponto de partida do trabalho é a descoberta de Irene (Priscila Bittencourt), uma garota de 13 anos, a respeito da segunda família mantida por seu pai, na qual há uma meia-irmã com a mesma idade e o mesmo nome dela. O encontro com esse “duplo” desestabiliza o universo particular da personagem, ao qual temos acesso muito mais pela via observacional do que pela fala.

Logo após a sessão de As Duas Irenes no MIS Cine Santa Tereza, em Belo Horizonte, o Cine Festivais conversou com o diretor Fabio Meira a respeito do longa-metragem.

 

Cine Festivais: A demarcação temporal indefinida do filme me passou a impressão de dialogar com a ideia de fábula. Era essa a intenção?

Fabio Meira: Para mim é uma fábula: “a menina que descobriu que o pai tem outra família, vai atrás dela e descobre outra possibilidade de ser.” Também por isso eu não queria que o tempo fosse marcado. A história pode se passar nos anos 60, nos anos 80 ou nos dias de hoje, mas também pode ser em uma cidade perdida no tempo.

 

Tem um momento do filme que verbaliza o que o espectador está sentindo: a gente nunca sabe o que a Irene está pensando. A atuação principal traz essa coisa meio opaca, e é isso que te puxa para o filme o tempo inteiro…

O filme tem um universo interior muito forte. A Irene quase não fala nada. Há vários momentos do filme em que fazem perguntas e ela não responde, mas por dentro ela é um vulcão. E o pai também quase não fala, você não sabe direito como ele lida com o fato de ter duas famílias.

Isso me interessa muito também, porque quando o espectador vê esse universo interior retratado ele também se coloca dentro do filme. Acabei de receber uma mensagem de uma pessoa dizendo que se identificou muito. Se estivesse tudo dito, ela não se identificaria. Porque no filme há o espaço das ausências, dos silêncios, que permite que o espectador coloque algo de si ali dentro.

 

Com essa interdição da fala, a expressão corporal ganha bastante importância, principalmente no que se refere a uma ideia de retração do corpo. Como você trabalhou isso com as atrizes?

Achei que essa história deveria ser contada num tom menor, que é o tom da própria Irene. Ela é muito introspectiva, muito ensimesmada, então esse é o tom dela. Nós tínhamos uma preparadora corporal, a Verônica Veloso, e como a Priscila (Bittencourt) tem experiência com balé, ela estava acostumada com movimentos grandes. Por isso a intenção sempre foi encurtar esses gestos, buscar uma coisa mínima.

Isso não passou só pela questão corporal. A Priscila tinha um cabelo loiro até a cintura, e isso não combinava com a personagem. Por isso a gente cortou e escureceu o cabelo dela. O corpo precisava desse cabelo sem glamour.

 

A relação das Irenes no filme lembra a relação das personagens de Lírios d’Água, filme da francesa Céline Sciamma…

Acho que é um filme parente. Tem essa coisa da rivalidade, de uma também se aproveitar da outra. No meu filme elas se aproximam, ficam amigas, mas não deixam de ser rivais em nenhum momento. Por mais que sejam cúmplices, as duas lutam pelo amor do pai, as duas lutam por um lugar. É um encontro, mas também tem o lado da competição.

 

Houve outras influências cinematográficas ou literárias durante o processo de criação do filme?

Um filme muito inspirador para mim é o El Sur, do Victor Erice, justamente pela simplicidade da coisa. Gosto muito também de O Espírito da Colmeia. De livros, estudei muito o Freud para entender tanto a relação dela com o pai quanto a questão do “duplo”. Mas de modo geral esse foi o roteiro em que menos me inspirei em peças, livros ou filmes. Eu tinha tantas histórias familiares que isso nem foi muito necessário.

 

Queria saber por que você optou por filmar em Scope (formato 2,35:1, ocupando toda a tela), já que o filme retrata uma perspectiva muito íntima.

É uma história muito íntima, mas é também uma história que depende muito do entorno. No filme uma das casas é aconchegante, colorida, e a outra tem poucas cores e é muito estéril. Acho que o formato ajuda a pensar essa relação delas com o espaço. Isso era muito importante pra mim, porque a gente é um reflexo da casa onde a gente nasce, da família onde a gente nasce. Com certeza o espaço é decisivo na nossa formação de identidade.

 

Você citou O Espírito da Colmeia, e tem uma cena no filme em que a Irene conta uma história de terror para a irmã. Foi uma referência/homenagem ao filme do Erice?

Aquela cena pra mim ocorre no momento em que a Irene já está sentindo que tem algum poder, porque antes ela estaria absolutamente calada na mesa. Ali ela já tem algum poder, é capaz de ser a protagonista da própria cena dentro de casa. A Priscila (atriz) era muito de ficar contando histórias, e eu absorvi muitas coisas dessa convivência no roteiro.

Se você for ver, essa coisa de crianças contarem histórias de terror é comum no cinema, tem em A Menina Santa, tem em O Espírito da Colmeia. Eu mesmo adorava contar história de terror, porque é uma coisa que te dá poder. Quando você conta algo para alguém e essa história tem efeito, você tem poder.

 

Como diretor e roteirista, você sente isso com as histórias que conta, com os seu filmes?

Poder não, mas eu sinto afeto. É o que eu ganho de volta por estar dividindo isso com as pessoas. [Fazer filmes] Também é uma maneira de receber carinho, né?

 

*O repórter viajou a convite do festival

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