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Premiado em Cannes, A Terra e a Sombra faz retrato minimalista da Colômbia rural

29/10/15 às 14:36 Atualizado em 13/10/19 as 23:19
Premiado em Cannes, A Terra e a Sombra faz retrato minimalista da Colômbia rural

Vencedor de quatro prêmios durante a sua passagem por Cannes neste ano, sendo o principal deles a Câmera de Ouro – para o qual concorrem os longas-metragens de estreia exibidos nas diversas seções do evento francês -, o filme colombiano A Terra e a Sombra, dirigido por César Augusto Acevedo, se insere em um momento em que o cinema do país sul-americano vem ganhando destaque em grandes festivais internacionais, conquistando troféus como o da Palma de Ouro de curta-metragem, atribuída no ano passado para Leidi, do diretor Simon Mesa Soto.

“(Na Colômbia) Há filmes de todos os gêneros e tipos, mas aqueles que mais me interessam são aqueles que estão frequentando e se destacando em festivais. Para esses diretores, os filmes são ferramentas poderosas de reflexão, de construção de memória, e também uma forma de se aproximar desse país abandonado que está na periferia, na vida dos mais pobres”, afirma César Augusto Acevedo, que certamente está incluído nesse grupo de cineastas.

A Terra e a Sombra é ambientado no interior da Colômbia, em um local cercado por canaviais. Em uma casa que resiste em pé graças à postura da matriarca de rejeitar as ofertas dos grandes proprietários de terra, um senhor de idade reaparece após mais de uma década, com o intuito de cuidar do seu filho doente. O elenco, formado quase só por atores não profissionais, foi preparado pela brasileira Fátima Toledo.

Acevedo veio ao Brasil para acompanhar as sessões de seu filme na 39ª Mostra de São Paulo e falou ao Cine Festivais sobre o seu trabalho.

 

Cine Festivais: A preparadora de elenco Fátima Toledo ganhou notoriedade aqui no Brasil pelo trabalho em obras como Cidade de Deus e Tropa de Elite, que tratavam da violência e tinham personagens que precisavam exteriorizar as suas emoções em algumas cenas. Em A Terra e a Sombra há poucos diálogos e as emoções ficam quase sempre internalizadas. Por que você escolheu a Fátima para trabalhar no filme?

César Augusto Acevedo: A Terra e a Sombra é um filme que trata mais de sentimentos do que de acontecimentos. Há poucos diálogos porque os personagens não conseguem expressar o que sentem através de palavras, então eu tinha que buscar outras maneiras de exteriorizar essas questões.

No começo eu queria trabalhar com atores profissionais por causa da carga dramática exigida pelo filme, mas não me interessava apenas a interpretação. Como o trabalho se passa no campo, eu realmente desejava que o público sentisse que estava vendo pessoas reais. Não era importante construir um personagem, mas sim que eles realmente sentissem e vivessem aquela história, e nisso tive dificuldades com os profissionais. Por isso mudamos o nosso casting e passamos a buscar gente da região.

Até por ser o meu primeiro longa-metragem, achei que era importante ter alguém para preparar o elenco, e o método da Fátima funcionou muito bem para a minha proposta. Foi uma ferramenta forte para buscar conexões emocionais entre essas pessoas.

 

CF: Há muitos diretores e atores que fazem críticas ao conceito de preparação de elenco. Qual é a sua visão sobre o tema?

CA: Isso depende de cada projeto. Em A Terra e a Sombra foi possível trabalhar com atores não profissionais porque não há a necessidade de memorizar falas muito grandes, é uma exigência mais emocional. No meu próximo projeto, talvez tenha que trabalhar com profissionais, porque há muitos diálogos.

Nesse meu primeiro longa os profissionais não se encaixavam no meu imaginário de pessoas do campo. Creio muito no que dizia (o diretor francês Robert) Bresson sobre os atores como modelos. O corpo transmite muitas coisas, há muita verdade no físico, e esse filme pedia isso. Há muita gente que critica o fato de eu ter escolhido trabalhar com não profissionais, mas sinto que cada história tem uma identidade, e isso não depende da formação dos atores.

 

CF: Como se deu a escolha de Haimer Leal, o ator que faz o papel do senhor que volta à sua casa após anos para cuidar do filho?

CA: Quando estávamos fazendo o casting buscando atores profissionais, esse senhor era a pessoa que varria o local e trazia café para nós. Vimos que ele era parecido com o que esperávamos do protagonista do filme e o convidamos para um teste. Ele a princípio não aceitou, disse que aquele não era seu mundo… Depois conseguimos convencê-lo, ele aprendeu os diálogos, as cenas, e gostei muito do seu olhar, sua respiração, pensando no tom que queria para o filme.

Já tinha experiência em trabalhar com não atores em vários filmes de amigos e em meus curtas, e desde o princípio tento deixar claro que isso é apenas um trabalho, que fazer um filme não significa se tornar ator, e que se eles quiserem seguir na carreira precisam estudar.

Haimer é uma pessoa que vive no campo e me disse que, se tiver outra oportunidade, poderia atuar novamente, mas até agora nada apareceu, e ele não deseja se transformar em um ator profissional.

Para todos os atores o filme foi uma experiência muito forte, que eles enfrentaram com muito valor. Estar consciente dessas emoções o tempo todo pode ser muito doloroso. No caso dele, havia muitas coisas que havia fechado por dentro e nunca havia expressado; sempre estava chorando, se descompunha… Tentei aproveitar essa sensibilidade que se despertou nele para fazer esse personagem.

 

O diretor César Augusto Acevedo

 

CF: Fale sobre a concepção visual do filme, com planos longos, predileção por panorâmicas…

CA: Gosto de um tipo de cinema que te permite ter tempo para sentir e viver o que está passando na tela. Era importante fazer com que os personagens compartilhassem o mesmo espaço e o mesmo tempo, para que os sentimentos fossem se revelando pouco a pouco. Neste sentido, a decupagem e os movimentos de câmera vão contando aquilo que os personagens não podem dizer.

Uma das ideias-chave do filme era que o fechamento físico da casa é uma metáfora do fechamento emocional, da angústia e da desolação daquelas pessoas. Outra opção importante se deu na montagem e no ritmo do filme, que seguem a emoção dos personagens. No princípio há planos muito estáticos, pois eles não conseguem se conectar, mas à medida que os relacionamentos se intensificam o filme ganha fluidez.

 

CF: Era sua ideia tratar da questão da exploração dos trabalhadores do campo de uma forma não panfletária?

CA: Para mim era importante contar a história da família, mas também falar de todos os problemas sociais gerados por esse progresso avassalador que não só destruiu a natureza, mas passou por cima dos seres humanos. As principais vítimas são os moradores e trabalhadores da região.

A enfermidade do filho no filme não é apenas física, mas também espiritual, vinda dessa opressão que realmente destrói tudo e coloca as mulheres em uma situação difícil, já que a única maneira que te permite viver também é, de certa maneira, o que acabará por te matar.

Há um conflito forte entre o valor dado à terra e a necessidade de ter que ir para sobreviver. O filho não quer sair dali porque, de certa maneira, estaria cometendo o mesmo erro que o pai em relação á mãe. Há muitos níveis de leitura de todas essas situações.

 

CF: Por que a Colômbia vem produzindo tanto filmes de destaque recentemente?

CA: Na Colômbia, há 12 anos, havia um ou dois longas-metragens produzidos por ano. De lá para cá, foi aprovada a primeira lei de cinema, que estimulou a produção de curtas e longas-metragens, a qualidade técnica e cinematográfica melhorou muito e, em 2015, atingimos o número recorde de 60 longas realizados.

Há filmes de todos os gêneros e tipos, mas aqueles que mais me interessam são aqueles que estão frequentando e se destacando em festivais. Para esses diretores, os filmes são ferramentas poderosas de reflexão, de construção de memória, e também uma forma de se aproximar desse país abandonado que está na periferia, na vida dos mais pobres.

Antes, praticamente só havia comédias ou filmes que retratavam a violência sem nenhuma reflexão, e agora há um tipo de cinema que tenta nos aproximar da nossa própria realidade. Isso é valioso em um país com tanta desigualdade social, tanto medo e tanta desconfiança.

Por outro lado, no ano passado foi aprovada a segunda lei de cinema, que tem como objetivo atrair produtoras estrangeiras, sobretudo de Hollywood, para gravar no país. Com ela, o governo devolve 40% dos gastos de produção e mais 20% das despesas com hotéis, alimentação, serviços… Isso está encarecendo os custos para as produções locais e não tem gerado mão de obra no país, já que os principais cargos são ocupados por estrangeiros. A visão da gente de Hollywood sobre nós (colombianos) também é conhecida: nos retratam como selvagens, assassinos e narcotraficantes.

Nesse sentido, é um momento difícil para nossa cinematografia, mas tem muita gente que vê o cinema como um ato de resistência, amor e fé, e que crê que a linguagem pode nos fazer sentir mais humanos e enriquecer a experiência sobre vida e sobre o mundo. Estes vão seguir trabalhando, mas com condições mais difíceis que nos últimos anos.

 

CF: Como está o andamento do seu próximo projeto?

CA: Muita gente pensa que, depois do prêmio em Cannes, tenho que fazer algo imediatamente, e que não pode ser menos que uma obra-prima (risos). Fazer um filme dá muito trabalho e leva muito tempo. Ainda estou escrevendo o meu próximo projeto, que ainda não tem nenhum financiamento garantido.

Será uma história sobre violência e conflitos em meu país, só que com um tipo de olhar mais poético. Vai tratar de fantasmas que reconstroem sua história de vida durante o caminho ao céu. Quero que seja uma reflexão de como esse conflito não só atingiu as almas, mas também os espíritos dessas pessoas.

 

>>> Acompanhe a cobertura da 39ª Mostra de São Paulo

 

Sessões de A Terra e a Sombra na 39ª Mostra de São Paulo

– Dia 01/11 – 18h – CINESALA

– Dia 03/11 – 14h – CINEARTE 1

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