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Em curtas do É Tudo Verdade, jovens diretores retratam suas avós

07/04/16 às 10:00 Atualizado em 13/10/19 as 23:13
Em curtas do É Tudo Verdade, jovens diretores retratam suas avós

Filmes com viés pessoal, nos quais o próprio cineasta ou seus familiares são o centro temático, se multiplicaram depois que a possibilidade de produção digital barateou os custos de realização. O que a programação do 21º É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários sugere é a inclusão de um novo grupo dentro deste nicho: os “filmes de avó”.

No evento, que acontece de 7 a 17 de abril em São Paulo e Rio de Janeiro, há cinco trabalhos em que os diretores se debruçam de diferentes maneiras sobre a história de suas avós, três estrangeiros (o argentino Carmen, o alemão Fatima e o holandês Um Caso de Família) e dois brasileiros: Abissal, do cearense Arthur Leite, e Aqueles Anos em Dezembro, do paulista Felipe Arrojo Poroger, ambos integrantes da mostra competitiva de curtas-metragens nacionais.

“Meus avós são os principais responsáveis por eu fazer cinema. Poderia ter sido por causa de meus pais, cinéfilos como são, mas eu cresci com minha avó Rosa, protagonista do meu filme, contando tantas histórias sobre a vida dela e do vovô Durval lá em Belém do Pará e na Amazônia que chegou um momento que eu não fazia nada a não ser imaginar como seria minha vida lá na selva com eles”, conta Arthur.

Sua ideia inicial era realizar um filme sobre Durval, o avô que ele nunca chegou a conhecer. Entretanto, a entrevista que ele realizou com a avó trouxe revelações que a fizeram se tornar a protagonista do curta-metragem.

A mudança no planejamento inicial também esteve presente no filme de Felipe. Ele tinha a ideia de fazer uma reconstituição do primeiro encontro de seus avós, ocorrido nos anos 40, utilizando os próprios como atores. Contudo, um período depressivo vivenciado pela avó impediu a realização do desejo.

“Os avós parecem ser a ponte mais próxima para um passado muito distante. A pretensão impossível de reconstruir esse passado me motivava bastante. Os netos estão muito acostumados a escutar seus avós – às vezes, até com menos paciência do que gostaríamos. Relembrando o processo, acho que, no fundo, eu não pensava tanto em minha família ao fazer o filme; me incomodava mais a passagem do tempo, a cidade que apaga as marcas dessa passagem. Era um momento familiar muito difícil, e fazer o documentário foi essencial para sobreviver a ele”, conta Felipe.

Em entrevista por e-mail ao Cine Festivais, os dois diretores falaram sobre as especificidades de seus filmes.

 

Arthur Leite fala sobre Abissal

(foto: Jacques Antunes)

Cine Festivais: O seu projeto teve tutoria dos cineastas Karim Aïnouz, Marcelo Gomes e Sergio Machado. O Karim, especificamente, tem um documentário muito pessoal, o Seams, no qual ele também fala sobre sua própria família. Esse trabalho o influenciou? De que maneira a tutoria desses três diretores foi importante no desenvolvimento deste filme? Como era o outro filme que poderia sair com o material filmado e como se deu esse processo de descobrimento na montagem?

AL: Abissal nasceu da maneira mais improvável possível. Na verdade, todo esse material deveria ser, apenas, para pesquisa e desenvolvimento de uma personagem ficcional, a Vera, de uma minissérie que escrevi e irei dirigir, em breve, criada dentro do Laboratório de Audiovisual para TV do Porto Iracema das Artes e do Instituto Dragão do Mar.

A protagonista da minissérie, diretamente inspirada na minha avó, foi bastante difícil de desenvolver, por ser uma personagem tão complexa e, ao mesmo tempo uma pessoa próxima a mim. Minha avó não gostou muito a ideia de ter fatos da sua vida se transformando em produto de televisão e, durante todo o período do LabTV, negou-se a me dar uma entrevista. Curiosamente, após o término do laboratório e com os roteiros de todos os episódios prontos, um dia a vovó me ligou por conta própria e questionou se eu ainda tinha interesse naquela entrevista. Respondi prontamente que sim e, em três dias, reuni minha equipe e fomos gravar com ela.

Decidi que seria um filme sobre o meu avô, Durval, pois era dele que sabia muito pouco e esse filme me mostraria mais sobre esse homem – pelo menos era o que eu achava. Logo no primeiro dia de gravação, fiquei bastante confuso. Minha avó não fala do meu avô, mas dela própria, com o vovô sempre como coadjuvante. Foi uma gravação difícil. Percebi que a verdadeira desconhecida da história era minha própria avó.

Sou formado em Audiovisual pela Universidade de Fortaleza, um curso de quatro anos, mas o ano que passei imerso com Karim Ainouz, Sérgio Machado e Marcelo Gomes, sem dúvida me abriu a mente e me levou a penhascos muito mais altos do que poderia imaginar durante minha formação como bacharel em Cinema. É por isso que esses três grandes diretores estão nos créditos do meu filme, por que com eles aprendi toda uma maneira mais profunda e verdadeira de realizar um filme.

Foi um processo de aprendizagem, para além do desenvolvimento da minissérie. O Karim me falou do Seams e, inclusive me enviou o filme. Eu nunca assisti, confesso que tive medo de me deixar influenciar por ela. Havia esquecido completamente, agora, com o filme pronto, vou procurar o link ou pedir a ele que me envie novamente. Nós conversamos muito, Karim e eu, sobre a influência que a família tem em nossas obras e trajetórias. De certa forma, essa proximidade nos ligou durante o laboratório inteiro, até nascer Abissal.

 

CF: A inclusão inicial da leitura de uma carta ganha outro sentido quando a situação é retomada ao longo do filme. Você acha que essa opção de montagem revela um movimento de passagem de protagonismo de você para a sua avó? Como você pensou a questão da sua presença como personagem no filme ao longo do processo de montagem?

AL: Partindo da ideia original do documentário ser sobre meu avô, havia decidido que minha participação no filme seria mínima. Afinal, o Durval que era o centro do filme. Mas, como falei na resposta anterior, o filme mudou completamente de rumo. Sai meu avô e entra minha avó, Rosa. Após as gravações deixei o material parado, sem sequer vê-lo, durante alguns meses. Horas de gravação com minha avó e suas verdades reveladas.

Houve, de minha parte, a dúvida de continuar com o filme. De certa forma foi doloroso, não de ter minha ideia modificada, mas no âmbito pessoal e psicológico até, de saber que minha avó mentiu e escondeu coisas por tanto tempo. Mas, ao fim das contas, foi esse sentimento que me fez perceber que tinha um filme muito mais poderoso e profundo nas mãos; um filme catártico.

Apesar de ser uma história tão íntima, a minha ligação com minha avó me faz acreditar que é isso que o torna universal. O sentimento. Dessa forma é inevitável minha participação no filme de maneira mais direta, além da narração, pois nessa nova versão meus próprios diálogos e questionamentos se tornam parte da obra. A carta que leio no início do filme eu a escrevi quando tinha noves anos e minha avó guardou até hoje, como todos os outros documentos que ela dizia não ter. Não tinha jeito, eu passei de diretor a, também, personagem. Essa era a condição para o filme existir.

 

CF: Como curador de um festival de cinema (Cine Jardim), você deve ter tido contato com um grupo diverso de curtas-metragens. Levando isso em conta, qual você acha que é a importância e o papel do É Tudo Verdade para curtas-metragens no Brasil e o que a seleção representa para você?

AL: O Cine Jardim é um festival em sua segunda edição. A idealização é do Leo Tabosa, meu amigo-irmão, e a curadoria foi feita por ele, o Jorge Sardo Jr e eu. Foram quase 900 filmes inscritos de todo o mundo. E dezenas de longas-metragens brasileiros.

Foi um trabalho árduo, mas recompensador. Primeiro por perceber que, mesmo em nossa segunda edição, o Cine Jardim recebeu filmes de competentes diretores que estrearam em importantes festivais do Brasil e do mundo e, ao mesmo tempo apresenta parta da safra de novos realizadores com seus excelentes filmes. Em segundo lugar, por ver que o cinema brasileiro está cada vez mais forte e com muito mais cara de Brasil.

O É Tudo Verdade é um dos principais festivais de documentário do mundo, com uma carreira de 21 anos de sucesso. É muito especial ter a estreia do meu novo filme nesse que é o principal evento do gênero de toda a América Latina. Com a seleção vem a comprovação que minhas ideais, e as dúvidas também, estavam no caminho certo.

O É Tudo Verdade marca seu compromisso, também, com toda uma cinematografia nacional, buscando filmes das mais variadas formas e sentidos para sua competição. Afinal, um documentário pessoal, íntimo, na competição de um grande festival, mostra que ele está alinhado às inovações e experiências estéticas e narrativas que o cinema pode possibilitar. Estou ansioso pela estreia e por poder ver o retorno de Abissal após ser exibido para o grande público pela primeira vez.

 

Felipe Arrojo Poroger fala sobre Aqueles Anos em Dezembro

Cine Festivais: Seu filme começa com uma cartela dizendo que ele “não pôde ser feito”, ao menos não da forma como fora planejado. O marco maior desse tipo de trabalho “reinventado” na cinematografia brasileira é Cabra Marcado Para Morrer, de Eduardo Coutinho. Mais recentemente, Santiago, de João Moreira Salles, também é um forte exemplar nesse sentido. Já a tendência de realizar documentários extremamente pessoais perpassa alguns trabalhos recentes, como Diário de Uma Busca, de Flávia Castro, e Os Dias Com Ele, de Maria Clara Escobar. O quanto você pensou nesses e em outros trabalhos durante o processo de produção do filme e como você analisa essa última tendência?

Felipe Arrojo Poroger: Santiago foi um dos filmes que mais marcou a minha adolescência. Lembro claramente da impressão que me causou em 2007, quando tinha dezesseis anos. De alguma maneira, os temas que motivam Aqueles Anos em Dezembro estavam tomando forma já naquela época. Passei oito anos sem revê-lo e só entrei em contato novamente quando estava no meio do processo de montagem. Para minha surpresa, havia um diálogo muito maior do que imaginava, a ponto de até me incomodar um pouco.

Passagens que eu julgava singulares do meu filme eram muito semelhantes às de Santiago, o que me fez repensar a montagem e encontrar outros caminhos. Não lembro de outro filme ter durado tanto em minha cabeça. Confesso que, ao saber que o meu curta será também exibido no Instituto Moreira Salles do Rio de Janeiro – cenário do filme do João Moreira Salles -, fiquei muito feliz.

Quanto à possível tendência, realmente não sei dizer nem mesmo se é nova. Explorar a própria subjetividade como tema talvez seja uma possível resposta à quantidade gigantesca de filmes, livros, peças que são produzidos diariamente falando sobre tudo e todos. Acho que isso cansa um pouco quem pretende produzir cultura. O perigo é acabar fazendo um culto a si mesmo, tentando destacar a própria experiência como se fosse algo extraordinário. Espero não ter feito isso e que nós – minha família e eu – sejamos só um ponto de partida para discutir algo mais relevante, como a percepção do tempo, memória e cidade.

 

CF: Apesar de ter sido escrito em primeira pessoa do seu ponto de vista, a narração em off do filme foi gravada pelo seu pai. Por que você realizou essa opção? Você acha que ela pode ser tida como um reflexo da não realização do filme que estava planejado inicialmente?

FAP: Achei que seria bonito dar a minha voz ao meu pai, como quem lê um roteiro. Eu sei que as questões do filme são questões que herdei dele. Era justo que fosse o narrador. Ou melhor, que nós fôssemos os narradores: eu escrevendo, ele lendo. Em um momento tão difícil como aquele queria ter por perto minha família, engajada no projeto. Fora que sabia que era uma ideia que ele amaria. Tanto que já deve ter assistido ao filme umas trinta vezes. Bem mais do que eu.

 

CF: Ao mesmo tempo em que propõe uma espécie de arqueologia dos dois lados da sua família (através, por exemplo, de casos de depressão que ligam partes paterna e materna), há também uma tentativa de resgatar a sua própria trajetória até aqui, por meio principalmente das fitas de VHS. Gostaria que você comentasse sobre esse duplo movimento que faz o filme, pensando principalmente nas diferentes texturas (o VHS colorido e o digital preto e branco) que se chocam ao longo da projeção.

FAP: Os VHS foram um achado, o maior de todos. Uma surpresa que deu vida ao filme e, sendo bastante cafona, a mim mesmo. Eu não assistia àqueles vídeos há anos, décadas. Quando me entregaram os arquivos digitalizados é como se tivesse ganhado várias peças de um quebra-cabeça incompleto. Acho que foi este o movimento ou sensação que tentei trazer ao filme: recortes distintos que se somam e parecem – só parecem – conferir algum sentido ao todo. No fundo, era esse tipo de material – hoje tão banalizado por smartphones – que queria ter de meus avós.

 

CF: Como essa escolha pelo preto e branco tem a ver com um terceiro elemento de choque, que é a cidade e a sua transformação que faz de tudo para aterrar a memória?

FAP: Eu poderia tentar explicar o recurso conceitualmente, mas, sendo honesto, nunca consegui visualizar o filme de outra maneira. A quantidade de texturas diferentes que eu pudesse usar para passar a ideia deste um conjunto desconjuntado – de uma unidade que é pretendida (mas impossível, por definição) – eu usaria. Sinceramente, tentei pensar o menos possível. O momento familiar – e modo como aquilo estava me afetando – não me dava ânimo para pensar muito. Eu só fiz e pronto, vomitando o que estava na minha cabeça, quase por associação livre. E o resultado me parece muito mais honesto do que em outros momentos quando me propus a intelectualizar todas as escolhas.

 

Sessões de Abissal e Aqueles Anos em Dezembro no 21º É Tudo Verdade (ambos estão no mesmo programa):

– 9/4 – 15h – Cinearte (São Paulo)

– 10/4 – 15h – Espaço Itaú Botafogo – Sala 6 (Rio de Janeiro)

– 13/4 – 16h – Centro Cultural São Paulo (São Paulo)

– 14/4 – 14h – Instituto Moreira Salles (Rio de Janeiro)

 

Leia também:

>>> Guia do 21º É Tudo Verdade

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