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Valorização da obediência é resquício do totalitarismo, diz diretora romena

27/10/15 às 15:11 Atualizado em 13/10/19 as 23:19
Valorização da obediência é resquício do totalitarismo, diz diretora romena

A situação poderia se passar em qualquer grande metrópole brasileira. Uma pessoa já na faixa dos 30 anos mora com os pais e tem dificuldades para se tornar independente. A história, contudo, se passa na Romênia, no segundo longa-metragem da diretora Ana Lungu, Autorretrato de uma Filha Obediente, que faz parte da programação da 39ª Mostra de São Paulo.

A protagonista do filme, Cristiana (Elena Popa), se vê sozinha em seu apartamento por uma razão inusitada: são os pais, e não ela, que se mudam para outro local. Preparando o seu PhD sobre engenharia sísmica e envolvida com um homem casado, a personagem toma aos poucos consciência da imobilidade da sua vida.

“Os adultos não são tão vitimas dos pais quanto tentam aparentar, pois também tomam vantagem disso, como eu tentei mostrar no filme”, diz a diretora a respeito dessa relação entre pais e filhos, que também é fortemente influenciada pelo aspecto financeiro.

Para Ana, embora não seja um filme político, o seu trabalho traz no título e em tela um comentário a respeito de um resquício da ditadura comunista perpetrada por Nicolae Ceasescu entre 1967 e 1989: a valorização da obediência.

Além das sessões na Mostra, Autorretrato de uma Filha Obediente será distribuído no Brasil em 2016 pela distribuidora Supo Mungam Films. Nesta conversa com o Cine Festivais, a diretora Ana Lungu também fala sobre as opções estéticas do filme e sobre as suas influências cinematográficas.

 

Cine Festivais: Alguns dos filmes romenos que foram reconhecidos mundialmente nos últimos anos, como 4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias (dir: Cristian Mungiu), traziam direta ou indiretamente questões políticas, geralmente ligadas à ditadura comunista comandada por Nicolaeu Ceausescu. O seu filme opta por uma abordagem diferente. Você vê alguma questão política nele?  

Ana Lungu: Eu venho de outra geração. Tinha 12 anos quando a revolução veio e o governo de Ceausescu caiu. Eu acredito que as pessoas ainda estão marcadas pelo comunismo, mas em um nível mais profundo.

O próprio nome do meu filme tem uma relação com isso. Eu acho que na Romênia de hoje a noção de autoridade é muito importante. Ser obediente ainda é considerado um valor, e eu vejo isso como uma consequência do sistema totalitarista.

 

CF: A protagonista do seu filme é uma mulher de 30 anos de idade que ainda mora com os pais, e que se vê sozinha em um apartamento depois que eles, e não ela, tomam a decisão de se mudar. Vejo nisso uma semelhança grande com a sociedade brasileira…

AL: Essa é uma característica muito presente na Europa Oriental. Na parte ocidental esta saída de casa costuma acontecer já no momento de ida para a universidade, mas na parte oriental, até por razões econômicas – não sei se no Brasil também é assim – isso costuma demorar.

Na Romênia há pessoas que casam, têm filhos e ainda seguem vivendo com seus pais, porque eles não têm o dinheiro para comprar uma casa. Há essa conexão forte que faz parte das características de algumas sociedades.

 

CF: E isso gera consequências na sociedade…

AL: Por causa disso as pessoas não amadurecem, não ficam independentes, não assumem responsabilidades. Os adultos não são tão vitimas dos pais quanto tentam aparentar, pois também tomam vantagem disso, como eu tentei mostrar no filme.

Os filhos tentam ser independentes, mas eles pedem dinheiro algumas vezes, não querem ter as responsabilidades de viver sozinhos… De certa maneira eles gostam disso, apesar de reclamarem de que os pais querem controlá-los quando já se tornaram adultos.

 

CF: A sua opção por filmar quase sempre longos planos fixos faz alguma referência a pinturas?  

AL: Eu tenho que admitir que isso não foi algo consciente, mas já havia ouvido essa interpretação, e acho possível que tivesse isso em mente. Escolhi filmar dessa forma porque o roteiro era composto por diferentes momentos na vida de Cristiana – não era uma história no sentido tradicional -, então eu achei que cada momento deveria ser filmado em um único plano.

De outra forma, isso me ajudou no trabalho com atores não profissionais, porque fazendo planos únicos eu não tinha que pedir a eles para repetir exatamente a mesma coisa, pois acho que eles não teriam essa habilidade.

 

CF: Os planos fixos também podem ser interpretados como reflexos da imobilidade da vida da personagem?

AL: Eu acho que a maneira que você enxerga isso é boa. Não tinha isso em mente dessa maneira na hora da filmagem, mas é mais ou menos isso: a câmera é fixa, a vida é fixa, e a protagonista tem dificuldade para seguir em frente, sair dessa imobilidade.

 

CF: Por que a escolha por realizar dois finais?

AL: Nós filmamos a última cena meses depois do restante do filme. No roteiro original havia mais uma cena, uma outra ligação feita pela Cristiana para o amante, mas eu achei que o novo final deixou as coisas mais abertas e complexas, algo que eu espero que aproxime o filme da vida real.

 

CF: O que há de autobiográfico no filme?

AL: Ele é autobiográfico no sentido de que os pais da protagonista são os meus pais, os amigos da protagonista no filme são meus amigos; de certa maneira, o mundo da Cristiana é o meu também. Mas em relação ao que acontece, é 100% filme. Não pedi que a atriz atuasse tentando me imitar. Construímos a personagem juntas, a partir de muitas conversas entre nós.

 

CF: O seu filme é muito baseado nos diálogos. Qual era a liberdade de improvisação dada aos atores?

AL: No meu outro filme, que realizei em 2010, também usei um elenco misto de atores profissionais e não profissionais, e ali também improvisei muitas falas. Neste filme, a atriz que faz a protagonista Cristiana (Elena Popa) e o ator que faz o Dan (Emilian Oprea), amante dela, são profissionais e tem bastante experiência no teatro. Então, nas cenas em que eles atuavam juntos, eu trabalhei de uma forma tradicional, com ensaios como se fosse para teatro.

Entre os atores não profissionais havia meus pais, que não tem nada ver com cinema, e que provavelmente não voltarão a atuar. Meu pai é engenheiro de estruturas e minha mãe é pesquisadora na área biológica. Ele não queria ler as falas, preferia improvisar. No geral, as cenas contendo os atores não profissionais são parcialmente improvisadas, mas apenas as falas; as situações, o que iria acontecer, sempre estavam definidas.

 

CF: Falando mais sobre esse gosto pelos diálogos, você se inspira em nomes como o Woody Allen para buscar essa fluidez nas falas?

AL: A minha grande inspiração são os filmes do Erich Rohmer, nos quais os diálogos são muito importantes, mas também vejo essa relação com o Woody Allen. Em relação ao trabalho com atores não profissionais, eu também admiro bastante Ulrich Seidl e Mike Leigh. Li entrevistas em que Leigh diz finaliza os seus roteiros em conjunto com os atores, e não sozinho. E nos filmes dele também há liberdade para o improviso.

 

Sessões de Autorretrato de uma Filha Obediente na 39ª Mostra de São Paulo

– Dia 29/10 – 17h45 – RESERVA CULTURAL 2

– Dia 31/10 – 21h50 – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 4

– Dia 04/11 – 15h30 – ESPAÇO ITAÚ DE CINEMA – FREI CANECA 2

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